(gr. noesis, dianoia; lat. cogitatio; in. Thought; fr. Pensée, al. Denken; it. Pensieró).
Podemos distinguir os seguintes significados do termo: 1) qualquer atividade mental ou espiritual; 2) atividade do intelecto ou da razão, em oposição aos sentidos e à vontade; 3) atividade discursiva; 4) atividade intuitiva.
1) O significado mais amplo do termo, que indica qualquer atividade ou conjunto de atividades espirituais, foi introduzido por Descartes: “Com a palavra ‘pensar’, entendo tudo o que acontece em nós, de tal modo que o percebamos imediatamente por nós mesmos; por isso não só entender, querer e imaginar, mas também sentir é o mesmo que pensar” (Princ. phil., I, 9; cf. Méd., II). Esse significado é conservado pelos cartesianos (cf., p. ex., Malebranche, Recherche de la vérité, I, 3, 2) e aceito por Spinoza, que inclui entre as maneiras do pensamento “o amor, o desejo e qualquer outra afeição da alma” (Et., II, axioma III). Locke fazia alusão a esse significado, mesmo notando que em inglês pensamento significa mais propriamente “operação do espírito sobre as próprias ideias” (pensamento discursivo) e preferindo por isso a palavra “percepção” (Ensaio, II, 9,1). O mesmo significado era aceito por Leibniz, que definia o pensamento como “uma percepção unida à razão, que os animais, pelo que nos é dado ver, não possuem” (Op., ed. Erdmann, p. 464), e observava que esse termo podia ser interpretado também com o significado mais geral de percepção, e neste caso o pensamento pertenceria a todas as enteléquias (também aos animais) (Nouv. ess., II, 21, 72). A tradição desse significado interrompe-se com Kant e não é retomada na filosofia moderna.
2) No segundo significado, esse termo designa a atividade do intelecto em geral, distinta da sensibilidade, por um lado, e da atividade prática, por outro. Neste significado Platão emprega, às vezes, a palavra noesis, como quando designa com ela todo o conhecimento intelectivo, que encerra tanto o pensamento discursivo (dianoia) quanto o intelecto intuitivo (noûs) (Rep., VII, 534 a), e outras vezes a palavra dianoia, como faz quando define o pensamento em geral como o diálogo da alma consigo mesma. “Quando a alma pensa” — diz ele — “não faz outra coisa senão discutir consigo mesma por meio de perguntas e respostas, afirmações e negações; e quando, mais cedo ou mais tarde, ou então de repente, decide-se, assevera e não duvida mais, dizemos que ela chegou a uma opinião” (Teet., 190 e, 191 a; cf. Sof., 264 e). No mesmo sentido geral, Aristóteles emprega a palavra dianoia como quando diz: “Pensável significa aquilo sobre o que existe um pensamento” (Met., V, 15, 1021 a 31).
Este significado, que é o mais amplo (depois do precedente), tornou-se tradicional e é compartilhado por todos os que admitem a noção do intelecto como faculdade de pensar em geral: na realidade as duas noções coincidem. S. Agostinho (De Trin., XIV, 7) e Tomás de Aquino (S. Th., II, 2, q. 2 a. 1) admitem esse significado genérico ao lado do significado específico de pensamento discursivo (v. adiante). Neste sentido, o pensamento constitui a atividade própria de certa faculdade distinta do espírito humano, mais precisamente a faculdade à qual pertence a atividade cognoscitiva superior (não sensível). Wolff definia neste sentido: “Dizemos que estamos pensando quando estamos cientes daquilo que acontece em nós, que representa as coisas que estão fora de nós” (Psychol. empírica, § 23). Este significado constitui, hoje também, o emprego mais comum desse termo na linguagem corrente.
3) O terceiro significado de pensamento especifica-o como pensamento discursivo. É esse o pensamento que Platão chamava de dianoia, considerando-o órgão das ciências propedêuticas (aritmética, geometria, astronomia e música), encaminhamento e preparação para o pensamento intuitivo do intelecto (Rep., VI, 511 d). S. Agostinho negava que o Verbo de Deus pudesse chamar-se pensamento neste sentido (De Trin., XV, 16); o mesmo fazia Tomás de Aquino, porque neste sentido pensar é “uma consideração do intelecto acompanhada pela indagação, sendo portanto anterior à perfeição que o intelecto atinge na certeza da visão” (S. Th., II, 2, q. 2, a. 1; cf. I q. 34, a. 1). Segundo Tomás de Aquino, este é o significado “mais apropriado” da palavra “pensamento”. Neste significado, pode-se integrar o outro, que ele distingue como terceiro (o primeiro é o genérico, conforme o nB 2), o pensamento como ato da faculdade cogitativa (virtus cogitativa) ou razão particular (ratio particularis), que corresponde à capacidade estimativa dos animais e consiste em reunir e comparar as intenções particulares, assim como a razão intelectiva ou pensamento discursivo consiste em reunir e comparar as intenções universais(Ibid., I, q. 78, a. 4). Vico só fazia expressar os mesmos conceitos ao afirmar, em De antiquissima italorum sapientia (1710), que a Deus pertence a inteligência (intelligere), que é o conhecimento perfeito, resultante de todos os elementos que constituem o objeto, e ao homem pertence só o pensamento (cogitare), que é como ir recolhendo alguns dos elementos constitutivos do objeto (De antiquissima italorum sapientia, I, 1). O empirismo referia-se à mesma noção de pensamento quando Hume, p. ex., afirmava que tudo o que o pensamento pode fazer consiste “no poder de compor, transportar, aumentar ou diminuir os materiais fornecidos pelos sentidos e pela experiência” (Inq. Conc. Underst., II; trad. it., 1910, p. 17). E este é, finalmente, o conceito de Kant: “Pensar é interligar representações numa consciência” (.Prol., § 22). O que significa “pensar é o conhecimento por conceitos”, e também “os conceitos, como predicados de juízos possíveis, referem-se a algumas representações de um objeto ainda indeterminado”, e portanto, quando esse objeto não é dado à intuição sensível, tem-se um “pensamento formal”, mas não um conhecimento propriamente dito, que consiste na unidade de conceito e intuição (Crít. R. Pura, Anal. dos conceitos, seç. 1, § 22). Ao pensamento neste sentido referia-se Hamilton, considerando-o “ato ou produto da faculdade discursiva, ou faculdade das relações” (Lecture on Logic, V, 10; I, p. 73). Desse ponto de vista, a atividade do pensamento é definida em termos de síntese, unificação, confronto, coordenação, seleção, transformação, etc, dos dados que são oferecidos ao pensamento, mas não por ele mesmo produzidos. Portanto, a característica do pensamento visto como atividade discursiva é, em última análise, negativa: o pensamento discursivo nunca se identifica com seu objeto, mas versa sobre ele, ou seja, caracteriza-o e expressa-o. Neste sentido, Frege chama de pensamento o conteúdo de uma proposição, o seu sentido (“Über sinn und Bedeutung”, § 5; trad. it., em Aritmética e lógica, p. 225). Neste mesmo sentido, Wittgenstein dizia: “O pensamento é a proposição significante”, e identificava pensamento e linguagem com o fundamento de que “a totalidade das proposições é a linguagem” (Tractatus, 3, 5; 4; 4.001).
4) A característica do conceito de pensamento como intuição é a sua identidade com o objeto. Neste sentido, pensamento é atividade do intelecto intuitivo, ou seja, do intelecto que é visão direta do inteligível, segundo Platão (Rep., VI, 511 c), ou que, segundo Aristóteles, identifica-se com o próprio inteligível em sua atividade (Met., XII, 2, 1072 b 18 ss.). Para o pensamento neste sentido os antigos usaram constantemente a palavra intelecto ; já vimos que S. Agostinho e Tomás de Aquino recusaram-se a estender a ele o significado de “pensamento”. Mas no idealismo romântico, ao mesmo tempo em que o intelecto era rebaixado à faculdade do imóvel, o pensamento era alçado à posição já ocupada pelo intelecto intuitivo, e identificado com ele. Fichte foi o primeiro a fazer isso, quando identificou o pensamento com o Eu ou Autoconsciência Infinita (Wissenschaftslehre, 1794, § 1); o mesmo fizeram Schelling e Hegel. Schelling afirmava: “Meu eu contém um ser que precede qualquer pensamento e representação. É porque é pensado; e é pensado porque é. (…) Produz-se com meu pensamento, graças a uma causalidade absoluta” (Vom lch als Prinzip der Philosophie, 1795, § 3). Hegel, por sua vez, foi quem expressou com mais clareza a identificação do pensamento com a autoconsciência criadora, ou seja, como atividade que coincide com sua própria produção. Ao definir a lógica como “ciência do pensamento”, afirmava que “ela contém o pensamento porque é ao mesmo tempo a coisa em si mesma, ou contém a coisa em si mesma porque é ao mesmo tempo o pensamento puro” (Wissenschaft der Logik, Intr., Conceito geral; trad. it., I, p. 32). E partindo do conceito discursivo de pensamento, Hegel chega ao seu conceito intuitivo: “O pensamento no seu aspecto mais próximo mostra-se sobretudo em seu significado subjetivo comum como uma atividade ou faculdade espiritual, ao lado de outras (sensibilidade, intuição, fantasia, apetição, querer, etc). O produto dessa atividade, caráter ou forma do pensamento é o universal, o abstrato em geral. O pensamento como atividade é, por isso, o universal ativo, é propriamente aquilo que se faz, visto que o feito, o produto, é justamente o universal. O pensamento representado como sujeito, é o pensante; e a expressão simples do sujeito existente como pensante é o eu” (Enc., § 20). Em outros termos, o pensamento é ao mesmo tempo a atividade produtiva e o seu produto (o universal ou conceito): ele é, portanto, a essência ou a verdade de tudo (Ibid., § 21). A partir de Hegel essa noção intuitiva do pensamento foi às vezes qualificada pelos seus defensores como conceito “especulativo” do pensamento, e considerado o único adequado, por entender o pensamento em sua infinidade e força criadora. Mas na realidade tratava-se ainda da velha noção de intelecto intuitivo estendida ao homem, sem levar mais em conta os limites e as condições que os antigos impunham a essa extensão. [Abbagnano]
tudo de que temos consciência. — O pensamento designa principalmente o ato de refletir (“Pensar é julgar”, diz Kant) ou o produto da reflexão (os Pensamentos de Pascal). O problema da natureza e da origem de nossos pensamentos, que é o problema último de toda reflexão, só foi diretamente abordado por Spinoza (no segundo livro da Ética), por Fichte (na Teoria da ciência) e por Heidegger (em O que é pensar?). Parece que a análise do pensamento humano e a reflexão sobre sua própria atividade constituem o caminho mais fecundo para atingir o conhecimento do ser absoluto ou Deus. Distingue-se, rigorosamente, a noção de “pensamento”, que é reflexiva, da de “conhecimento”, que se focaliza imediatamente sobre um objeto real (o mundo, os homens etc.) e não implica necessariamente na reflexão. [Larousse]
É o modo de conhecimento não intuitivo dirigido ao ente enquanto tal e às relações implicadas no seu sentido. O pensamento perfaz-se no espírito humano em variados atos de apreensão (compreensão da relação, formação do conceito, raciocínio) e de tomada de posição (interrogação, dúvida, etc), a fim de, no assentimento do juízo, abarcar de modo definitivo (ou que se julgar ser definitivo) um objeto. Numa transição rítmica passa-se da contemplação tranquila de um objeto (apreendido) ao processamento e busca de conhecimentos sempre novos (pensar discursivo), e do ato de entender, meramente em forma reprodutiva, uma verdade apresentada, mediante a compreensão de suas relações lógicas com verdades adquiridas noutra ocasião (pensamento reprodutivo), transita-se a um pensamento criador mais independente (inspiração, intuição e mais abaixo).
O pensamento distingue-se essencialmente do conhecimento sensorial. Ele dirige-se não só ao que recai sob os sentidos mas também ao intuitivo e, no sensorialmente perceptível, à quididade da coisa não apreensível pelos sentidos. Não se limita a seguir as leis das associações e dos complexos que atuam de maneira cega para os sentidos (necessidade subjetiva do pensamento), mas orienta-se, em última instância, pela conexão necessária dos próprios conteúdos conceptuais (necessidade lógica ou objetiva do pensamento). A despeito dos múltiplos vínculos que o prendem à realidade material, o pensamento não é, como o conhecimento sensorial, uma atividade imediatamente co-executada com a matéria, mas é de natureza espiritual (espírito). Tendendo para o ser propriamente dito e encontrando aí seu objeto formal, ele pode, embora muitas vezes só analogicamente, entrar em contato com tudo o que de algum modo tem ser. Portanto, sua amplitude é ilimitada. — Todavia, o pensamento humano permanece frequentemente enlaçado por muitas maneiras à unidade psíquico-somática do conhecimento sensível (e, por isso mesmo, à matéria e ao inconsciente), tanto nos atos de apreensão como nos atos de tomar posição. Os conteúdos de nossos conceitos procedem quase todos da experiência sensível (formação do conceito). Toda compreensão mais ou menos complexa de dados e todo pensamento criador de alguma coisa nova servem-se de complexos e de complementações de complexo inconscientes, e não raro isto acontece com tal frequência que as “intuições” criadoras ou “inspirações” podem dar a impressão de serem pouco mais que obra do inconsciente. Contudo, tais processos inconscientes não são verdadeiro pensamento; o trabalho espiritual produtivo completa-se pela consciente inteligência da relação de conexões intelectuais dotadas de sentido.
Além disso, nosso pensamento é concomitantemente condicionado pelo “a priori psicológico”, na medida em que as particularidades individuais típicas ou acidentais do “temperamento mental” e a peculiaridade dos conteúdos pensamentais adquiridos e habituais (nos quais se deve enquadrar logicamente aquilo que pela primeira vez deve ser compreendido) influem (de maneira frequentemente imperceptível, mas, por isso mesmo, mais importante) tanto nos processos da elaboração discursiva de conhecimentos quanto na configuração de seus conteúdos. Devem incluir-se também aqui a peculiaridade do estilo formal do pensamento, dirigido mais para o concreto ou mais paia o abstrato, o entendimento mais sintético ou mais criticamente analítico, o tipo de atenção mais tenaz ou mais lábil, a estrutura da personalidade predominantemente esquizotímica ou ciclotímica, mais integrada ou mais desintegrada, e, por último, o ethos incondicional da verdade. Por esse motivo, o pensamento humano, quanto mais se ocupa de coisas de importância vital e mais se empenha num trabalho sério de pesquisa, tanto mais é uma “atividade pessoal” sustentada pela personalidade total. Do mesmo modo que a índole e a formação desta personalidade influi no pensamento,, assim também a educação do pensamento em ordem ao ethos da verdade, à autocrítica sensata, à clareza e exatidão lógica, à abertura e docilidade para aprender, assume a máxima importância para a educação da personalidade integral e para a descoberta objetiva da verdade. — Segundo Kant, pensamento, em oposição a conhecimento, significa todo uso de conceitos quer haja um objeto determinado por eles, quer não haja; em oposição a intuição, pensamento significa o ato de determinar, mediante conceitos, a diversidade dada, construindo com eles a unidade de um objeto, quer dizer, coincide com o conhecimento. — Willwoll. [Brugger]
Para distinguir rigorosamente entre aquilo que pertence ao campo da psicologia e aquilo que pertence ao campo da lógica, há que separar o pensar, por um lado, e o pensamento, por outro, este último é uma entidade intemporal e inespacial: invariável e, portanto, não psíquica, pois embora o apreendamos mediante um ato psíquico, pensar, não pode confundir-se com este. O pensamento entendido como aquilo que o pensar apreende, é um objeto ideal e, portanto, está submetido às determinações que correspondem a esse tipo de objeto. Isto faz que, para muitos autores, o pensamento seja o objeto da lógica enquanto investigação da sua estrutura, das suas relações e das suas formas independentemente dos atos psíquicos e dos conteúdos intencionais. Os pensamentos enquanto objeto da lógica, têm uma realidade formal e distinta da que têm quando constituem o objeto de uma ciência e são considerados como a forma que envolve um conteúdo que se refere a uma situação objetiva.
Isto não equivale a uma negação do conteúdo do pensamento , mas, para poder constituir o tema da lógica tem de ser abstraído e esvaziado do seu conteúdo. Note-se que a idealidade do pensamento não é, contudo, uma maneira de ser, que só adota quando se abstrai do pensar e se lhe tira o conteúdo intencional a que se refere, mas que é propriamente a sua forma de ser enquanto é pensamento e é tratado como tal. O pensamento pode referir-se a todos os objetos e não só aos objetos reais. Sendo assim, pode definir-se o pensamento como a forma de qualquer objeto possível e, ao mesmo tempo, pode definir-se o objeto como a matéria de qualquer possível pensamento.
Esta ação do pensamento, posta em relevo pela fenomenologia, não coincide com a concepção tradicional que ou faz do pensamento um ato de pensar (e nisto concordam muitas correntes da filosofia moderna) ou o converte numa entidade extratemporal e metafísica.. Quer como paradigma das coisas, quer como o Absoluto que se desenvolve num processo dialéctico e nele expande toda a sua realidade (Hegel).
É diferente do anterior, em contrapartida, o problema do pensar como atividade ou processo. O pensar é um ato psíquico que tem lugar no tempo, e é formulado por um sujeito que apreende um pensamento, o qual se refere, por sua vez, a uma situação objetiva ou a objetos. Contudo, uma definição como esta é demasiado exclusivamente descritiva e imprecisa. Por um lado, os objetos a que se refere o pensar são de índole muito diferente, por outro, há que recorrer à psicologia para averiguar qual é a origem do pensar e da sua estrutura. Alguns filósofos contemporâneos, especialmente G. Ryle, e os pensadores do chamado grupo de Oxford, sustentaram que é impossível reduzir o pensar a uma definição precisa, o que se põe em relevo ao examinar a diversidade de usos da palavra pensar. Por seu lado, Heidegger entendeu o pensar de uma forma muito peculiar. Segundo Heidegger, não aprendemos ainda a pensar, e a nossa tarefa consiste em nos situarmos na atmosfera do pensar. A ciência não é o pensar, a sua vantagem consiste precisamente em que carece de pensamento. Mas da ciência para o pensamento não há uma passagem gradual, mas um salto. Uma das caraterísticas salientes do pensar é que só pode ser mostrado e não demonstrado. O pensar é um caminho que nos conduz ao pensável, isto é, ao ser em cujo âmbito, e só em cujo âmbito, há pensamento. Ortega y Gasset insistiu em diferenciar o pensamento ou o pensar do conhecimento. Para Ortega, o conhecimento é pleno pensamento, mas pode ser ou não ser necessário enquanto pensamento é algo que pode não ser conhecimento mas não pode deixar de havê-lo porque o pensamento é tudo o que fazemos para saber a que ater-nos. Este saber pode ser intelectual, mas pode não o ser. Daí que o que é próprio do homem não é o conhecimento, mas a necessidade de pensar, de saber a que ater-se. [Ferrater]
Diremos que o objeto determina o sujeito e que esta determinação do sujeito pelo objeto é o pensamento. Mas, guarde-mo-nos muito bem de julgar esta atitude receptiva do sujeito como uma total e completa passividade. Não é que o sujeito se deixe passivamente imprimir o pensamento pelo objeto, antes o sujeito atua também; sai de si para o objeto, vai ao encontro do objeto; é também ativo. Mas sua atuação, a atividade do sujeito, não recai sobre o objeto. O objeto permanece intacto dessa atividade do sujeito. O que acontece é que o sujeito, ao ir para o objeto, produz o pensamento. O pensamento é, pois, produzido por uma ação simultânea do objeto sobre o sujeito e do sujeito ao querer ir para o objeto.
A atividade do sujeito não é incompatível com a receptividade do mesmo sujeito, visto que esta atividade recai sobre o pensamento. Temos, pois, que o objeto pode dizer-se e chamar-se transcendente com respeito ao sujeito. O objeto é transcendente com respeito ao sujeito, e o é tanto se se tratar de um objeto dos chamados reais — como este copo ou esta lâmpada — como se se tratar do objeto chamado ideal, como o triângulo ou a raiz quadrada de 3, porque, tanto num caso como no outro, o objeto aparece para o sujeito como algo que tem em sisi mesmo suas próprias propriedades e que essas propriedades não são no menor grau aumentadas ou diminuídas, ou mudadas, ou desgastadas pela atividade do sujeito que quer conhecê-las. É, pois, na realidade, uma atividade que consiste em ir para o objeto, expor-se diante dele, para que este por sua vez envie suas propriedades ao sujeito e do encontro resulte o pensamento. Por conseguinte, neste sentido, o objeto é sempre, em todo caso, transcendente ao sujeito.
E agora talvez se me pergunte: como pode tornar-se compatível esta transcendência do objeto com a necessária correlação entre sujeito e objeto? Não dizíamos antes que o objeto e o sujeito são correlativos e que o sujeito é sujeito para o objeto e que o objeto é objeto para o sujeito, como a esquerda e a direita se condicionam mutuamente entre si? Agora, ao contrário, dizemos que o objeto é transcendente e que é aquilo que é independentemente de ser ou não ser conhecido pelo sujeito. Parece que aqui há uma contradição. Mas não há tal contradição, porque o objeto é transcendente para a totalidade da relação de conhecimento; é transcendente enquanto que a relação de conhecimento o considera como transcendente. Porém, em si e por si, — metafisicamente falando — o objeto não é objeto para o sujeito senão enquanto começa pelo menos a ser conhecido. O objeto que não seja objeto para um sujeito, não é objeto. Será o que for, mas não será problema para o conhecimento, não constituirá elemento algum do conhecimento. Uma vez que entrou na correlação de ser o objeto para mim, sujeito, e de ser eu sujeito enquanto que penso este objeto; uma vez estabelecida já a correlação, o objeto, dentro já da correlação, é transcendente, porque é irreversível esta correlação, e porque o objeto não pode penetrar nunca dentro do sujeito, antes permanece sempre à distância, mediatizado pelo pensamento. [Morente]