COMTE (Augusto), filósofo francês (Montpellier 1798 — Paris 1857). De formação matemática, aluno da Escola Politécnica, Comte é o filósofo do positivismo. O positivismo representa para ele (Curso de filosofia positiva, 1839 — 1842) a ultima etapa da humanidade, que se elevou pouco a pouco do “estágio teológico”, no qual tudo se explicava de maneira mágica, ao “estágio metafísico”, no qual a explicação se contentava com palavras (a escolástica da Idade Média: “Por que a dormideira faz dormir? — Porque possui uma virtude dormitiva”) e, finalmente, ao “estágio positivo”, no qual explicar significa “dar a lei”. Não conhecemos nada além da experiência. “Há somente uma máxima absoluta, a de que não há nada absoluto.” Comte é o fundador da sociologia, que concebia como uma “física social”, pela simples aplicação dos métodos da física à sociedade. Sua moral reduz-se ao altruísmo. Em 1844, conheceu Clotilde de Vaux, que amou com amor romântico e platônico. Esse encontro conduziu-o ao misticismo e, depois da morte de Clotilde, à religião da Humanidade. A respeito desse último ponto, Littré se separou de Comte, para escrever desde então sua obra pessoal. Apesar do estilo envelhecido e acadêmico, a Filosofia positiva e principalmente a Política positiva (1852 — 1854) permanecem ricas de ensinamentos para nós. (V. classificação das ciências, positivismo.) [Larousse]
A filosofia de Augusto Comte é o termo de um movimento e o sopé de um declive natural. Chegou na sua hora, após acontecimentos que haviam transtornado de tal forma a face das coisas que se ficava a indagar como restabelecê-las. A razão, nessa ascensão em que se comprazia demasiadamente, julgava-se capaz de regular tudo e de tudo explicar; por outro lado, tentava-se aplicar o empirismo aos fatos sociais. Reagia-se contra uma política idealista cuja insuficiência se fizera sentir, procurava-se ensinar o universo a encontrar a sua lei em sisi mesmo e a prescindir de Deus. Surgiram Joseph de Maistre, Louis de Bonald, Saint-Simon e também Augusto Comte.
Era um meridional, nascido em Montpellier no ano 1798, e educou-se numa família católica ligada aos Bourbons. Não atingira ainda a juventude quando se libertou de suas crenças ou de suas ligações. Mas a lembrança sempre ficará, embora ele não o confesse, quer queira quer não.
Passou pelo Escola Politécnica e fez amizade com Saint-Simon, de quem se separaria mais tarde. Concebeu um sistema derivado da sua formação científica e de 1828 a 1842 publicou o Curso de filosofia positiva, resumido em 1844 no Discurso sobre o espírito positivo. Neste mesmo ano conheceu Clotilde de Vaux e as consequências do encontro são conhecidas: o descrente descobriu na mulher o objeto de um culto. Pelo menos a sua obra se humanizou com isso. Prosseguiu através de publicações diversas e conquistou discípulos da estatura de um Littré. Comte morreu em 1857, cercado de amigos admiradores e piedosos, em Paris, na casa da Rua Monsieur le Prince n.° 10, onde continua ainda viva a sua recordação.
Distingue três eras ou três estados na história do mundo: o estado teológico ou fictício, o estado metafísico ou abstrato, e o estado positivo ou científico. A enumeração já indica muito bem que se tem em vista um progresso ou uma sucessão de etapas. Primeiro o espírito humano atribui a causas puramente exteriores e imaginárias os acontecimentos ou os fenômenos, depois procura uma explicação na ideia abstrata e por fim se fixa num conhecimento certo, que é o da ciência. Desta forma passa de um Deus criador a esse conjunto vago que é a Natureza, depois ao exemplo ou à demonstração e à explicação do fenômeno pelo fenômeno.
Esta filosofia, assim resumida e considerada no seu termo e no seu desígnio, afigura-se-nos bem superficial ou ingênua. Veremos acusar-se esta fraqueza em derivações ainda mais simplificadas, tais como o cientificismo. Teve ela o seu valor na época própria e permitiu esclarecer o espírito mediante distinções e classificações necessárias, como também contribuiu com elementos úteis para o exame dos problemas sociais: a documentação e o método. Desconheceu o valor da teologia e da filosofia especulativa tradicionais, e não foi esta a menor das suas lacunas. Assinalou na história do espírito um movimento que se acentuou a partir de então. Além disto, apesar das reservas que se lhe possam fazer, essa síntese não deixou de ser uma operação genial.
Comte renuncia de antemão a qualquer tentativa de atingir o absoluto ou as causas primeiras e prescinde de Deus, se bem que não chegue a negá-lo expressamente. O que lhe interessa é o arranjo do espírito e, através dele, o arranjo do mundo. A anarquia atual lhe parece ser o fruto, sob uma forma ou outra, da falta de coordenação desse espírito. Houve outrora sistemas e sistematizações. A idade teológica e a idade metafísica tiveram os seus princípios e os seus panoramas do mundo, que não se baseavam em nada de preciso, de sério ou de real. Só a ciência dará uma base sólida a uma construção desse gênero, construção que, ao contrário das outras, terá um caráter definitivo, e o que pretende ser a filosofia positiva é “uma teoria geral da ciência e das ciências”.
O que domina na ideia de ciência é a ideia de lei; o que garante a lei e lhe dá solidez é a invariabilidade. As ciências por sua vez abarcam e esgotam o conjunto da atividade humana e se hie-rarqui-zam. Há as matemáticas, a astronomia, a física, a química, a biologia e por fim a sociologia — palavra nova e coisa nova, que assumirá o nome característico de “física social”.
Esta última ciência, a sociologia, torna-se a ciência suprema destinada a substituir todas as filosofias e todas as religiões. Assenta ou descobre as condições da vida social e chama-se “estática social”; segue o curso histórico das sociedades, e chama-se “dinâmica social”. O ponto de partida do grupo social já não é o indivíduo, mas a família: o Estado é uma associação, uma estrutura de famílias. Tal como o concebemos atualmente é nacional, mas deve ultrapassar esta fase primitiva, pois sua vocação é a universalidade. Para chegar a tal bastar-lhe-á tomar consciência da noção de “humanidade”. Esta humanidade é que faz o homem e não vice-versa; ela é ideia-princípio e não simples ideia geral; contém em si os germes cujo desenvolvimento favorecem a eclosão do Estado ideal.
A moral não será também um derivado qualquer do egoísmo pessoal, mas o fruto de um sentimento novo e generalizado: a sociabilidade. Assim será estabelecida ou restabelecida uma sociedade que lembrará a sociedade medieval, isto é, hierarquizada, mas com outros princípios de hierarquia. Haverá separação do poder material e do espiritual, sendo o primeiro exercido pelo governo e o segundo representado por uma espécie de igreja em que oficiarão colégios de sábios. Haverá um proletariado de trabalhadores e um patriciado de chefes de indústrias. Haverá mesmo uma religião e uma outra espécie de trindade: a religião da Humanidade com o culto do Grande Ser (que é a própria humanidade), do Grande Fetiche (a Terra) e do Grande Meio (o Espaço). Quando tudo houver amadurecido ver-se-ão todas as nações unidas numa só, de forma religiosa, cujo papa residirá em Paris.
Tal é o sonho de Augusto Comte. Exposto assim em resumo, afigura-se-nos extravagante. Já dissemos que este pensamento teve o seu valor ou a sua necessidade. Coincidiu com outro ou prenunciou-o e preparou-o, e a consequência derradeira deste outro é o drama em que nos debatemos. [Truc]