Por oposição à linguagem do vivido, há a linguagem do construído, a linguagem da teoria, que é a do discurso da representação (v. metafísica heideggeriana).
Assim como há uma construção do objeto matemático, há também uma construção do objeto físico e do objeto científico em geral. Enquanto tal, o objeto científico só existe em virtude das operações pelas quais lhe damos consistência: só se encontra presente como objeto numa representação por modelo. Sem dúvida, os mais representativos “artefatos” desse aspecto de construtividade são as máquinas e, sobretudo, as máquinas sofisticadas que, por uma metáfora que é muito significativa, chamamos de as “máquinas pensantes”. Tais máquinas imitam efetivamente, numa certa medida, alguns aspectos do comportamento humano e, notadamente, os aspectos lógicos desse comportamento. Trata-se de máquinas pensantes, mas não de máquinas celebrantes.
Portanto, em nossa existência concreta e, a partir do funcionamento mesmo dos objetos técnicos, há indução de uma dualidade do vivido e do construído; existe mesmo (o que é pior) substituição do vivido pelo construído. Quer dizer: há uma extensão crescente do campo da objetividade. Ora, o espírito da construção é o domínio, um saber-fazer fundado num conhecimento preciso das estruturas e dos funcionamentos. No caso da máquina o domínio se mostra particularmente evidente. Sabemos exatamente como se constitui sua estrutura, pois conhecemos os princípios da sua construção. E sabemos como ela funciona, pois conhecemos em função de que performances a serem realizadas ela foi construída.
Todavia, o conhecimento das estruturas e dos funcionamentos permite-nos formular previsões eficazes e agir sobre as condições iniciais; permite-nos, assim, introduzir, no sistema considerado, todas as variações compatíveis com sua estrutura e com suas leis de funcionamento. Em outras palavras, este conhecimento abre um campo de ação totalmente controlável. Em geral, essa possibilidade de domínio induz, de modo implícito, um projeto que se apresenta sob a forma de um imperativo: em toda parte onde for possível, devemos substituir o dado pelo construído. Ou então: em toda parte onde for possível devemos substituir os mecanismos naturais, que são opacos e relativamente imprevisíveis, por mecanismos “artificiais”, perfeitamente controláveis.
Esse tipo de projeto corresponde exatamente a todo o programa de pesquisa e de realizações tecnológicas descrito pelo termo “bioengineeríng”. Assistimos ao surgimento de uma espécie de desconfiança, a priori, relativamente a tudo o que depende dos mecanismos naturais. Correlativamente, vemos cada vez mais afirmar-se o desejo de uma extensão consequente do domínio. Este desejo de domínio se opõe, de modo quase antiético, à atitude que dominou até recentemente, na história da humanidade, e que consistiu principalmente em aceitar passivamente o curso da natureza tal como ele se apresentava. [Ladrière]