Filosofia – Pensadores e Obras

inquérito

A investigação respeitante aos problemas sociais da atualidade levanta três dificuldades importantes: 1.a, a observação tende a modificar a situação observada; 2.a, torna-se muito difícil apreciar as informações de segunda mão; 3.a, cada situação social é essencialmente original, o que torna difícil a comparação e, por consequência, a generalização. Examinemos sucessivamente essas três questões.

A observação. O observador é um elemento da situação que estuda. A sua presença influi nos fatos, isto é, no comportamento dos indivíduos que observa: segundo o princípio de indeterminação de Heisenberg é impossível observar um átomo sem que, por isso, o seu comportamento seja influenciado. Mas nas ciências sociais é particularmente importante a influência do observador. Os indivíduos adaptam sutilmente o seu comportamento à ideia que fazem do que este ou aquele observador deve ou não deve ver.

O que um observador deve ou não deve ver depende em grande parte da natureza e da qualidade das suas relações com o grupo observado. Se tais relações foram satisfatórias, o observador poderá reduzir ao mínimo os fenômenos de «interferência» e obter uma situação quase normal; poderá também ter em conta nas suas conclusões a influência que tiver exercido sobre o grupo [Exemplificação com o método de «sondagens de opinião» (v. sondagem): «Os resultados do inquérito dependem: 1.°, da pessoa do inquiridor (este aceita mais facilmente as opiniões em conformidade com as suas tendências; os Negros dissimulam aos inquiridores brancos as suas simpatias pelos Japoneses); 2.°, da ordem das questões postas (às perguntas, formuladas durante a guerra, sobre se os exércitos americanos deveriam juntar-se: A, aos exércitos anglo-franceses, ou: B, aos exércitos alemães, obtinham-se 45% de respostas favoráveis aos Aliados e 30% aos Alemães se se pusesse primeiro a questão A; mas se, ao contrário, se pusesse primeiro a B, os Alemães tinham 22% de respostas favoráveis e os Aliados 40%); 3.°, do enunciado das perguntas, etc.» (Nota de Cuvillier, Mon. de Soe., I, p. 266.)]

As informações de segunda mão ou as declarações feitas ao observador por terceiros suscitam outros problemas de apreciação. Mesmo — ou sobretudo — quando se fala de si, têm-se mais em conta os próprios desejos, ou as suas relações com o interlocutor, do que a realidade. O mesmo sucede quando se fala dos outros.

Quanto aos pretensos «fatos» ou «números» aparentemente indiscutíveis — inventários de mercadorias e de material, contas, estatísticas de rendimento—, também não são mais do que simples declarações, apresentadas sob determinada forma. Tais declarações não poderão ter a veleidade de ser exatas ou de fornecer uma imagem imparcial da realidade. Devemos atribuir-lhes essencialmente valor sintomático. Por outras palavras: não refletem unicamente a situação, mas também as ideias, os sentimentos e as reações pessoais do seu autor.

Ainda por outra razão se torna difícil interpretar as informações de segunda mão. Nos casos mais favoráveis, o autor de uma declaração descreve os fatos tal qual os vê, em função da sua atitude e situação na época, da sua atitude e situação atuais, das condições em que a declaração é feita e particularmente das suas relações com o interlocutor. Quer inconsciente quer deliberadamente, deforma ou mutila os fatos. De entre os inúmeros elementos de uma situação social não retém necessariamente aqueles que o investigador teria retido; e ainda mais: o seu condicionamento social leva-o a considerar como evidentes, e, portanto, como não merecendo ser observados ou relatados, os elementos que indubitavelmente são os mais característicos. É preciso sempre escolher. Mas, inconscientemente, o narrador omitirá a menção dos aspectos da situação indispensáveis a um observador externo para formar uma opinião exata.

A apreciação de informações de segunda mão será facilitada se se lograr conhecer a opinião da pessoa interrogada sobre a situação e sobre o investigador e criar condições tais que as declarações possam ser precisadas, verificadas e completadas. O investigador não deve surpreender-se com que lhe respondam «sim» ou «não» a uma pergunta que exige reflexão, ou lhe deem uma resposta de mil palavras; não deve também esperar uma declaração objetiva da parte de alguém que receie as consequências das suas palavras. Antes de mais, deverá esforçar-se por criar condições e estabelecer relações tais que a pessoa interrogada possa falar livremente e sem pressas.

É sempre difícil descrever, medir e apreciar os fatos sociais — e não apenas no decurso do inquérito propriamente dito. Para vencer tais dificuldades, dispomos de diferentes meios técnicos. Podemos, por exemplo, registar [fonograficamente] as declarações: as repetições, as causas, o tom e as harmônicas vocais fornecem úteis indicações sobre a atitude da pessoa interrogada. Também podemos medir certos elementos da situação de conjunto: número de pessoas interrogadas, número e duração dos interrogatórios; o rendimento, o absentismo, a cifra de negócios. Os casos de doença prestam-se a estatísticas. Todos estes dados são susceptíveis de interpretação.

Falta a apreciação dos fatos. O investigador é um ser humano que regista aquilo que o impressiona. As suas observações correm o risco de serem incompletas ou deformadas, tanto mais que todos os dados sociais são necessariamente aproximados.

As generalizações assentam no estudo de certo número de casos comparáveis, mas nunca idênticos. As condições da experiência nunca são exatamente as mesmas. Não há qualquer meio para saber «o que se teria passado de outra forma» ou de estabelecer o status quo ante para ensaiar outro método. Um médico não pode comparar os efeitos da amputação e da não amputação num mesmo paciente. Apenas pode comparar os casos de dois pacientes: um que foi amputado e outro que não foi, ou o estado dum mesmo paciente antes e após a amputação. O mesmo sucede relativamente a qualquer generalização fundada nos fatos sociais.

J. Scott e R. P. Lynton, Le Progrès Technique et l’Intégration Sociale, pp. 127-130, publicação da Unesco, 1953.