Filosofia – Pensadores e Obras

pena

Do latim poena, derivado do grego poine cujo sentido primeiro foi aquele de composição pecuniária, remontante destinado a resgatar um crime capital, depois geralmente vingança, expiação, castigo. O sentido jurídico foi tomado do latim no séc. XIII. Até lá pena equivalia à “martírio” (séc. X) ou “fadiga, dificuldade” (séc. XII). [Notions philosophiques]


(gr. dike; lat. poena; in. Penalty; fr. Peine; al. Strafe; it. Pena).

Privação ou castigo previsto por uma lei positiva para quem se torne culpado de uma infração. O conceito de pena varia conforme as justificações que lhe foram dadas, e tais justificações variam segundo o objetivo que se tenha em mente: 1) ordem da justiça; 2) salvação do réu; 3) defesa dos cidadãos.

1) O mais antigo conceito de pena é o que lhe atribui a função de restabelecer a ordem da justiça. Esta é a função atribuída por Aristóteles, para quem a justiça não consiste na pena de talião, e o objetivo da pena é restabelecer a justiça em sua devida proporção: “Quando alguém apanhou e outro bateu, ou então quando alguém matou e outro morreu, não há relação de igualdade entre o dano e o direito, mas o juiz procura remediar essa desigualdade com a pena que inflige, reduzindo a vantagem obtida” (Et. Nic, V. 4, 1132 a 5; cf. 8, 1132 b 21). Este conceito já fora estendido do homem ao mundo por Anaximandro de Mileto, que afirmara: “Todos os seres devem pagar uns aos outros, segundo a ordem do tempo, o preço da sua injustiça” (Fr., I, Diels). A pena serve neste caso para restabelecer a ordem cósmica. Esta também é a função atribuída pelo ponto de vista religioso. Plotino diz: “Cumprimos a função que por natureza cabe à alma enquanto não nos perdemos na multiplicidade do universo; e se nos perdemos sofremos a pena, tanto com nossa própria perda quanto com o destino infeliz que mais tarde nos espera” (Enn., II, 3, 8); as mesmas palavras acham-se em S. Agostinho (De civ. Dei, V, 22). Tomás de Aquino diz: “Como o pecado é um ato contrário à ordem, é óbvio que quem peca age contra certa ordem, seguindo-se que por essa mesma ordem é reprimido; e essa repressão é a pena” (S. Th., I, II, q. 87, a. 1). Com o mesmo espírito, Kant afirmava de modo só aparentemente paradoxal: “Mesmo que a sociedade civilizada se dissolvesse com o consenso de todos os seus membros (se, p. ex., um povo que habitasse uma ilha decidisse separar-se e dispersar-se pelo mundo), o último assassino que estivesse na prisão deveria antes ser justiçado, para que cada um proferisse a pena por sua conduta e o sangue derramado não recaísse sobre o povo que não exigiu punição” (Met. der Sitten, I, II, seç. 1, E; trad. it., p. 144). Do mesmo ponto de vista, Hegel considerava a pena como “a verdadeira conciliação do direito consigo mesmo”, como “respeito objetivo e conciliação da lei que se restaura através da anulação do delito e assim se valida” (Fil. do dir., § 220). As anteriormente citadas são as principais opiniões que podem ser coligidas entre os filósofos a favor da teoria da pena como restauração da ordem da justiça. Mas são palavras que inspiraram e até hoje inspiram numerosas doutrinas jurídicas, bem como as instituições e leis nelas fundadas.

2) O conceito da pena como salvação ou correção do réu muitas vezes está ligado ao conceito acima. A sua defesa mais célebre talvez esteja em Górgias, de Platão, para quem é melhor sofrer a injustiça que cometê-la, e para quem cometeu injustiça a melhor coisa é submeter-se à pena. “Se uma culpa é cometida” — diz Platão — “é preciso ir o mais depressa possível aonde a pena possa ser cumprida, ou seja, ao juiz, que é como um médico, para que a doença da injustiça não se torne crônica e não torne a alma corrompida e incurável” (Górg., 480 a). Com efeito, “quem cumpre a pena sofre um bem”, no sentido de que “se for punido com justiça, ficará melhor” e “libertar-se-á do mal” (Ibid., 477 a); assim, a pena é uma purificação ou libertação que o próprio culpado deve querer. Essa função purificadora é muitas vezes reconhecida por aqueles que veem na pena o restabelecimento da justiça. Apesar de Kant afirmar que “a pena nunca pode ser decretada como meio para atingir um bem, seja em proveito do criminoso, seja em proveito da sociedade civilizada, mas deve ser-lhe aplicada apenas porque ele cometeu um crime” (Met. der Sitten, I, II, seç. 1, E; p. 142), negando assim qualquer conexão entre as duas concepções de pena, Tomás de Aquino reconhecia essa conexão e dizia: “As pena da vida presente são medicinais; assim, quando uma pena não é suficiente para deter um homem, acrescenta-se outra, como fazem os médicos que empregam diversos remédios quando um só não é eficaz” (S. Th., II, 2, q. 39 a. 4, ad 3S). Analogamente, Hegel afirmava que a pena não é somente a conciliação da lei consigo mesma, mas também a conciliação do delinquente com sua lei, com a lei “conhecida e válida para ele, destinada à sua proteção”; nessa conciliação, o delinquente encontra “a satisfação da justiça e o seu próprio interesse” (Fil. do dir., § 220).

3) A terceira concepção de pena atribui-lhe a função de defender a sociedade. Deste ponto de vista, a pena é: a) um móvel ou estímulo para a conduta dos cidadãos; b) uma condição física que põe o delinquente na impossibilidade de prejudicar. Os filósofos acentuaram sobretudo o primeiro caráter. Aristóteles já notava que todos aqueles que não tiveram a sorte de receber da natureza uma índole liberal (e são os mais numerosos) abstêm-se dos atos vergonhosos só por medo das penas. E diz: “A maioria obedece mais à necessidade que à razão, mais às pena que à honra” (Et. Nic, X, 9, 11 80 a 4; cf. 1179 b 11). Mas o que Aristóteles considerava o móvel das almas servis a concepção aqui examinada considerava o móvel único e fundamental. Hobbes afirma que “é ineficaz a proibição que não venha acompanhada pelo temor da pena, sendo, pois, ineficaz uma lei que não contenha ambas as partes, a que proíbe de cometer um delito e a que pune quem o comete” (De Cive, 1642, XIV, § 7). Este conceito seria adotado pela filosofia jurídica do Iluminismo. É retomado por Samuel Pufendorf, que atribui à pena a tarefa principal “de dissuadir os homens do pecado com seu rigor” (De jure naturae, 1672, VIII, 3, 4), sem excluir, todavia, a correção do réu (Ibid., VIII, 3,9). Mas foi com Cesare Beccaria que esse conceito prevaleceu: fundamentou sua obra Dei diritti e delle pene (1764). Segundo Beccaria, a pena não passa de motivo sensível para reforçar e garantir a ação das leis, de tal maneira que “as penas que excedam da necessidade de conservar a saúde pública são injustas por natureza” (Dei diritti e delle pene, § 2). Do mesmo ponto de vista, Bentham considerava a pena como uma entre as várias espécies de sanções cuja função é servir de “estimulantes da conduta humana”, porquanto “transferem a conduta e suas consequências para a esfera das esperanças e dos temores: esperanças de um excedente de prazeres; temores que preveem por antecipação um excedente de dores” (Deontology, 1834, I, 7). Os mesmos conceitos fundamentais foram validados pela denominada “Escola Positiva Italiana” (Lombroso, Ferri e outros), que os defendeu com certo sucesso na discussão filosófico-jurídica a respeito do direito penal.

Não há dúvida de que a maioria dos juristas, dos filósofos do direito, dos códigos e dos direitos positivos vigentes nas várias nações do mundo inspiram-se numa concepção mista ou eclética da pena, considerando-a, na maioria das vezes, sob os três ângulos aqui apresentados. Este sincretismo não cria nenhuma dificuldade do ponto de vista teórico, ainda que os três pontos de vista não tenham o mesmo grau de homogeneidade. Os primeiros dois unem-se facilmente e também na prática estão frequentemente juntos, enquanto o terceiro pertence a uma ordem diferente de pensamento: os dois primeiros inspiram-se na ética dos fins; o outro, na ética do móvel. Mas as dificuldades começam no terreno prático, quando é preciso estabelecer a medida da pena. Neste campo, as três concepções manifestam heterogeneidade. De acordo com o primeiro ponto de vista, todas as infrações à ordem da justiça são equivalentes: um furto insignificante fere essa ordem tanto quanto um crime perpetrado com fraude e violência. De acordo com o segundo ponto de vista, somos levados a crer que a pena, assim como um purgativo, é mais eficaz quanto mais forte. É só de acordo com o terceiro ponto de vista, como notava Hegel, ou seja, segundo a periculosidade para a sociedade civil, que as pena podem ser convenientemente graduadas (cf. Hegel, Fil. do dir., § 218). Neste terreno, portanto, a confusão e a mescla dos vários conceitos de pena está longe de ser inócua, sendo o motivo principal da desordem e das desigualdades existentes nos sistemas penais vigentes. [Abbagnano]