pneuma

pneuma: ar, respiração, espírito, spiritus

1. Pneuma, que significa ar ou respiração (o verbo grego cognato é usado em ambos os sentidos em Homero), é usado no primeiro sentido quando aparece pela primeira vez em Anaxímenes. Pneuma ou aer, diz ele, unifica o kosmos tal como a nossa psyche, que é também aer unifica o nosso corpo (frg. 2; a linguagem do fragmento impressionou muitos por ser um pouco «moderna» de mais para os sentimentos genuínos de Anaxímenes). A identificação do ar e da respiração, implícita na analogia de Anaxímenes, é tornada explícita pelos pitagóricos quando sustentam que o pneuma e o vazio são inalados pelo universo (Aristóteles, Physica IV, 213b).

2. Mas a ligação da respiração e do princípio vital transita, tal como no conceito da própria psyche, para uma ligação posterior com a cognição na especulação de alguns escritores do século V. Segundo Diógenes de Apolônia, o aer é a arche de todas as coisas e o ar quente dentro de nós é a alma (frg. 5; o mesmo passo salienta que o ar dentro de nós é mais quente do que o ar circundante mas consideravelmente mais fresco do que o ar à volta do céu; confrontar Cleante, 4 infra e ver noûs). Somos então informados (Teofrasto, De sens. 39, 44) de que ele é a fonte da cognição, tanto da sensação (aisthesis) como do pensamento (phronesis). O ar interno deve ser seco e quente (confrontar a alma ígnea de Heráclito) e circula pelo corpo com o sangue (ver kardia). Uma teoria semelhante aparece entre os escritores médicos (ver De morbo sacro 16).

3. Aristóteles continua a fazer uso de pneuma nos seus sentidos vulgares de ar, respiração e vento, mas introduz, além disso, algo Chamado pneuma inato (symphyton) que é uma espécie de substância quente e espumosa análoga na sua composição ao elemento de que são feitas as estrelas (para o desenvolvimento desta sugestão até ao corpo astral dos neoplatônicos, ver ochenia). Partindo do coração, a sua função é fornecer o elo sensitivo e cinético entre os órgãos físicos e a psyche (ver De gen. anim. II, 736a-737a). Este pneuma está presente no esperma e transmite a alma nutritiva e sensitiva do progenitor à descendência (ibid. 735a).

4. O interesse filosófico de Aristóteles pelo pneuma não era considerável, mas os estoicos deram-lhe uma posição de destaque. O pneuma é um composto de ar e fogo (SVF II, 442) e é uma versão aquecida daquilo a que se chama alma (ibid. I, 135). Este pneuma, que é inato (symphyton), é levado pelo sangue através do corpo (ibid. II, 885; ver psyche 28) do mesmo modo que Deus, o qual é também chamado pneuma, está espalhado através do kosmos (ibid.; ver a opinião de Posidônio, ibid. II, 1009), apenas variando pelos seus graus de tensão (tonos). Cada sistema pneumático tem o seu hegemonikon ou papel diretivo: o do homem no coração (kardia); o do kosmos ou no aither (assim Zenão e Crisipo, ibid. II, 642-644) ou no sol (assim Cleante, ibid. I, 499).

5. Tal visão materialista da alma encontrou pouca simpatia quer entre os funcionalistas aristotélicos quer entre os aderentes platônicos de uma alma divina e imaterial. Plotino sugere (Eneadas IV, 7, 4) que os próprios estoicos, ab ipsa veritate coacti, viram a inadequação dos seus pontos de vista e assim se viram constrangidos a juntar ao pneuma hílico uma certa dose de notação qualitativa ou formal, chamando-lhe «pneuma inteligente (ennoun)» ou «fogo intelectual (noeron)».

6. Mas, mesmo antes da época de Plotino, outras correntes estavam a transformar o conceito estoico. Alguns estoicos estavam eles próprios a separar o hegemonikon da corporeidade do pneuma (ver noûs), posição fortemente sugerida pela ética estoica que estabeleceu uma distinção nítida, moral e intelectual, entre o homem e os outros animais (ver Cícero, De leg. I, 7, 22; Sêneca, Ep. 121, 14). Além disso havia a tradição religiosa judaico-cristã que fez a mesma distinção e, embora continuasse a usar a expressão pneuma ou spiritus, a empregou num sentido espiritualizado e não material. Assim Fílon descreve o homem como criado a partir de uma substância terrena e de um espírito divino (theion pneuma), mas continua a salientar, comentando o Gen. II, 7, que este último é uma parte (ou como lhe chama, «uma colônia») da natureza divina, e esta é noûs (De opif. 135). [FEPeters]


(gr. pneuma; lat. spiritus; in. Pneuma; fr. Pneuma; al. Pneuma; it. Pneumà).

Este termo só ganhou significado técnico com os estoicos, que com ele designaram o espírito, ou sopro animador, com que Deus age sobre as coisas, organizando-as, vivificando-as e dirigindo-as. Diógenes Laércio diz: “Para os estoicos a natureza é um fogo artífice destinado a gerar, isto é, um pneuma da espécie do fogo e da atividade formativa (VII, 156; Plut., De stoic. repugn., 43, 1054). Virgílio aludia a essa concepção com versos famosos: “Spiritus intus alit Totamque infusa per artus, Mens agitat molem et totó se corpore miscet” (En., VI, 726), aos versos recorria Giordano Bruno para ilustrar sua concepção do Intelecto artífice ou “ferreiro do mundo” (De la causa, princípio e uno, II). Os magos do Renascimento falavam no mesmo sentido do espírito através do qual a alma do mundo age sobre todas as partes do universo visível (Agripa, De occulta philosophia, I, 14). No livro da Sabedoria(l, 5-7, etc), o pneuma é entendido no sentido estoico. E em sentido análogo, S. Paulo fala do “corpo pneumático”, que ele contrapunha ao “corpo psíquico” ou animal como corpo vivo e vivificante que ressurgirá depois da morte (I Cor., XIV, 44 ss.). Na tradição cristã, pneuma é o Espírito Santo, do qual Tomás de Aquino dizia: “O nome espírito nas coisas corpóreas parece significar certo movimento ou impulso, visto que chamamos de espírito a respiração e o vento. Mas é próprio do amor mover e impelir a vontade do amante em direção ao ser amado. E como a pessoa divina age pelas vias do amor, graças ao qual Deus é convenientemente amado, ela chama-se Espírito Santo” (S. Th., I, q. 36, a. 1). Finalmente, da mesma doutrina do espírito vivificante deriva a dos espíritos “psíquicos”, “animais” ou “corpóreos”, que foram admitidos pela medicina antiga (v. pneumáticos) e pela medieval, sendo mencionada muitas vezes pelos filósofos: os espíritos animais foram mencionados por Tomás de Aquino (In Sent., IV, 49, 3; cf. S. Th., I, q. 76, a. 7, ad. 2S) e mais tarde por Telésio (De rer. nat., V, 5), por Bacon (Nov. Org., II, 7; De augm. scient., IV, 2), por Hobbes (De corp., 25, 10) e especialmente por Descartes, que reexpôs a doutrina de seu próprio ponto de vista (Pass. de l’âme, I, 10).

No sentido comum de ar ou sopro, essa palavra é usada por alguns filósofos que consideram a alma como ar: p. ex., por Anaxímenes, cuja doutrina é um corolário do princípio de que tudo é ar (Fr, 2, Diels), e por Epicuro (Ad Herod., 63). [Abbagnano]