Filosofia – Pensadores e Obras

poesia

(gr. poiesis; lat. poesia; in. Poetry; fr. Poésie; al. Dichtung; it. Poesia).

Forma definida da expressão linguística, que tem como condição essencial o ritmo. Podem-se distinguir três concepções fundamentais: 1) a poesia como estímulo ou participação emotiva; 2) a poesia como verdade; 3) a poesia enquanto modo privilegiado de expressão linguística.

1) A concepção de poesia como estímulo emotivo foi exposta pela primeira vez por Platão: “A parte da alma que, em nossas desgraças pessoais, tentamos refrear, que tem sede de lágrimas e gostaria de suspirar e lamentar-se à vontade — pois é essa a sua natureza — é justamente a parte a que os poetas dão satisfação e prazer. (…) Quanto ao amor, à cólera e a todos os movimentos dolorosos ou agradáveis da alma, que são inseparáveis de todas as nossas ações, pode-se dizer que sobre eles a imitação poética produz os mesmos efeitos, visto que, embora fosse preciso estancá-los, ela os irriga e nutre, transformando-nos em servos das faculdades que, ao contrário, deveriam obedecer-nos para que nos tornássemos mais felizes e melhores” (Rep., X, 606 a-d). Platão observa que o lado emocional da arte não é menor por tratar de emoções alheias, porque “necessariamente as emoções alheias passam a ser nossas” (Ibid., 606 b). Não há dúvida, portanto, de que para Platão a característica fundamental da poesia imitativa (assim como da razão de sua condenação) é a participação emocional em que ela se baseia, bem como o reforço das emoções que ela consegue com tais participações. Giambattista Vico não só estendeu ao universo inteiro a participação emotiva, considerada própria da poesia, como também eliminou o caráter condenatório que se encontra em Platão. “O sublime trabalho da poesia” — escreveu ele — “é dar sentido e paixão às coisas insensatas, sendo propriedade das crianças de tomar nas mãos coisas inanimadas e, brincando, conversar com elas como se fossem pessoas vivas. Esta dignidade filológico-filosófica comprova que os homens do mundo criança foram, por natureza, poetas sublimes” (Scienza nuova, 1744, Degn. 37). Portanto, segundo Vico, a poesia está ligada aos “robustos sentidos” e às “vigorosíssimas fantasias” dos homens primitivos ou brutos; seu tríplice objetivo é “achar fábulas sublimes que se adaptem aos interesses populares”, “perpetuar ao máximo” e “ensinar o vulgo a agir virtuosamente” (Ibid., II., cf. Lettera a Gherardo degli Angioli). Deste ponto de vista, poesia e filosofia são antípodas, e “quanto mais robusta é a fantasia, tanto mais fraco é o raciocínio” (Ibid., Degn. 36). Esse mesmo conceito de poesia como estímulo ou participação emocional acha-se na teoria da empatia , que considera a atividade estética como a projeção das emoções do indivíduo no objeto estético. Segundo o principal defensor dessa teoria, Theodor Lipps, a empatia é um ato original, essencialmente independente da associação de ideias e profundamente arraigado na própria estrutura do espírito humano (Ästhetik I, 1903, pp. 112 ss.): deste modo, é postulada como uma faculdade à parte, à qual está confiada a função de animar a materialidade bruta do mundo exterior, tornando o mundo mais familiar e agradável ao homem. Com base na distinção entre o uso simbólico da linguagem e o seu uso emocional, atribuiu-se à poesia “a forma suprema da linguagem emotiva”, cujo único objetivo é estimular “emoções e atitudes” (I. A. Richards, Principles of Literary Criticism, 1924; 14a ed., 1955, p. 273). A função simbólica (ou científica) da linguagem consiste em simbolizar a referência ao objeto e em comunicar essa referência ao ouvinte, levando-o a reconhecer a referência ao mesmo objeto. A função emotiva, por sua vez, consiste em exprimir emoções, atitudes, etc, e em evocá-los no ouvinte: funções que podem ser incluídas na da “evocação”, que é o estímulo da emoção (C. K. Ogden, I. A Richards, The Meaning of Meaning, 1923, 10a ed., 1952, p. 149). Obviamente, este ponto de vista não passa de repetição quase literal da concepção platônica. E não tem significado diferente o modo como C. Morris definiu o discurso poético: “principalmente discurso valorativo e apreciativo”, cujo objetivo é “lembrar e sustentar valores já conhecidos” ou “explorar novos valores” (Signs, Language and Behavior, 1946, V, 7).

2) A concepção de poesia como verdade começa com Aristóteles, que a considerou como tendência à imitação, para ele inata em todos os homens como manifestação da tendência ao conhecimento (Poet., 6, 1448 b 5-14). Segundo Aristóteles, a imitação poética tem validade cognoscitiva superior à imitação historiográfica, porque a poesia não representa as coisas realmente acontecidas, mas “as coisas possíveis, segundo a verossimilhança e a necessidade” (Ibid., 1451 a 38). Por isso, ela “é mais filosófica e mais elevada que a história, porque exprime o universal, enquanto a história exprime o particular. Com efeito, temos o universal quando um indivíduo de certa índole diz ou faz certas coisas com base na verossimilhança e na necessidade, e é essa a intenção da poesia, que dá nome à personagem justamente com base nesse critério. Por sua vez temos o particular quando dizemos, p. ex., o que Alcibíades fez e o que lhe aconteceu” (Ibid., 9, 1451 b 1, 10). Estas famosas observações de Aristóteles equivalem a colocar a poesia na esfera da verdade filosófica, já que esta capta a essência necessária das coisas, e no domínio das vicissitudes humanas a essência é constituída pelas relações de verossimilhança e necessidade, que são objeto da poesia. A poesia, portanto, não possui um grau de verdade inferior à filosofia, mas sim a mesma verdade, no domínio que lhe é próprio, o dos feitos humanos. Esta concepção de poesia dominou a tradição filosófica, na qual podemos distinguir duas interpretações fundamentais: A) a poesia tem uma verdade de grau ou natureza diferente da verdade intelectual ou filosófica; B) a poesia contém a verdade filosófica absoluta.

A) A primeira posição está na origem da estética moderna. Baumgarten afirmou que o objeto estético, a beleza, é “a perfeição do conhecimento sensível enquanto tal”, e que por isso ele não coincide com o objeto do intelecto, que é o conhecimento distinto (Aesthetica, 1750-58, § 14). Como perfeição do conhecimento sensível, a beleza é universal, mas de uma universalidade diferente do conhecimento, porque abstrai da ordem e dos signos, realizando uma forma de unificação puramente fenomenal (Ibid., § 18). Segundo Baumgarten, a poesia é, particularmente, “um discurso sensível perfeito”, de tal maneira que seus vários elementos (representações, nexos, palavras ou sinais que as expressam) tendem ao conhecimento das representações sensíveis (Meditationes philosophicae de nonnulis ad poema pertinentibus, 1735, §§ 1-9). A qualificação “sensível” esclarece o caráter da poesia; graças a isso, ela tem por objeto representações claras, mas que se confundem, ao passo que as representações claras e distintas, ou seja, completas e adequadas, não são sensíveis, portanto não são poéticas; desse modo, filosofia e poesia não se encontram, pois a primeira exige as distinções de conceitos que a segunda alija de seu domínio (Medit., cit., § 14). Analogamente Vico afirmava: “A sabedoria poética, que foi a primeira da gentilidade, teve de começar com alguma metafísica, não a metafísica arrazoada e abstrata dos eruditos de agora, mas sensiva e imaginativa tal como deve ter sido a de tais primeiros homens, pois eles eram de nenhum raciocínio, mas de sentidos robustos e vigorosíssimas fantasias” (Sc. nuova, 1744, II, Delia sapienza poética). Mas foi Hegel quem expressou melhor essa tese: “A poesia é mais antiga que a linguagem prosaica artisticamente formada. Ela é a representação originária da verdade, é o saber no qual o universal não foi ainda separado por sua existência viva no particular, no qual a lei e o fenômeno, o fim e o meio ainda não foram contrapostos, para serem depois novamente interligados pelo raciocínio, mas compreendem-se um no outro e um através do outro. Por isso, a poesia não se limita a exprimir através da imagem um conteúdo que já é conhecido por si em sua universalidade, mas, ao contrário, de acordo com seu conceito imediato, ela permanece na unidade substancial, onde ainda não ocorreu tal separação nem tal relação” (Vorlesungen über die Ästhetik, ed. Clockner, III, p. 239). Com isso, para Hegel, a poesia (assim como toda a arte) continua aquém ou abaixo da filosofia, pois é só nesta que a Ideia se revela ou se realiza em sua verdadeira natureza, que é universalidade ou razão, não imediação ou imagem; mas a poesia pertence à esfera da verdade absoluta, ao lado da filosofia e da religião (à qual está subordinada). No idealismo de origem romântica, o conceito de poesia continuou sendo substancialmente o expresso por Hegel. Croce, depois de insistir na prioridade da arte sobre o conhecimento intelectual propriamente dito, portanto em sua relativa autonomia em face da filosofia (com a qual, porém, nunca negou que a arte compartilhasse o status de conhecimento), acabou insistindo cada vez mais nas características de totalidade e universalidade da expressão artística, que a aproximam da verdade filosófica. Ao contrário do sentimento, “a expressão poética é uma teorese, um conhecer, e por isso mesmo, enquanto o sentimento adere ao particular e, por mais elevado e nobre que seja em sua origem, move-se necessariamente na unilateralidade da paixão, na antinomia do bem e do mal e na ansiedade do prazer e da dor, a poesia reata o particular ao universal, acolhe com igualdade dor e prazer, superando-os, e, acima do embate das partes contra as partes, eleva a visão das partes no todo, a harmonia sobre o contraste, a extensão do infinito sobre a angústia do finito. Este cunho de universalidade e de totalidade é o seu caráter” (La poesia, 1936, pp. 8-9). Assim, o valor da poesia estava justamente em sua teoreticidade, ou seja, na sua validade cognoscitiva; e vinha a ser o que Hegel já havia dito que era: uma verdade filosófica que se manifesta na imediação da imagem, e não na universalidade do conceito. B) Ao lado dessa concepção, há outra que, apesar de estreitamente aparentada, não vê na poesia a aproximação da verdade absoluta, mas a própria verdade absoluta. Schiller já se expressara sobre a poesia nesses termos. Na obra Sobre a poesia ingênua e sentimental (1795-96), afirmou que o poeta é a natureza, ou seja, sente naturalmente e portanto imita a natureza, ou sente-se afastado da natureza e vai à sua procura nostalgicamente, configurando-a como ideal. No primeiro caso, o poeta é ingênuo, como na antiga Grécia; no segundo caso, é sentimental, como na era moderna. Mas em ambos os casos, a poesia é o absoluto. Com efeito, a poesia ingênua é representação absoluta, concluída, total e definitiva; a poesia sentimental é representação do absoluto, de um ideal de perfeição consumado, conquanto longínquo (Werke, ed. Karpeles, XII, pp. 122 ss.). Schiller valeu-se desse aspecto para afirmar resolutamente a superioridade da poesia sobre a filosofia: não hesitava em dizer que “o único homem verdadeiro é o poeta, diante do qual o melhor filósofo não passa de caricatura” (Epistolário Goethe-Schiller, 71-1795; trad. Santangelo). Essa tese representa sem dúvida um filão importante e bem determinado da concepção romântica da poesia. Schelling dizia: “A faculdade poética é a intuição originária na sua primeira potência; e vice-versa, a única intuição produtiva que se repete na mais elevada potência é o que chamamos de faculdade poética” (System des transzendentalen Idealismus, 1800, VI, § 3). A faculdade poética atualiza a unidade das atividades consciente e inconsciente, que constitui a natureza do Eu absoluto. “O que chamamos de natureza é um poema, fechado em caracteres misteriosos e admiráveis. Mas se o enigma pudesse ser revelado, reconheceríamos nele a odisseia do Espírito, que, por maravilhosa ilusão, buscando-se, foge de si mesmo” (Ibid). Na filosofia contemporânea, esse ponto de vista foi re-expresso por Heidegger: “AP. é a nominação fundadora do ser e da essência de todas as coisas; não é um simples dizer qualquer, mas é dizer pelo qual é revelado inicialmente tudo o que nós debatemos e tratamos depois na linguagem de todos os dias. Por conseguinte a poesia nunca recebe a linguagem como matéria a ser manipulada, pressuposta, mas, ao contrário, é a poesia que começa a possibilitar a linguagem. A poesia é a linguagem primitiva de um povo, e a essência da linguagem deve ser compreendida a partir da essência da poesia” (Holderlin und das Wesen der Dicbtung, 1936, § 5). Como linguagem originária, a poesia é a própria verdade, isto é, a manifestação ou revelação do Ser (Holzwege, 1950, pp. 252 ss.).

3) A terceira concepção fundamental à primeira vista é menos filosófica que as outras, porque não consiste em atribuir à poesia determinada tarefa em dada metafísica, nem em ligá-la a determinada faculdade ou categoria do espírito, ou em reservar-lhe um lugar na enciclopédia do saber humano, mas apenas em descobrir certas características que a poesia possui em suas realizações históricas mais bem-sucedidas, e em resumi-las numa definição generaliza-dora. Todavia, é este o único procedimento que pode gerar uma definição funcional da poesia, que sirva para expressar e orientar o trabalho efetivo dos poetas. Portanto, para essa definição os poetas contribuíram mais que os filósofos, apesar de estes também terem por vezes conseguido captar alguns de seus aspectos importantes. Obviamente, deste ponto de vista, a poesia, pelo menos à primeira vista, é apenas um modo privilegiado de expressão linguística: privilegiado em virtude de uma função especial a ele atribuída. O privilégio atribuído ao modo poético de expressão é frequentemente determinado como “liberdade”. Depois de dizer que “as artes da palavra” são a eloquência e a poesia, Kant afirma: “A eloquência é a arte de tratar uma função do intelecto como livre jogo da imaginação; a poesia é a arte de dar a um livre jogo da imaginação o caráter de função do “intelecto” (Crít. do Juízo, § 51). Aqui, a noção de “jogo” serve para ressaltar o caráter livre da atividade poética em face de qualquer outro fim utilitário; a noção de “função do intelecto” serve para designar a disciplina a que se sujeita a poesia, mesmo na liberdade de seu jogo. Deste ponto de vista, a função da expressão poética é a libertação da linguagem de seus usos utilitários e a sua elaboração numa disciplina autônoma. Dewey insistiu nas mesmas características da expressão poética: “Se, entre prosa e poesia, não há uma diferença passível de ser definida com exatidão, entre prosaico e poético há um abismo, pois são termos extremos que limitam tendências da experiência. O prosaico realiza o poder que as palavras têm de exprimir “por meio da extensão”; o poético, o de exprimir por meio da intensão. O prosaico lida com descrição e narração, acumulando detalhes; o poético inverte o processo: “condensa e abrevia, dando assim às palavras uma energia e expansão quase explosiva”. Por isso, na poesia “cada palavra é imaginativa, assim como, na verdade, também o foi na prosa até que, pelo desgaste do uso, as palavras foram reduzidas a simples enumeradores”; “a força imaginativa da literatura é uma intensificação da função idealizante cumprida pelas palavras na linguagem comum” (Art as Experience, 1934, cap. 10; trad. it., pp. 284-85). A maior intensidade de que fala Dewey não é emotiva, mas expressiva: é a maior força do significado das palavras que não estão desgastadas pelo uso. Ora, confiar à poesia a função de conservar e restabelecer na linguagem a força de significação, de purificá-la, mantê-la eficiente, renová-la e aperfeiçoá-la é o que, de há um século a esta parte, têm afirmado muitos dos poetas que refletiram sobre o próprio trabalho. As teses fundamentais da concepção da poesia elaborada e pressuposta pelos poetas modernos podem ser recapituladas da seguinte maneira:

1) A poesia é independente de qualquer objetivo prático ou utilitário. Este caráter foi expresso pela fórmula da arte pela arte, à qual aderiram no século passado artistas como Flaubert, Gautier, Baudelaire, Walter Pater, Oscar Wilde e Allan Poe. O alvo contra o qual se dirige essa fórmula é a subordinação da poesia à emoção, à verdade ou ao dever; seu significado positivo é a liberdade da poesia no sentido afirmado, p. ex., por Kant. Flaubert diz: “Compor versos simplesmente, escrever um romance, cinzelar mármore, eram coisas boas nos tempos em que não existia a missão social do poeta. Agora qualquer obra deve ter significado moral, ensinamento bem dosado; é preciso que um soneto tenha alcance filosófico, que um drama pise nos calos dos monarcas e que uma aquarela enobreça os costumes. A mania de advogar insinua-se em toda a parte, juntamente com a sofreguidão de discutir, perorar, arengar” (Lettre à Louise Colet, 18 de setembro de 1846). No editorial introdutivo do periódico L’artiste (14 de dezembro de 1856), Gautier proclamava: “Cremos na autonomia da arte; para nós a arte não é um meio para um fim. Um artista que corre atrás de um objetivo que não seja a beleza em nossa opinião não é artista”. A fórmula da arte pela arte é, portanto, substancialmente a defesa da poesia contra qualquer tentativa de torná-la instrumento de propaganda de um objetivo qualquer.

2) A beleza é o único fim da poesia. Visto que a arte não pode estar subordinada ao bem, à verdade ou a coisas que pretendam ter tais características, resta-lhe como único fim a beleza, mais precisamente a beleza formal, que

independe dos conteúdos que lhe são oferecidos pela emoção ou pelo intelecto. Flaubert diz: “Poeta da forma! Eis a grande palavra injuriosa que os utilitários lançam em face dos verdadeiros artistas. (…) Não há belos pensamentos sem belas formas e vice-versa… A quem escreve em bom estilo censura-se o descuido da ideia, do fim moral; como se a tarefa do médico não fosse curar, a do pintor pintar, a do rouxinol cantar e como se a finalidade da arte não fosse, antes de tudo, o belo” (Lettre à Louise Colet, 18 de setembro de 1846). E Poe afirmava: “A poesia, enquanto arte da palavra, é a criação rítmica da beleza. Seu único árbitro é o gosto: com o intelecto ou com a consciência ela só tem relações colaterais. A não ser por acaso, ela não cuida absolutamente do dever nem da verdade” (“The Poetic Principle”, Works, ed. Harrison, XIV, p. 275).

3) O caráter da beleza é objetivo; ela está além da experiência emotiva. Flaubert dizia: “Quanto menos se sente uma coisa tanto mais se tem capacidade para exprimi-la tal qual ela é (tal qual ela é sempre, em si mesma, na sua universalidade, livre de todas as suas contingências efêmeras). É preciso, porém, ter a faculdade de fazer-se senti-la, e isso é o gênio” (Lettre à Louise Colet, 6 de julho de 1852). E T. S. Eliot, apoiando esse conceito, escrevia: “A poesia não é um livre movimento da emoção, mas uma fuga da emoção; não é a expressão da personalidade, mas a fuga da personalidade. Naturalmente, porém, só os que possuem personalidade e emoção sabem o que pretendemos dizer quando aludimos à necessidade de fuga dessas coisas. (…) A emoção da arte é impessoal. E o poeta não pode alcançar essa impessoalidade sem entregar-se inteiramente à obra que deve ser feita” (The Sacred Wood, 1920; trad. it., pp. 124-25). No mesmo sentido Ungaretti disse: “Toda a minha atividade poética, desde 1919, desenvolvia-se nesse sentido, um sentido mais objetivo, (…) uma projeção e uma contemplação dos sentimentos nos objetos, uma tentativa de elevar a ideias e a mitos a minha própria experiência biográfica” (La terra promessa, Nota de Leone Piccioni).

4) A poesia tem caráter construtivo, a beleza tem caráter construído. Estas foram teses de Poe, Baudelaire e Valéry. O primeiro descreveu a construção poética como uma espécie de trabalho artesanal (“The Philosophy of Composition” em Works, ed. Harrison, XIV, p. 196). Baudelaire, por sua vez, insistiu no conceito da arte como composição: “Todo o universo visível é só um armazém de imagens e de signos aos quais a imaginação atribuirá um lugar e um valor relativo; é uma espécie de forragem que a imaginação precisa digerir e transformar” (“Salon de 1859”, OEuvres, ed. Le Dantec, II, p. 232). Mas foi Valéry quem mais enfatizou o caráter da arte como construção: “As criações do homem são feitas com vistas ao próprio corpo — e dá a esse princípio o nome de utilidade— ou com vistas à própria alma — e isso ele procura com o nome de beleza. Mas, por outro lado, quem constrói ou cria, comprometido como está com o resto do mundo e com o movimento da natureza, que tendem perpetua-mente a dissolver, corromper ou arruinar o que ele faz, precisa discernir um terceiro princípio, que tenta comunicar às próprias obras, capaz de exprimir a resistência que estas deverão opor ao seu destino de obras perecíveis. Em suma, ele cria a solidez e a duração. Eis as grandes características de uma obra completa. Só a arquitetura exige-as e eleva-as ao ponto culminante. Considero-a a arte mais completa” (Eupalinos, trad. it., pp. 141-42). Assim, o caráter arquitetônico da arte é condicionado pela resistência que ela encontra nas forças naturais e pela vitória sobre essa resistência. Por outro lado, um corolário do caráter construtivo ou arquitetônico da atividade poética é o controle sobre a inspiração, já ressaltado por Baudelaire: “Alimento substancioso e regular é a única coisa necessária para os escritores fecundos. A inspiração é decididamente irmã do trabalho cotidiano. Esses dois contrários não se excluem, tanto quanto não se excluem os contrários que constituem a natureza. A inspiração obedece, tanto quanto a fome, a digestão, o sono” (“Conseils aux jeunes littérateurs”, 6, OEuvres, ed. Le Dantec, II, p. 388).

5) A poesia tem caráter comunicativo. Flaubert dizia: “O poeta deve simpatizar com tudo e com todos para compreendê-los e descrevê-los” (Lettre à Mlle. Leroyer de Chantepie, 12 de dezembro de 1857). E Baudelaire: “Prefiro o poeta que está em permanente comunicação com os homens de seu tempo, trocando com eles pensamentos e sentimentos que se traduzem em linguagem nobre e suficientemente correta. Situado num dos pontos da circunferência da humanidade, o poeta retransmite na mesma linha, com vibrações mais melodiosas, o pensamento humano que lhe foi transmitido. O verdadeiro poeta deve ser uma encarnação” (“Pierre Dupont”, CEuvres, ed. Le Dantec, I, p. 404).

6B Deve-se buscar a perfeição formal, que é a exatidão ou precisão expressiva. Flaubert queria que a poesia fosse “tão exata quanto a geometria” (Lettre à Louise Colet, 14 de agosto de 1853) e afirmava: “Quanto mais uma ideia é bela tanto mais a frase é harmoniosa. A exatidão do pensamento faz (ou melhor, é) a exatidão da palavra” (Lettre à Mlle. Leroyer de Chantepie, 12 de dezembro de 1857). Mallarmé insistiu nesse aspecto da poesia: “A arte suprema consiste em mostrar, com a posse impecável de todas as faculdades, que se está em êxtase, sem demonstrar de que maneira se chega ao cume” (Lettre à Henri Cazalis, 27 de novembro de 1863). Valéry escreveu a respeito: “Procurei a exatidão nos pensamentos, para que, patentemente gerados pela observação das coisas, se transformassem, como por um processo espontâneo, nos atos da minha arte. Distribuí minhas atenções, refiz a ordem dos problemas; começo onde antes eu terminava, para ir um pouco mais adiante. (…) Avaro de fantasias, concebo como se perseguisse” (Eupalinos; trad. it, p. 91). E Ungaretti disse no mesmo sentido: “Eu sonhava com uma poesia em que os mistérios da alma, não atraiçoados nem falseados em seus impulsos, se conciliassem com uma extrema sabedoria do discurso” (Quaranta sonetti di Shakespeare, Nota intr.). Mallarmé estendeu a preocupação da exatidão à própria escrita: “O arcabouço intelectual do poema dissimula-se e sustenta-se — acontece — no espaço que isola as estrofes e o branco do papel: silêncio significativo, de composição tão bela quanto a dos próprios versos” (Lettre non datée à Charles Morice, cf. Propos sur Ia poésie, ed. Mondor, p. 164).

7) Finalmente, como recapitulação de todos os aspectos acima enumerados da poesia, também lhe é atribuída a função de manutenção de uma linguagem eficiente. Essa função foi explicada com toda a energia e clareza possíveis por Ezra Pound: a função da literatura “não é a coerção ou a persuasão por vias emocionais” nem a coação a adotar certas opiniões. “Sua função tem a ver com a clareza e o vigor de qualquer pensamento ou opinião. Diz respeito à preservação e ao esmero dos instrumentos, à saúde da própria substância do pensamento. Com exceção de casos raros e limitados de invenção nas artes plásticas ou na matemática, o indivíduo não pode pensar e comunicar o seu pensamento, o governante e o legislador não podem agir eficazmente e redigir suas leis sem as palavras, e a solidez e a validade dessas palavras dependem dos cuidados dos malditos e desprezados literatos” (Literary Essays; trad. it., p. 47). Desse ponto de vista, “a manutenção de uma linguagem eficiente é tão importante para as finalidades do pensamento quanto em cirurgia é importante manter os bacilos do tétano distantes das ataduras”; essa função cabe à poesia, que “é simplesmente linguagem carregada de significado no máximo grau possível” (Ibid., p. 49). A poesia executa essa função de três maneiras; por isso, são três as espécies de poesia: melopeia, na qual “as palavras, além do seu significado comum, comportam alguma qualidade musical que condiciona o alcance e a direção desse significado”; fanopeia, que “é a projeção de imagens sobre a fantasia visual”; e logopeia, na qual as palavras são usadas não só em seu significado direto, mas também em vista de usos e costumes, do contexto, das concomitâncias habituais, das acepções conhecidas e da ironia (Ibid., p. 52). Não há dúvida de que essas observações de Pound constituem o ponto culminante da estética contemporânea da poesia. [Abbagnano]