Filosofia – Pensadores e Obras

literatura

Começa-se a falar atualmente nos “impasses” e nas perplexidades da literatura, na inviabilidade do seu tipo de comunicação e, em geral, numa certa atitude porfiante que caracteriza todo o universo da produção literária. O destino da literatura, como o entendemos, sempre esteve ligado ao destino do humanismo. A matéria-prima da imaginação literária foi o próprio homem, o homem de carne e osso, com seus pesares, exultações, vitórias e derrotas, coimplicando o largo círculo de sua mente aventurosa. Toda a literatura é antropocêntrica, é um discurso sobre o humano, capaz de despertar renovadamente o mesmo interesse e [134] o mesmo arrebatamento anímico. É mister estar seriamente empolgado pelas vicissitudes e pela “vidas possíveis” do indivíduo humano para que a narração literária apaixone a nossa imaginação. Existem, portanto, certas condições de possibilidade de qualquer estesia literária, uma predisposição interior, sem a qual a dimensão artística do romance e da poesia com base nessa experiência nada nos diria. Essa condição primordial de acesso à forma de comunicação literária é a devoção, a atenção exclusiva pelo humano, pelo mito do homem. Sem essa militância no humano e pelo humano, sem essa escolha original, a linguagem artística apresentar-nos-ia intrigas em que não estaríamos comprometidos e conflitos que não nos envolveríam. Verdadeiramente, foi o contrário que se deu, até bem pouco tempo, entre nós, ocidentais. O monopólio de nosso ser pela representação ou Lebensanschauung [Visão de mundo] antropocêntrica foi implacável e decisiva. A paixão do humano assenhoreou-se de nossa consciência como um conjunto de desempenhos eminentes e sagrados. Essa paixão humana impôs-se, em primeiro lugar, como paixão-divina, drama da cruz e da subjetividade, símbolo supremo de onde proviria a relevo e o fascínio do homo sum. Foi da perfeição divina que chegamos à perfeição do homem, à centralidade do humano, ao interesse hegemônico dessa figura in fieri que é o homem. Vemos, portanto, como o processo literário ocidental não constitui um campo livre de inventividade, mas é um fazer limitado e circunscrito por uma matéria-prima oferecida pela fascinação cristã. Ora, para que a experiência artístico-literária fosse um discurso infinito, ou desse margem a um desenvolvimento ilimitado de obras e produções espirituais, seria necessário que o próprio homem fosse um pensamento infinito, o que está longe de ser verdade. O homem é um conjunto de possibilidades limitadas, é um conceito finito e preciso, ou, como afirmou Hegel, é um conceito idêntico ao drama do seu reconhecimento. O processo do reconhecimento estabelece o limite da manifestação histórica do conteúdo humano e, portanto, da literatura sub specie hominis. [VFSTM:134-135]