Filosofia – Pensadores e Obras

intenção

(lat. intentio; in. Intention; fr. Intention; al. Gesinnung; it. Intenzioné).

Propriamente, a intencionalidade no domínio prático, ou seja, a referência de uma atividade prática (desejo, aspiração, vontade) ao seu próprio objeto. Nesse significado, a intencionalidade do ato moral pode ser reconhecida por qualquer doutrina moral. Todavia, a insistência no valor da intenção como condição da moral é uma das características da ética do fim, distinta da ética do móbil (v. Ética). Na ética do móbil, a moralidade da ação é julgada em termos de eficiência em produzir o bem-estar, a felicidade, etc. Na ética do fim, entretanto, a ação é julgada em termos da direção que o sujeito imprime à ação, que é exatamente a intenção. A esse respeito, Tomás de Aquino diz com justiça que “a intenção é o nome do ato da vontade, estando pressuposto o ordenamento da razão, que ordena alguma coisa para um fim”; é que “a intenção pertence primordial e principalmente àquilo que se move para um fim”, sendo por isso “o ato da vontade” (S. Th., II, 1, q. 12, a. 1). Nesse sentido, a intenção é própria da ética do fim. Portanto, sua noção não se encontra na ética aristotélica, em que a análise do ato moral é feita com base na ética do móbil; não se encontra nenhuma ética do mesmo gênero, como p. ex. o utilitarismo. Por outro lado, a moral teológica tende a insistir no valor da intenção. Abelardo dizia: “Deus não toma em consideração as coisas feitas, mas o espírito com que são feitas, e o mérito e o valor de quem age não consiste na ação, mas na intenção” (Scito te ipsum, 3). A própria moral kantiana, sobretudo em seus aspectos de pregação leiga e edificante, insiste muito no valor da intenção: a exaltação da “boa vontade” com a qual se inicia a Fundamentação da metafísica dos costumes na realidade é uma exaltação da intenção. E a primeira parte da Crítica da Razão Prática conclui-se com a exaltação da “intenção realmente moral e consagrada à lei”. Ao contrário, a diferença entre a ética da intenção e a ética objetiva foi bem expressa por Max Weber: “Na esfera da conduta pessoal existem problemas éticos específicos que a ética não pode resolver com base em seus próprios pressupostos. Antes de mais nada há a questão fundamental de saber se: d) o valor intrínseco da conduta ética — a ‘vontade pura’ ou a ‘intenção’, como se costuma denominar — basta para a sua justificação, segundo a máxima cristã: ‘o cristão age bem e deixa por conta de Deus as consequências de sua ação’ ou b) a responsabilidade das consequências previsíveis da ação deve ser tomada em consideração. Toda atitude politicamente revolucionária, em especial o sindicalismo revolucionário, partem do primeiro postulado; toda política realista, do segundo. Ambas invocam princípios éticos. Mas esses princípios estão em eterno conflito, o que não pode ser resolvido só por meio da ética” (“Der Sinn der Wertfreiheit der soziologischen und ökonomischen Wissenschaften”, 1917; trad. in., em The Methodology of the Social Sciences, p. 16). A ética moderna e contemporânea, por ser predominantemente uma ética do móbil (v. Ética) dá primazia àquilo que Weber denominou segundo postulado. Por outro lado, o ceticismo tão difundido na filosofia contemporânea, quanto à possibilidade de conhecer com probabilidade suficiente o que acontece no âmago da consciência individual, levou o behaviorismo a considerar a intenção como operação (ou como parte de uma operação) que constitui a execução de um plano ou projeto de conduta. Nesse caso, a frase “tenho a intenção de ver João” significa simplesmente que estou empenhado na execução de um plano de que faz parte encontrar com João (Miller, Galanter, Pribban, Plans and the Structure of Behavior, 1960, p. 61). [Abbagnano]


Examinaremos dois sentidos destas noções: 1) o sentido lógico, gnoseológico (e em parte psicológico), que muitas vezes estão entrelaçados. 2) o sentido ético.

1) O vocábulo intenção exprime a ação e efeito de tender para algo. Quando é tomado no sentido lógico, gnoseológico e, em parte, psicológico, designa o fato de nenhum conhecimento atual ser possível se não houver uma intenção. A intenção é então o ato de entendimento dirigido ao conhecimento do objeto. Mas como neste ato podem distinguir-se vários elementos por parte do sujeito como por parte do objeto, o significado de intenção torna-se um tanto ambíguo. Cada vez se impôs mais na escolástica o sentido de intenção como modo particular de atenção (como modo de ser do ato cognoscente) sobre a realidade conhecida. Daí a divisão dos conceitos em conceitos de primeiras intenções e conceitos de segundas intenções. Trata-se primariamente de atos. Mas como estes se referem a conceitos, a divisão em questão acaba por ser de natureza lógica. Alguns autores Árabes haviam já afirmado a tese do ser intencional como realidade presente na mente.

O entrelaçamento entre o sentido gnoseológico e o sentido lógico do vocábulo intenção deve-se quase sempre ao fato de se entender a intenção simultaneamente como um ato e como um conceito do intelecto. Por vezes observamos o predomínio do sentido gnoseológico, por exemplo, quando S. Tomás usa o termo intencionalidade ao referir-se às formas intencionais ou espécies intencionais. Estas formas resultam também do estudo da relação entre o sujeito cognoscente e o objeto conhecido. Como o sujeito se converte em objeto sem deixar de ser sujeito, é necessário para explicar a sua presença nele introduzir a noção de espécie intencional, que determina a chamada existência intencional. Franz Brentano retomou a significação escolástica de intenção, que fora crescentemente durante a época moderna, embora não tão totalmente como às vezes se supõe. Husserl retomou de Brentano a ideia de intencionalidade, que constituiu uma das bases da fenomenologia. Nas INVESTIGAÇÕES LÓGICAS, Husserl ateve-se principalmente à noção brentaniana de intencionalidade: “nós consideramos que a referência intencional, entendida de um modo puramente descritivo, como peculiaridade íntima de certas vivências é a nota essencial dos fenômenos psíquicos ou atos de modo que vemos na definição de Brentano, segundo a qual os fenômenos psíquicos são aqueles fenômenos que contêm intencionalmente um objeto, uma definição essencial, cuja realidade (no antigo sentido) está assegurada naturalmente pelos exemplos”. Mas admitiu que há que evitar de falar de “fenômenos psíquicos”; e introduzir melhor a expressãovivências intencionais”. Em IDEIAS, Husserl precisou os sentidos de intenção. “reconhecemos sob a intencionalidade a propriedade das vivências de ser consciente de algo. Esta propriedade maravilhosa apareceu- nos antes de tudo no cogito explícito: compreender é compreender algo, talvez uma coisa; julgar é julgar uma situação; valorizar é valorizar um conteúdo valioso; desejar é desejar um conteúdo apetecível, etc. O obrar refere-se à ação, o fazer concerne ao feito, o amar ao amado, a alegria àquilo de que um indivíduo se alegra, etc. Em todo o cogito atual, um olhar irradia do puro Eu para o objeto da correspondente correlação da consciência…” Há em Husserl não só diversos conceitos de intenção , como a ideia de que há várias formas de intenção. Assim, não é o mesmo a intencionalidade da “mera representação” e a do juízo, da suposição (ou suposto), da dúvida, do desejo, etc. Há intenções teóricas e intenções volitivas, etc.

2) Também nesta esfera foi usado o vocábulo intenção principalmente pelos escolásticos à base do sentido primário de tender para outra coisa. A coisa para a qual aqui se tende não é, porém, o objeto de conhecimento, mas um fim moral.

O problema da intenção moral é um dos problemas fundamentais da época. O rumo que esta toma depende em grande parte da maior ou menor importância que se der à intenção. Alguns autores destacam, com efeito, como elementos determinantes do valor moral, as intenções; outros, os atos (e ainda o mero resultado deles). Em geral, pode dizer-se que a ética formalista, por exemplo a de Kant, tende para o predomínio da intenção (que foi sublinhada já por alguns filósofos medievais) diferentemente da maior parte das morais antigas, que tendiam para o predomínio da obra. Segundo as éticas formalistas, em rigor apenas são morais os atos que têm uma intenção moral, quer dizer, os que se executam em virtude de princípios morais e quaisquer que sejam os seus resultados. Segundo as éticas não formalistas (ou materiais), o resultado da ação moral é decisivo (e ainda exclusivo) para o juízo ético. O papel decisivo da noção de intenção para determinar o tipo de ética adoptado foi muito claramente posto em relevo por Nietzsche ao estabelecer uma divisão da história da moral em três grandes períodos: O primeiro é o período pré-moral, no qual o valor ou desvalor de uma ação se inferem unicamente das suas consequências (incluindo os defeitos retroativos das mesmas). O segundo é o período moral, período aristotélico, no qual predomina a questão da origem da ação moral. Quando o primado da origem, todavia, é levado às suas últimas consequências, não se sublinha a origem do ato, mas a intenção de atuar de certo modo: e isto é tudo o que se requer para qualificar o ato de moral. Por isso o segundo período é aquele em que se predomina a moral das intenções. O terceiro período é, segundo Nietzsche, o período do futuro, o chamado ultra-moral e defendido pelos imoralista… Nele se considerará que o valor de uma ação radica justamente no fato de o significado não ser intencional. A intenção será considerada unicamente como um sinal exterior que necessita de uma explicação: só assim, crê Nietzsche, se superará a moralidade e se descobrirá uma moral situada “mais além do bem e do mal”. [Ferrater]