O bem (ἀγαθόν [agathon]) como ο sentido excelente da situação humana (πρᾶξις [praxis])
É esta a compreensão que dá inteligibilidade à situação concreta de Sócrates. A ela não temos acesso através da mera descrição do que vemos de uma forma objetiva, por mais pormenorizada e exaustiva que ela seja, procurando inclusivamente referir os horizontes internos de cada coisa. Esta descrição objetiva da situação está orientada para o escrutínio de coisas que se veem, mas chamar a coisas deste gênero causas responsáveis pelas situações que se criam e por que passamos é bastante absurdo [Fédon, 99a4. Ou então Sócrates está de posse de uma abertura que não está disponível à partida para nós. Cf. David L. Blank, «Socrates’ Instructions to Cebes: Plato, Phaedo 101d-e», Hermes, 114,1986, pp. 146-163. Sócrates possui ο λόγος [logos] e por isso pode λόγον διδόναι [logon didonai] (p. 161).].
É verdade que sem ter coisas deste gênero [Féd., 99a5], como o corpo e aquilo que o compõe, «ossos», «tendões», «articulações», não era possível fazer-se tudo aquilo que nos parece que tenha de ser feito [Féd., 99a7]. Porém, aquilo que se faz resulta de uma escolha (αἵρεσις [airesis]) do melhor que há [Féd., 99b1]. É esta escolha que nos leva a «fazer pelo sentido compreensivo (νοῦς [noûs]) aquelas coisas que se fazem» [Féd., 99c8-b1]. Ou seja, a determinação da causa responsável (αἰτία) de uma determinada situação (πρᾶξις [praxis]) resulta não da enunciação das condições necessárias, instrumentais, se assim se quiser dizer, para a sua realização, mas do verdadeiro fundamento, o qual, ao ser tido em vista, constitui e determina as próprias condições necessárias para a realização do que há a fazer. É o plano que dá compreensão à situação em que se está, daquilo por que se passa (πάσχει [paschei]) e daquilo que se faz (ποιεῖ [poiei]), daquilo que se é (ἐστι [esti]), que nos localiza na vida. [CaeiroArete:73-74]