Segundo Aristóteles, algo é sucessivo de algo quando se encontra depois dele, em algum aspecto, sem que haja mais nada da mesma classe no meio. Quando se trata de coisas, o fato de estar uma a seguir à outra produz a continuidade, o ser contínuo ou contato. Duas coisas estão em contato quando os seus limites exteriores coincidem no mesmo lugar. Quando há contato, há contiguidade, mas não ao contrário (como acontece com os números que são contíguos, mas não estão em contato). A contiguidade é uma espécie de que a continuidade é um gênero. Duas coisas são contínuas quando os seus limites são idênticos, ao contrário de duas coisas contíguas, cujos limites estão juntos. Noutro lugar, Aristóteles define o contínuo como aquela grandeza cujas partes estão unidas num todo por limites comuns. Aristóteles distingue entre vários conceitos: o ser sucessivo, o ser contínuo, o ser contíguo, o fato de se tocar, mas ao mesmo tempo tenta examinar quais as relações existentes entre esses conceitos. Os escolásticos que se inspiraram grandemente em Aristóteles, e em particular S. Tomás, estudaram também estes conceitos com a intenção de analisar o seu significado e os diversos modos do seu significado.
Houve na história aquilo a que poderia chamar-se o debate entre os continuistas e os descontinuistas, isto é, entre os que consideram que a realidade – a realidade física primeiramente, mas também qualquer realidade como tal – é contínua ou descontínua. No decurso deste debate apresentaram-se, além disso, muitas opiniões sobre a natureza da continuidade. Desde tempos antigos, o problema do contínuo está essencialmente ligado ao problema da compreensão racional do real, e especialmente do pleno, e por esse motivo apresentou já desde os começos da reflexão filosófica algumas graves dificuldades. As mais conhecidas são as expressas nos paradoxos de Zenão de Eleia. A infinita divisibilidade do espaço requer a anulação do movimento e da extensão. Demócrito tentou encontrar uma solução postulando a existência de entes individuais, onde a racionalidade não penetrava. É célebre a solução de Aristóteles: consiste em mediatizar nesta dificuldade com as noções da potência e do ato, as quais solucionam o problema ao permitirem que um ser possa ser divisível em potência e indivisível em ato sem ter que afirmar univocamente a sua absoluta divisibilidade ou indivisibilidade. Contudo, pode dizer-se que, à excepção de Demócrito e de algumas correntes pluralistas, o pensamento antigo se inclina quase inteiramente para a afirmação do contínuo.
Também se inclinava a favor do contínuo o pensamento medieval, embora neste se insiram concepções que tendem pelo menos para o descontinuismo de tipo dinâmico. Pois em nenhum momento pode prescindir-se , quando se ataca o problema do contínuo, da questão das partes. A definição aristotélica menciona-a, explicitamente. O mesmo acontece na definição de s. Tomás, que assinala que é contínuo o ente no qual estão contidas muitas partes numa, e se mantêm simultaneamente. Contudo, já desde tempos antigos se suspeitava de que o problema do contínuo oferecia um aspecto distinto consoante se aplicasse à matéria ou ao espírito. E o que oferecia, desde logo, dificuldades era a continuidade primeira, pois, devido à perfeita simplicidade atribuída ao espiritual, podia supor-se que este era a extrema concentração de toda a continuidade. No caso da matéria, em contrapartida, a dificuldade aumentou quando na época moderna voltaram a formular-se todas as questões de fundo acerca da sua constituição. Descartes defendia uma concepção da matéria contínua e identificava-a com o espaço. Contudo, isso não significava negar um dinamismo no fundo do material. Dinamismo manifestado na elasticidade. A física cartesiana e a teoria dos torvelinhos estão estreitamente ligadas ao problema da continuidade e constituem uma das tentativas para o solucionar. Mais fundamental, todavia, é a ideia da continuidade em Leibniz, o qual converte aquilo a que chama o princípio de continuidade ou também a lei da continuidade num dos princípios ou leis fundamentais do universo. Esta lei de continuidade exige que “quando as determinações essenciais de um ser se aproximam das de outro, todas as propriedades do primeiro devem, consequentemente, aproximar-se também das do segundo”. A lei em questão permite compreender que as diferenças que observamos entre dois seres (por exemplo, entre a semente e o fruto, ou entre diversas formas geométricas, tais como a parábola, a elipse e a hipérbole) são diferenças meramente externas. Com efeito, logo que descobrimos classes de seres intermédias que se introduzem entre as diversas diferenças notamos que podemos ir enchendo os vazios aparentes, de tal modo que chega um momento em que vemos com perfeita clareza que um ser leva continuamente ao outro. O princípio de continuidade garante a ordem e a regularidade na Natureza, e é ao mesmo tempo a expressão dessa ordem e regularidade. O poder da matemática radica no fato de ser capaz de expressar a continuidade da Natureza; a geometria é a ciência do contínuo, e “para que haja regularidade e ordem na natureza, o físico deve estar em constante harmonia com o geométrico”. Mas Leibniz não se limitou a reiterar a ideia de continuidade, mas afirmou que pode descobrir-se a lei do contínuo. E, em última análise, poderia descobrir-se uma lei que seria a lei da realidade inteira e que, por agora, só podemos expressar assinalando a sua existência no princípio universal de continuidade. Esta ideia não foi, contudo, aceite por todos os filósofos; muitos pensaram que parece impossível escapar às antinomias que Zenão de Eleia pôs em relevo pela primeira vez. Assim, Kant tratou o problema do contínuo dentro da segunda antinomia na CRÍTICA DA RAZÃO PURA. A tese afirma a impossibilidade de uma divisibilidade infinita, pois, de contrário, o ser dissolver-se-ia no nada. A antítese defende a infinita divisibilidade de uma parte, pois, de contrário, não haveria extensão. Ora, a antinomia deve-se, segundo Kant, a que, na tese, o espaço é considerado como algo em si, e, na antítese, como algo fenomênico. Assim, parece ter-se descoberto a origem da dificuldade. Mas ao mesmo tempo a solução baseia-se num suposto que não é forçoso aceitar, e que nem sequer é plausível: a divisão do real em fenômeno e númeno. Suprimido o suposto, volta a introduzir-se o problema tradicional. Visto isso , alguns pensadores consideraram que não tem solução ou que só a tem adoptando – por convenção ou por convicção – alguma posição da física última. É difícil separar o problema filosófico do contínuo dos problemas levantados pela noção de continuidade na física e na matemática, e esta última noção foi insistentemente explicada por físicos e matemáticos, durante os últimos séculos. [FERRATER]