(in. Fact; fr. Fait; al. Talsache; it. Fattó).
Em geral, uma possibilidade objetiva de verificação, constatação ou averiguação, portanto também de descrição ou previsão – objetiva no sentido de que todos podem fazê-la nas condições adequadas. “É fato que x” significa que x pode ser verificado ou confirmado por qualquer um que disponha dos meios adequados, e que pode ser descrito ou previsto de forma passível de aferição. A noção de fato é moderna, sendo mais restrita e específica que a de realidade; nasceu sobretudo para indicar os objetos da pesquisa científica, que devem poder ser reconhecidos por qualquer pesquisador competente. Portanto, no que se refere à sua validade, o fato é independente de opiniões, preconceitos e mesmo de juízos e valorações que não sejam inerentes ao uso dos instrumentos capazes de confirmá-lo. Assim, tem duas características fundamentais: d) referência a um método apropriado de confirmação ou verificação; b) independência em relação a crenças subjetivas ou pessoais de quem emprega o método. Precisamente em vista dessas duas características, a capacidade de “olhar os fatos”, de “considerar os fatos” ou de “aceitar os fatos” hoje é considerada um dos requisitos fundamentais não só do cientista e do pesquisador em geral, mas de qualquer cidadão.
Não obstante a importância que assumiu na cultura moderna, essa noção raramente foi alvo da atenção dos filósofos. A história de suas análises dessa noção é parca, podendo-se dizer que começa no séc. XVII, quando, com a distinção entre “verdade de razão” e “verdade de fato”, também se começa a distinguir — ao menos implicitamente — a esfera própria do fato. O primeiro a fazer essa distinção foi Hobbes: “Há duas espécies de conhecimento, das quais uma é o conhecimento de fato e outra é o conhecimento da consequência de uma afirmação relativamente a outra. A primeira é apenas sentido e memória, sendo conhecimento absoluto, como quando vemos um fato acontecer ou o lembramos; esse é o conhecimento exigido de uma testemunha. A outra tem o nome de ciência e é condicional…” (Leviath., I, 9)- Assim como Hobbes, Leibniz e Hume concordam em considerar que essa esfera é a experiência. Segundo Leibniz, as verdades de fatos são contingentes, ao passo que as de razão são necessárias porque baseadas no princípio de contradição, de tal modo que seu contrário é impossível (Nouv. ess., IV, 2, 1). Para Hume, é sempre possível o contrário das verdades de fatos, pois nunca implica contradição, sendo concebido pelo espírito com a mesma facilidade e clareza que há na conformidade à realidade (Inq. Conc. Underst., IV, 1). Tanto Leibniz quanto Hume concordam em julgar que o fundamento da verdade de fato é o princípio da causalidade. Dessa análise resulta portanto que o fato é: a) uma realidade contingente, atingida ou testemunhada pela experiência; b) uma realidade fundada em certa conexão causal. Uma noção de fato assim configurada é a que hoje se chamaria de noção de acontecimento, ou seja, de realidade contingente que pertence à ordem da natureza. Essa última qualificação é a que se expressa quando se julga que a verdade de fato baseia-se no princípio causal. Portanto, essa ainda não é uma noção de fato suficientemente ampla, que possa valer em toda a extensão da pesquisa científica: para ela, as verdades matemáticas não seriam verdades de fato. A extensão dessa noção foi realizada por Kant, para quem “os fatos são os objetos dos conceitos cuja realidade objetiva pode ser provada tanto pela razão quanto pela experiência: no primeiro caso, com base em dados teóricos ou práticos; em qualquer caso, por meio de uma intuição correspondente” (Crít. do Juízo, § 91)-Nesse sentido, segundo Kant, são fatos: as propriedades geométricas das grandezas, porquanto podem ser demonstradas a priori; as coisas ou as qualidades das coisas que possam ser provadas pela experiência ou por testemunhas; a ideia da liberdade, cuja realidade, como uma espécie particular de causalidade, pode ser mostrada a partir da experiência moral (Ibid., § 91). Essa análise de Kant é importante porque: d) permite distinguir nitidamente a noção de fato da noção de acontecimento como noção mais geral, correlativa à possibilidade de uso de qualquer instrumento de verificação; desse ponto de vista, o acontecimento é uma espécie particular de fato, mais precisamente um fato natural; b) permite reconhecer o caráter empírico do fato como algo diferente do seu confinamento à esfera da sensibilidade: a própria razão deve tratar com fatos que não são externos a ela nem impostos do exterior, mas que encontra em si mesma, como condições do seu funcionamento.
A partir daí, a noção de fato às vezes se aproxima da noção de fenômeno e outras vezes de um elemento ou condição da razão. Aproxima-se do fenômeno quando se fala de “fato puro”, “cru” ou de “simples fato”, pois nesse caso alude-se ao dado imediato, à aparência simples ou grosseira, da forma como ela se apresenta à primeira vista. Mas está claro que não se pode ir muito longe nessa identificação. fato não é fenômeno: p. ex., o desvio da imagem de um bastão na água é um fenômeno, mas não um fato. Também é fenômeno o movimento aparente dos céus, que desde o princípio a astronomia procurou, de vários modos, reduzir a “fato”. O fato implica uma disposição ou uma interpretação do fenômeno que provoque uma mudança capaz de tornar o fenômeno descritível, previsível e verificável. O próprio Comte, que na maioria das vezes emprega as duas palavras indiferentemente, parece aludir a uma distinção, como no seguinte trecho: “Esse fato geral (a gravitação) nos é apresentado como simples extensão de um fenômeno eminentemente familiar, que portanto consideramos perfeitamente conhecido, o peso dos corpos na superfície da terra” (Phil. Pos., I, § 4). Mas no próprio âmbito do positivismo Claude Bernard acentuou a subordinação dos fatos à razão: “Sem dúvida, admito que os fatos são as únicas realidades que podem dar a fórmula à ideia experimental e, ao mesmo tempo, servir para aferi-la, mas isso sob a condição de que a razão os aceite… No método experimental, como em tudo, o único critério real é a razão. Um fato não é nada por sisi mesmo, mas vale apenas pela ideia a ele ligada ou pela prova que fornece” (lntr. à l’étude de la médecine experimental, I, 2, 7). Essa interpretação do fato pareceu confirmada quando se notou o papel preponderante desempenhado pela teoria na construção do “fato científico” (P. Duhem, La théorie physique: son objet e sa structure, 1906).
A estreita conexão entre fato e atividade racional, expressa de vários modos, em geral é reconhecida pela filosofia contemporânea. A feno-menologia elaborou a noção de estado de coisas (Sachverhalt) como objeto correspondente de cada juízo válido e considerou como fato o estado de coisas em que está envolvida uma existência individual. Nesse sentido, uma coisa não é um fato, mas é fato que essa coisa existe e que tem este ou aquele caráter, etc. (Husserl, Ideen, I, § 6). A noção de estado de coisas foi retomada por Wittgenstein em Tractatus logico-philosophicus, mas com uma concepção diferente sobre a relação deste com o fato, porque viu no “estado de coisas” o elemento simples que entra na composição do fato. O estado de coisas seria, portanto, o “fato atômico”, o componente elementar dos fatos (Tractatus, 2). O que há de característico nessas concepções é a definição de fato (ou dos seus componentes) como objeto do juízo ou da proposição válida. Segundo Wittgenstein, o estado de coisas ou fato atômico não é senão o objeto de uma proposição elementar (Ibid., 4, 21). Entende-se então por que, na linha de desenvolvimento dessa concepção, os fatos chegaram a ser identificados com proposições. A identificação foi proposta por Ducasse (em “Journal of Philosophy”, 1940, pp. 701-11) e aceita por Carnap, no sentido de que fato seria uma proposição: la verdadeira, 2a dotada de certo grau de completitude, ou seja, de determinação (Meaning and Necessity, § 6, 1). É preciso notar que, para Carnap, o termo proposição não significa expressão linguística nem acontecimento mental ou subjetivo, mas algo de objetivo que pode ou não encontrar exemplo na natureza, sendo portanto comparável a “propriedade” (Ibid., § 6). Portanto, a “proposição verdadeira”, que Carnap identifica com o fato, significa simplesmente “objeto válido” ou um “estado de fato” real. O esclarecimento que deriva dessas reduções linguísticas é puramente verbal e, se chega a ter alguma utilidade num tratamento lógico, pouco ou nada diz sobre a natureza ou os caracteres do fato. Denuncia, no máximo, a tendência a reportar o fato a condições conceituais ou linguísticas. Por outro lado, com Dewey, o pragmatismo insistiu no caráter “operacional” do fato, no sentido de que os fatos “são apenas resultados de operações e de observações efetuadas com a ajuda dos órgãos sensoriais e de instrumentos auxiliares produzidos pela técnica, sendo portanto escolhidos e organizados no intuito expresso de utilizá-los como dados para uma pesquisa ordenada” (Logic, VI, 5, § 4).
Portanto, a análise que hoje se faz dessa noção ignora a antítese entre fato e razão. A eliminação dessa antítese sem dúvida também se faz sentir na elaboração do conceito de razão . No que tange à noção de fato em relação à noção de razão, o fato configura-se como condição limitativa das escolhas racionais. Por exemplo, em física fato é todo objeto passível de observação, ou seja, todo estado ou situação que pode ser verificada e examinada com os instrumentos de que a física dispõe. Mas os fatos físicos, nesse sentido, são os limites ou as condições da atividade racional no campo da física, ou seja, de qualquer construção teórica ou hipótese. Do mesmo modo, no campo da lógica, as implicações analíticas ou tautológicas valem como fatos, ou seja, como condições ou limites da investigação lógica (Abbagnano, Possibilita e liberta, VI, 7). Em geral, pode-se dizer que, enquanto é uma “possibilidade de verificação” que em cada campo assume o aspecto específico ditado pelos instrumentos de investigação disponíveis, em relação à razão o fato também é condição de outras possibilidades, ou seja, de escolhas ou operações que, por sua vez, são determinadas ou especificadas segundo a natureza de cada campo de indagação. [Abbagnano]
Qualquer dado da experiência. — Os teóricos das ciências distinguem o “fato bruto”, que corresponde à nossa percepção comum (por exemplo: vejo um objeto que cai) e o “fato científico”, ou seja. seu enunciado em termos científicos (a lei dessa queda, conforme à lei geral da queda dos corpos, é um fato científico, com repetição indefinida). Um fato histórico, com as suas particularidades de tempo e de lugar, denomina-se “acontecimento”. De um modo geral, o fato designa um mero dado, opondo-se à lei, que enuncia um princípio geral. [Larousse]
Esto termo designa um objeto de juízo (Sachverhalt) concreto, perceptível, uma coisa e suas relações em conexão eficiente concreta. Todos os fatos pertencem à ordem da realidade; contudo não esgotam o âmbito dos objetos de. juízo objetivos. Entre estes contam-se igualmente as puras relações essenciais. Ciências de fatos (em oposição a ciências de essências) são aquelas cujo objeto é constituído por fatos experimentais. Por conseguinte, nem toda ciência se fundamenta em fatos, mas sim em objetos de juízo objetivos. VIDE experiência, positivismo, realidade. — Brugger.
Que é um fato? Um fato não se define, intui-se. A palavra fato vem do latim factum, que significa feito, ato, coisa ou ação feita, acontecimento. É uma palavra para nós familiar.
Embora todos saibam o que é um fato, não é fácil dizer o que é, em que consiste realmente. Fato é o que se nos apresenta aqui e agora, num lugar, num momento determinado; quer dizer, condicionado pelas noções de espaço e tempo. Estar no tempo e no espaço é o que se chama existir. Nós não atribuímos, não emprestamos existência ao fato; ele possui existência. Quando os fatos existem no espaço, eles são chamados corpos. Há outros que existem no tempo e são, por exemplo, os fatos psíquicos, os estados de alma, etc. Os fatos atuais constituem a nossa própria existência e o âmbito no qual vivemos e atuamos. Os fatos transcorridos constituem os elementos da biografia ou da história. [MFS]
Diz-se de qualquer coisa que é um fato quando já está cumprido e não pode negar-se a sua realidade. Tem-se oposto frequentemente o fato à ilusão, à aparência ou ao fenômeno. A noção de fato tem sido usada amiúde em diferentes orientações filosóficas. Um fato pode ser, conforme os casos, natural (um fenômeno ou um processo natural) ou um fato humano (por exemplo, uma situação determinada). Pode ser uma coisa, um ente individual, etc. Por vezes destaca-se no fato a sua realidade situada e atual; por vezes a ideia de um processo especialmente temporal.
Uma história filosófica da noção de fato seria muito extensa e peculiarment complicada, porquanto em numerosos casos se tem usado o termo sem grande precisão conceptual. Por exemplo Comte, insistiu muito em que só os fatos são objetos de conhecimento efectivo, em que só eles são realidades positivas, não esclarece em que medida se podem equiparar fatos com fenômenos.
Particularmente interessante é a noção de fato na fenomenologia contemporânea. Husserl estabeleceu uma distinção entre fato e Essência e sublinhou também a inseparabilidade de ambos. Segundo Husserl, as ciências empíricas ou ciências de experiência são ciências de fatos. Todo o fato e contingente, quer dizer, todo o fato poderia ser essencialmente algo diferente do que é. Mas isso indica que à significação de cada fato pertence justamente uma essência que deve apreender-se na sua pureza. As verdades de fato ou verdades fácticas caem deste modo sob as verdades essenciais ou verdades eidéticas. Que possuem diferentes graus de generalidade (ideias). De acordo com isso, o ser fáctico contrapõe-se e subordina-se ao ser eidético e o mesmo acontece com as ciências correspondentes.
Para Wittgenstein os fatos são os chamados “fatos atômicos”, que são constituídos por uma combinação de objetos (entidades, coisas), (Tractatus). Cada coisa é uma parte constitutiva de um fato atômico. Assim, o mundo não é a totalidade das coisas, mas dos fatos. Os fatos atômicos em questão exprimem-se por meio de proposições atômicas, as quais se combinam mediante funções de verdade, formando as chamadas “proposições moleculares”.
Assim, por exemplo, “Pedro está sentado diante do espelho”, é uma proposição atômica que descreve o “fato atômico” – o qual é composto de coisas tais como Pedro e o seu estar sentado diante do espelho. Em geral, os fatos, enquanto fatos atômicos, consistem em que uma entidade particular possua uma caraterística, ou na relação entre duas ou mais entidades. Os termos de uma proposição devem corresponder aos componentes de um fato atômico. [Ferrater]