Filosofia – Pensadores e Obras

distinção

Distinção é, ou (1) a operação pela qual o diverso é conhecido como diverso, ou (2) é a própria diversidade. Diversidade é a não identidade, ou seja, a relação de uma coisa a outra enquanto outra. Funda-se na pluralidade ou negação de unidade, pelo que são tantas as espécies de diversidade quantas são as de unidade. São conteúdos radicalmente diversos (desconexos, discordantes) os que pertencem a gêneros ou ordens diversos, como “azul’’ e y/2. Distinção em sentido estrito ou diferença é aquilo em que várias coisas, que entre si possuem algo comum, divergem, portanto aquilo que uma tem e a outra não; é o que se verifica com o todo e a parte, com o conceito de gênero e o de espécie. — Há distinção real, quando à negação de identidade conceptual corresponde também uma negação de identidade na coisa, quer a distinção «e manifeste na experiência (= distinção física, existente, p. ex., entre coisas concretas ou partes delas sensorialmente perceptíveis, ou então na separabilidade), quer a distinção só possa ser conhecida pelo pensamento como condição necessária para a possibilidade de um objeto (distinção metafísica, existente entre princípios parciais não perceptíveis pelos sentidos; p. ex., a distinção entre essência e existência no ente finito, segundo o tomismo). — Distinção conceptual ou lógica é a existente entre o que é pensado por meio de conceitos diversos, sem que a esta distinção corresponda na coisa uma pluralidade da mesma espécie. Baseia-se ela no fato de que, devido à nossa condição humana, devemos, por abstração, estabelecer separações entre conteúdos, embora estes se identifiquem na coisa e a ela pertençam em virtude do mesmo princípio. Assim, p. ex., o homem todo é animal e racional, e tanto a animalidade quanto a racionalidade lhe convêm por virtude da mesma alma. Se um dos conteúdos, como aqui é o caso, não é convertível no outro, antes constitui um todo conceptualmente fechado, de sorte que só à base da experiência o outro lhe pode ser acrescentado, temos uma distinção lógica com fundamento real perfeito. Ao invés, temos uma distinção lógica com fundamento real imperfeito, quando o conceito pleno e acabado de um conteúdo penetra necessariamente no outro, como sucede com os transcendentais, com os atributos divinos e com as primeiras diferenças do ser. — VIDE oposição. — Brugger.


A ideia de distinção contrapõe-se, por um lado, à ideia de unidade e, por outro, à de confusão. No primeiro caso, a distinção tem um caráter ontológico; no segundo, um caráter epistemológico.

A divisão mais conhecida de tipos de distinção aceite por todos os escolásticos e, implícita ou explicitamente, por muitos autores modernos, é a que se popularizou sobretudo depois de S. Tomás: distinção real e distinção de razão. A distinção real refere-se às próprias coisas, independentemente das operações mentais por meio das quais se efetuam distinções. Trata-se aqui de uma carência de identidade entre várias coisas (ou, em geral, entidades). independentemente e antes de qualquer consideração mental. Deu-se como exemplo desta distinção a que existe entre alma e corpo, ou entre dois indivíduos. A distinção de razão é estabelecida só pela operação mental, mesmo quando não haja nas coisas nenhuma distinção real. Deu-se como exemplo desta distinção a que se leva a cabo quando se distingue no homem entre animalidade e racionalidade.

A distinção modal pode considerar-se como uma das formas de distinção real. Outros modos de distinção real são: a distinção real pura e simples, a distinção propriamente modal e a distinção virtual. A distinção real pura e simples é atrás referida, quando se distinguiu entre distinção real e distinção de razão. A distinção propriamente modal é a que se refere à diferença entre uma coisa e o seu modo ou modos (como a distinção entre um corpo e a sua forma; um homem e o seu estado; uma linha e a sua classe). A distinção virtual é a que se refere à virtude ou força que reside numa coisa que permite transfundir-se para outra (como a alma humana que, sendo racional, tem virtudes correspondentes ao princípio vital de outros corpos animados).

Quanto à distinção de razão, introduziu-se uma classificação que muitos consideraram básica: a distinção da razão raciocinante e a distinção de razão raciocinada. A primeira é a estabelecida pela mente nas coisas sem que haja, na realidade fundamento para a fazer (como quando se distingue entre a razão do sujeito e a do predicado; ou quando, numa definição completa, consideramos como distintas a realidade definida e aquela pela qual se define). A segunda é a estabelecida pela mente em coisas não realmente distintas quando há algum fundamento na realidade para a fazer (como a já mencionada distinção virtual na alma). [Ferrater]


Sabemos que as diversidades transfísicas são por nós captadas, sem que possamos realizar separações de ordem física.

Não corresponde a toda distinção mental uma distinção real-física, uma separação física, como a que podemos distinguir entre um objeto corpóreo e outro.

Distinção, que vem do verbo distinguere, (de dis e tango. tanger, tocar) que significa separar, discernir, tem, na filosofia, um sentido claro: diz-se que uma coisa é distinta quando não é outra. Distingue-se uma coisa de outra quando não há identidade entre uma e outra, enquanto outra.

A distinção pode ser real ou de razão. É real quando o que distinguimos é, na coisa, diversa de outra coisa (extra mentis). É de razão quando o que distinguimos é, na realidade, idêntico, mas é apenas distinguido pelo intelecto.

Um ente finito, enquanto é, opõe-se (põe-se ob) ao que quer que seja. Existir finitamente é opor-se, é ser distinto, e é ser, consequentemente, determinado.

A todo ser finito há sempre algo que lhe é extrínseco, que é também ser, pois o nada não lhe é extrínseco, porque não tem positividade (não é tético, de thesis, posição).

O ser infinito é distinto por transcendência. A ele nada se ob põe, porque fora dele não há nada.

É distinto dos seres finitos por transcendência em razão da sua absolutividade.

O finito é distinto do finito por oposição, e do infinito por privação. O infinito é distinto do finito por transcendência.

Há distinção numérica, quando dois ou mais objetos-de-pensamento são idênticos e não diferem pelo fato de serem apresentados diversas vezes.

Há distinção genérica (ou específica), quando duas ou diversas representações são intrinsecamente diferentes. Entre duas moedas, de mesma fabricação, só podemos estabelecer uma distinção numérica, entre moedas diferentes, uma diferença específica, entre uma moeda e um animal, uma diferença genérica, Duns Scot propunha ainda a distinção formal, a que existe entre objetos de pensamento realmente idênticos, mas em que “um implica alguma coisa que não é implicada no outro, que já estudamos em “Teoria do Conhecimento” e também o faremos neste livro.

Suarez admite ainda uma distinção modal, a que existe •entre uma coisa e sua maneira de ser, por exemplo, entre a roda e o seu movimento. (Esta distinção será melhor estudada nos artigos referentes à teoria das modais, de grande importância para a Ontologia.)

A distinção real é a que se dá entre objetos de pensamento que são diferentes uns dos outros por si mesmos, independentemente da operação do espírito que os pensa.

A distinção que está nas coisas pode ser física ou metafísica.

Há distinção física, quando há seres diferentes existindo independentemente uns dos outros (os escolásticos designavam o ser, quando tem a sua realidade independente, pelo termo ens quod, quer dizer, o ser que existe). Há uma distinção física entre mim e este papel, onde escrevo.

Há distinção metafísica, quando dois ou diversos princípios componentes são irredutíveis um ao outro, não tendo existência separada nem separável. Assim não há existência separada entre a forma esférica de um pneu e o pneu. Há uma distinção metafísica.

Assim é a distinção entre matéria e forma. Por não compreenderem bem tal distinção muitos filósofos atacaram a Metafísica, como o fizeram Hume, Augusto Comte, e até Descartes.

Este só admitia a distinção real, a modal, e a de razão. Fundava-se êle no pensamento de Ockam, quando diz: “Não pode haver nas criaturas nenhuma distinção, seja qual fôr, que tenha um fundamento fora do espírito, a não ser quando se trata de coisas realmente distintas; portanto, se existe uma distinção qualquer entre essa natureza e essa diferença individual, é preciso que sejam coisas realmente distintas”.

Os escolásticos costumam chamar de ens quo ou quo ens o princípio metafísico, em oposição ao ens quod, de que já falamos acima.

A distinção de razão é aquela que se forma entre objectos de pensamento que não são realmente distintos em si mesmos, mas que dão lugar a representações distintas.

Há distinções meramente verbais, como a que se faz entre a cidade de São Paulo e Pauliceia.

É preciso ter o máximo cuidado de não considerar as distinções do conceito, como distinções nas coisas. Impõe-se muita prudência aqui.

Há essa regra: Só se concluirá por uma distinção real quando uma distinção de razão é incapaz de assegurar a coerência do pensamento.

1) Regra de Descartes: “Nós podemos concluir que duas substâncias são verdadeiramente distintas uma da outra, somente quando podemos conceber uma, clara e distintamente, sem pensar na outra.

Assim, concebo clara e distintamente o ser pensante que eu sou, sem pensar no corpo: a alma é pois uma substância realmente distinta do corpo”. (A tal podemos opor que não há, no homem, pensamento puro, senão como produto de abstração. Há sempre uma raiz na sensorialidade).

2) “Quando não podemos formar dois conceitos independentemente um do outro, embora esses dois conceitos se excluam, temos, então, distinção metafísica, como, por ex.: com a potência e o ato. Esses dois conceitos exigem um e outro. Se a potência é ordenada pela ato, o ato actua uma potência. Há exclusão, porém, porque tudo que está em potência não está em ato, e a mesma coisa não pode, na mesma vez e sob a mesma relação, estar em potência e em ato” (Foulquié)”.

3) Quando não podemos formar dois conceitos independentemente um do outro, porque não se incluem explicitamente, embora implicitamente um seja incluído no outro, temos, então, a distinção de razão.

É a distinção que há entre o gênero e a espécie: “homem” implica “animal”, sem dizer explicitamente “animal”, é porque não há, entre o conceito homem e o de animal, distinção real; há apenas uma distinção de razão” (Foulquié).

O que Husserl considera “momento” nada mais é que distinção.

Em suas “Investigações lógicas”, considera o “momento” como parte de um todo que, embora seja por nós abstraído do conjunto, não pode existir independentemente por sisi mesmo. Assim, a cor de um objecto é um “momento”, porque não pode existir senão unida à extensão.

Em Spranger, altura, intensidade e timbre de um som são “momentos”, porque nenhum deles pode existir por si só.

É importante observar porém nossa capacidade de distinção. E essa capacidade tem significações importantes.

“Uma diferenciação substancial, sem prejuízo da unidade da essência específica, pressupõe necessariamente que a atividade abstrativa de nosso pensamento não somente pode separar o que é distinto ex natura rei, mas também é capaz de distinguir o que é idêntico ex natura rei”. (Fuetscher, op. cit. p. 224).

Nosso espírito é capaz de distinguir o que é idêntico ex natura rei, na própria natureza da coisa. E o podemos, porque o objetivamos esquematicamente, compreendendo-o dentro de um grupo de notas, tensionalmente coerentes, que excluem as outras.

Por isso, consideramos como distinto o que podemos esquematicamente diferenciar, que tomamos, abstratamente, a parte rei, sem existir independentemente, por sisi mesmo.

Tais distintos se identificam na tensão que os tem ou onde eles se dão.

Essa identificação é dialéctica, porque afirma a distinção e a identificação. [MFS]


(lat. Distinctio; in. Distinction; fr. Distinction; al. Unterscheidung; it. Distinzionè).

1. A relação ou o aspecto segundo o qual pode ser reconhecida uma alteridade entre objetos quaisquer que sejam. A doutrina da distinção foi elaborada pela escolástica com objetivos metafísicos e teológicos. Tomás de Aquino conhece somente a distinção formal ou específica, que ocorre entre duas espécies diferentes, e a material ou numérica, que ocorre entre duas coisas pertencentes à mesma espécie (S. Th., I, q. 47, a. 2). Mas no século seguinte Francisco Mayron podia enunciar nada menos do que sete espécies de distinção: 1) distinção de razão (rationè), como p. ex. entre Sócrates como sujeito e Sócrates como predicado da proposiçãoSócrates é Sócrates”; 2) distinção ex natura rei, que é independente da ação do intelecto, como a que existe entre o todo e as partes, o efeito e a causa, o alto e o baixo, etc.; 3) distinção formal, que ocorre entre as coisas que não podem servir de predicado uma à outra, como p. ex. entre o homem e o asno; nesta distinção Duns Scot já insistira longamente, utilizando-a para exprimir a diferença entre o indivíduo e a natureza comum (Op. Ox., II, d. 3, q. 6, n. 15) e entre os atributos divinos (Ibid., I, d. 8, q. 4, n. 17); segundo Mayron, esse tipo de distinção pode ser formulado por definição, divisão (ou classificação), descrição e demonstração, pois o que é individualizado por qualquer um desses processos distingue-se formalmente das outras coisas; 4) distinção real, que ocorre entre as “coisas positivas” que são reciprocamente independentes, tais que a existência de uma pode prescindir da existência da outra; 5) distinção essencial, entre as coisas que podem ser separadas ainda que hipoteticamente (p. ex., da ação de Deus), como matéria e forma, acidente e substrato, precedente e consequente; 6) distinção total substancial (subjetiva), entre as coisas que não coincidem em nenhuma realidade substancial; 7) distinção total representativa (objetiva), entre as coisas que não podem ter o mesmo predicado essencial (quiditativum) (Formalitates, ed. Venetiis, 1517, pp. 23-24). Descartes simplificou muito essa tábua complicada, reduzindo as distinção a três: real, modal e de razão. A distinção real ocorre entre duas ou mais substâncias, quando se pode pensar numa substância clara e distintamente sem pensar na outra. A distinção modal ocorre ou entre a substância e o seu modo (ou manifestação) ou entre dois modos diferentes da mesma substância. A distinção de razão é a que se estabelece às vezes entre a substância e um de seus atributos, sem o qual, porém, a substância não poderia subsistir, ou entre dois atributos, igualmente inseparáveis, da mesma substância (Princ. phil., I, 60-62). A doutrina das distinção não teve continuidade na filosofia moderna e contemporânea.

2. Grau da evidência (v. clareza). [Abbagnano]