gr. πάθημα, παθήματα, afetação, afetações
O que em nós domina é a aparição que nos afeta e não aquilo que de fato acontece, o que seria o resultado de um verdadeiro «cálculo» (República, 602d9). Só assim poderíamos estar «já a ver que ia acontecer» [Resultante de uma verdadeira abertura operada pelo μετρεῖν (medir), ἀριθμεῖν (contar) e ἱστάναι (pesar) (Rep., 602d6).]. Podemos ter uma compreensão deste domínio da aparição (φαινόμενον) em nós, quando atendemos ao seguinte: que uma determinada coisa vista de longe não «parece» ter o mesmo tamanho, dada a aparição distanciada que ela tem quando é vista de perto [Rep., 602c7], ou que a forma da aparição das coisas dentro de água e fora dela é diferente para quem as está a ver [Rep., 602c10], uma vez que lhes surgem ora curvadas ora direitas, devido ao erro da visão [Rep., 602b12. Estes sucessos são «sintomas» de que há uma perturbação [Rep., 602c12], uma afetação [Rep., 602d1] inerente à lucidez humana [Ibid], não nos permitindo ter um verdadeiro acesso ao que de fato está a acontecer. A possibilidade de destruir esta «afetação da natureza que é a nossa» [Ibid] e de prestar socorros extraordinários [Rep., 602d7] só é dada pelo cálculo do que nos irá acontecer (λογισάμενον). Aquilo a que assim se tem acesso resulta não já de uma afetação (πάθημα) da nossa natureza, mas de uma verdadeira ação (ἔργον) da nossa lucidez [Rep., 602e1].
Assim, também no horizonte das situações (πράξεις) humanas está em causa a anulação do vigor com que as afetações (παθήματα) nos afetam e a constituição de um verdadeiro acesso aos fenômenos que ocorrem nessa dimensão. Também aqui, é possível estabelecer uma diferença entre o modo como as coisas nos surgem, afetando-nos, e um outro modo de nos reportarmos a elas, que se dá não só por reação ao que acontece, mas resultante de um esforço compreensivo que procura uma explicação para o que sucede. Um outro modo, porém, fundado no sentido (λόγος) e não já numa afetação (πάθος). Só nessa conformidade subsistirá a possibilidade de se vir a saber o que nos afeta. [CaeiroArete:82-84]