17. Então, se é assim e assim produz inexoravelmente, produzirá coisas tanto mais contrárias, quanto mais as dispersar; e o cosmos sensível será menos uno do que a razão do cosmos, de modo que também será mais múltiplo, e sua contrariedade será maior, e maior será o desejo de viver de cada ser e maior será o amor pela propensão à unidade. Mas mesmos os amantes amiúde destroem seus amados, quando são destrutíveis, ao buscarem seu próprio bem, e o desejo da parte pelo todo atrai a ela o que pode. Assim, pois, tanto os bons quanto os maus são como antagonistas que o dançarino representa através da mesma arte; e diremos que um deles é bom e o outro mau, e assim a dança é bela.
Entretanto, já nem existem maus. Ou melhor, não se negará que os maus existam, mas apenas que não são maus por si mesmos. Mas talvez haja uma clemência para os maus, a menos que a razão determine que haja ou não uma clemência; e que determine que sequer sejamos clementes para com tais pessoas. Mas, se uma parte da razão é um homem bom e outra um vil, e são mais as partes que são o homem vil, assim como nos dramas há certas coisas que o autor ordena aos atores e outras que emprega porque já existem; pois não é ele quem faz a um ator protagonista, a outro coadjuvante e a outro figurante, mas, atribuindo a cada um as falas que lhes cabem, já coloca cada um no lugar em que deve estar; do mesmo modo, há também um lugar apropriado para cada homem, um para o bom, outro para o mau. Cada um, então, de acordo com a natureza e de acordo com a razão, avança para seu respectivo lugar, ocupando aquele que escolheu. Em seguida, um profere palavras ímpias e comete atos vis, enquanto o outro faz o contrário; pois, antes do drama, existiam esses atores que se oferecem à peça. Ora, nos dramas humanos, o autor distribui as falas, mas os atores têm, cada um deles, por si e a partir de si mesmos, sua boa ou má atuação – pois sua função é maior do que ler os versos do poeta; no entanto, no poema mais verdadeiro, que os homens possuidores de natureza poética imitam parcialmente, é a alma quem representa, recebendo do poeta os papéis que representa, e assim como os atores daqui recebem as máscaras, os figurinos, as túnicas açafroadas e os andrajos, da mesma forma a própria alma não recebe suas sortes a esmo: estas também são conformes à razão; e ajustando-as a si, torna-se consoante e coordena a si mesma com o drama e com a razão universal; então ela canta, por assim dizer, suas ações e todas as demais coisas que uma alma pode fazer segundo seu modo de ser, como se fosse uma ode. E como a beleza ou a fealdade da voz e da interpretação dependem do ator, que ou adiciona um floreio ao poema, como parece, ou, se o que adiciona é a má qualidade de sua voz, não torna o drama diferente daquilo que era, mas revela que o ator mesmo é inadequado, o autor do drama o despede, merecidamente desqualificando-o e fazendo neste caso as vezes de um bom juiz, e a um ator leva a honras mais altas e, se os tem, a dramas mais belos, ao passo que a outro escala em dramas inferiores, se os tem, desse modo também é a alma: introduzindo-se neste poema universal e tornando-se parte do drama, como ela contribui por sua parte com uma boa ou má atuação e, em sua estreia, é coordenada ao grupo e recebe todas as outras coisas, exceto ela mesma e seus próprios atos, ela é punida ou reconhecida. Mas há alguma vantagem para esses atores porque atuam em um lugar mais amplo do que a dimensão da cena, porque o poeta lhes faz responsáveis pelo universo, e porque possuem um poder maior para ir até múltiplas espécies de lugar – pois são eles que determinam suas honras e desonras pelo fato de serem eles mesmo que contribuem com as honras e as desonras, porque cada lugar se ajusta a seus caráteres de modo a consoar com a razão do universo, e cada um se ajusta de acordo com a justiça às partes que o receberão, assim como cada corda da lira é posta no lugar que lhe é apropriado e conveniente de acordo com a razão sonora que ela pode soar. Pois haverá adequação e beleza no universo se cada um estiver no lugar onde deve ser posto, e se emitem sons ruins, que seja posto na escuridão e no Tártaro: pois aqui é belo o que soa mal; e este universo será belo, não se cada um for um Lino [Lino é o músico por antonomásia, assim como Fídias, o escultor (cf. V. 8 [31] 1. 38) e Sócrates, o homem (cf. n. 5 [25] 2.17 e V. 1 [10] 4.20, por exemplo], mas se, trazendo cada um sua própria voz, contribuir para a harmonia una fazendo soar também ele sua própria vida, que no entanto é menor, pior e mais imperfeita: assim como na sirinx não há um único som, mas há também algum que, embora seja mais fraco e indefinido, contribui para a harmonia total da sirinx, pois a harmonia está dividida em partes não iguais, e os sons são todos desiguais, mas o som perfeito é um som uno composto por todos. E também a razão total é uma só, mas se divide em partes não iguais; por isso as regiões do universo são diferentes, melhores ou piores, e almas não iguais se ajustam assim a regiões não iguais, e assim acontece que também aqui, como as regiões são dessemelhantes e as almas não são as mesmas, mas são desiguais e ocupam regiões dessemelhantes – como a dessemelhança presente na sirinx ou em algum outro instrumento – também as almas estão em regiões que diferem entre si, soando de acordo com a região que habitam seus próprios sons de modo consoante tanto com as regiões quanto com o universo. E o som que nelas está mal há de ser belo em relação ao universo, e o que é contra a natureza será conforme à natureza para o universo, sem deixar de ser um som inferior. Entretanto, soando dessa maneira, a alma não toma o universo pior, assim como um carrasco, mesmo sendo perverso, não toma pior uma cidade bem governada — sé é preciso empregar ainda outra comparação. Pois também isso é necessário em uma cidade – e muitas vezes um homem assim é necessário e também esse está disposto de modo belo. [Plotino, Enéada III, 2, 17] [Baracat Júnior, José Carlos. Plotino, Enéadas I, II e III; Porfírio, Vida de Plotino. Introdução, tradução e notas. Tese de Doutorado. Campinas, UNICAMP, 2006]