Filosofia – Pensadores e Obras

diferença

O diferente é a característica do individual. As coisas individuais são distinguidas porque diferem, pois se tudo fosse homogeneamente igual não haveria o conhecimento dos corpos. Ora, o semelhante não é uma categoria do idêntico. Pois dizemos que alguma coisa é idêntica, quando é absolutamente igual a si mesma.

Analisemos este ponto de magna importância e interesse para a compreensão de futuros temas a serem examinados. No início, dissemos: “em face de uma série definida de fatos semelhantes que nos parecem idênticos (pois na realidade não há fatos idênticos), damos-lhe uma denominação comum; eis o conceito”. Não podemos prosseguir na análise deste ponto, em que estudemos o que é idêntico e o que é identidade. Dizem alguns filósofos que dois fatos são idênticos, quando não há entre eles nenhuma diferença.

Alegam outros filósofos que não podemos compreender, que é impensável a diferença pura. Há, assim, uma antinomia fundamental entre o diferente e o idêntico. (Antinomia, no sentido clássico, é a oposição entre dois termos que parecem verdadeiros). Desprezamos, aqui, outras acepções dadas ao termo idêntico, preferindo, por ora apenas a que demos acima. MFSDIC


Aristóteles distinguiu entre diferença e alteridade. A diferença entre duas coisas implica determinação daquilo em que diferem. Assim, por exemplo, entre uma bola branca e uma bola preta há diferença, que se determina, neste caso, pela cor. A alteridade não implica, em contrapartida, uma determinação; assim, um cão é um ser diferente de um gato. Contudo, a diferença não é incompatível com a alteridade, e vice-versa. Assim, a terra é diferente do sol, porquanto diferem em que, sendo ambos corpos celestes, um não tem luz própria e o outro tem. Mas, ao mesmo tempo, a terra é uma coisa diferente do sol e o sol uma coisa diferente da terra (METAFÍSICA). A noção de diferença desempenhou um papel importante em metafísica, em lógica e nas duas disciplinas ao mesmo tempo. Do ponto de vista metafísico, tratou-se o problema da diferença em estreita relação com o problema da divisão como divisão real. A diferença opõe-se à unidade, mas não se pode entender sem certa unidade, e isto num duplo sentido: a unidade numérica das coisas distintas e a unidade do gênero de que são diferentes as coisas distintas. A diferença, tal como a alteridade – pode considerar-se como um dos “gêneros do ser” ou uma das categorias. Assim acontece em Platão, ao introduzira alteridade como gênero supremo, e em Plotino, ao introduzir como gênero supremo a diferença – neste caso equivale a “o outro”. Do ponto de vista lógico, a noção de diferença usou-se ao formular-se de um modo mais geral de estabelecer uma definição: uma das condições de qualquer definição clássica satisfatória é a chamada “diferença específica”. Ao mesmo tempo metafísica e logicamente, a noção de diferença foi considerada como um dos predicáveis. A maioria dos escolásticos aceitou uma classificação de tipos de diferença: a diferença comum, que separa acidentalmente uma coisa de outra (por exemplo, o homem de pé de um homem sentado); a diferença própria, embora separe também acidentalmente uma coisa de outra o faz por meio de uma propriedade inseparável da coisa (por exemplo, um corvo, que é negro, distingue-se de um cisne, que é branco); diferença maximamente próxima, que distingue essencialmente uma coisa, pois a diferença se funda numa propriedade essencial ou supostamente essencial (por exemplo racional é considerada a diferença do homem). Alguns escolásticos distinguiram entre diferença e diversidade; assim, S. Tomás, quando afirmou (SUMA CONTRA OS GENTIOS), seguindo Aristóteles, que o diferente se diz relacionalmente, pois tudo o que é diferente o é em virtude de algo; o que é diverso, em contrapartida, é-o pelo fato de não ser o mesmo que outra coisa dada. Examinou-se o problema da diferença muitas vezes à base de uma análise do sentido de diferir. Duas coisas, diz Ocam, podem diferir específica ou necessariamente. Duas coisas diferem numericamente quando são da mesma natureza, mas uma não é a outra, como num todo as partes da mesma natureza são numericamente distintas, ou como duas coisas são “todos” que não formam o mesmo ser. diferem especificamente quando pertencem a duas espécies. Pode falar-se também de um diferir quanto à razão, quando a diferença se aplica só a termos ou a conceitos.

Kant considera as noções de identidade e de diferença como noções transcendentais. A identidade e a diferença são “conceitos de reflexão”, não se aplicam às coisas em si, mas aos fenômenos.

Analogamente, Hegel considera como conceitos de reflexão a identidade e a diferença, mas num sentido diferente do de Kant, enquanto a reflexão se distingue da imediatez. Hegel define a diferença como diferença de essência. Por isso, “o outro da essência é o outro em e para sisi mesmo e não o outro que é simplesmente o outro em relação com algo fora dele” (A CIÊNCIA DA LÓGICA). Sendo a diferença algo em e para sisi mesmo, está intimamente ligada à identidade: em rigor, o que determina a diferença determina a identidade, e vice-versa. A diferença distingue-se da diversidade, pois nesta torna-se explícita a pluralidade da diferença.

Heidegger falou, em várias ocasiões, da diferença ontológica. Trata-se, em substância da diferença entre ser e ente, que supera todas as demais diferenças. Por outro lado, pode conceber-se a diferença ontológica como uma diferença no ser; neste sentido, diferença está também intimamente relacionada ontologicamente com a identidade. [Ferrater]


(gr. diaphora; lat. differentia; in. Difference; fr. Différence; al. Differenz; it. Differenzà).

Determinação da alteridade. A alteridade não implica, em si, nenhuma determinação; p. ex., “aé outra coisa que não b”. A diferença implica uma determinação: a é diferente de b na cor ou na forma, etc. Isso significa: as coisas só podem diferir se têm em comum a coisa em que diferem: p. ex., a cor, a configuração, a forma, etc. Segundo Aristóteles, que estabeleceu claramente essas distinções, as coisas diferem em gênero se têm a matéria em comum e não se transformam uma na outra (p. ex., se são coisas que pertencem a diferentes categorias); diferem em espécie se pertencem ao mesmo gênero (Met, X, 3, 1054 a 23).

A diferença foi incluída por Porfírio entre as quinque voces (lit., cinco palavras), ou seja, entre os cinco predicáveis maiores. Porfírio chamou de constitutiva a diferença quanto à espécie, e de divisiva a diferença quanto ao gênero: p. ex., a racionalidade é a diferença que constitui a espécie humana e separa a espécie humana das outras do mesmo gênero. Distinguiu também: diferença comum, que consiste em um acidente separável e existe, p. ex., entre Sócrates sentado e Sócrates não sentado; diferença própria, que existe quando uma coisa difere da outra por um acidente inseparável, como, p. ex., a racionalidade (Isag., 9-10). Essas distinções foram reproduzidas na lógica medieval (Pedro Hispano, Summ. log., 2.11, 2.12). São até hoje aceitas comumente, tanto em filosofia quanto fora dela. [Abbagnano]