gr. aition causalidade em Platão, aition 1; doutrina aristotélica das quatro causas, ibid. 2; necessidade como quase-causa em Platão, ananke 2; sujeito do verdadeiro conhecimento, episteme 3; revisão do esquema da causalidade, noeton 2; na derivação neoplatônica das hipóstases, proodos 3, trias 4 [FEPeters]
Em Aristóteles e na filosofia escolástica denomina-se causa todo princípio do ser, do qual depende realmente, de algum modo, a existência de um ente contingente; o influxo da causa (causalidade) é, pois, a razão de ser (razão) do causado; não sucede, porém, o inverso, a saber: nem toda razão de ser denota uma espécie de causalidade, visto como a relação causa-consequência pode existir com identidade efetiva e, portanto, sem dependência ontológica real, ao passo que causa e causado nunca são plenamente idênticos, precisamente por existir entre eles uma relação real de dependência. Pela influência real sobre o causado, a causa distingue-se também da condição necessária, indispensável para a produção de um ente (porque, p. ex., a causa não pode atuar sem ela), mas não exerce qualquer influxo sobre o causado (p. ex., a luz é condição necessária, mas não á causa da ação de escrever). Com maior razão, não é causa uma “ocasião” não necessária (uma circunstância que facilita a ação causal), considerada só enquanto tal.
Consoante uma causa entra ou não a fazer parte do causado, como principio estrutural interno, distinguem-se causas intrínsecas e extrínsecas. Causas intrínsecas de todos os corpos são, segundo o hilemorfismo, a matéria e a forma, que por sua comunicação recíproca constituem o ente total: a matéria, recebendo em si a forma e sustentando-a; a forma, enquanto determina a matéria e, dessa maneira, confere ao todo seu cunho específico. Causa extrínseca é, em primeiro lugar, a causa eficiente (causa em sentido estrito), a qual, por sua ação, produz um ente, que, enquanto produzido, recebe o nome de efeito. Segundo o princípio de finalidade (princípio de finalidade), toda ação ê, em última instância, determinada por um fim, cujo valor, conhecido e querido, atrai a causa eficiente ou é proposto à ação naturalmente necessária desta pelo Criador; por isso, o fim, considerado como aquilo por cujo motivo um ente existe, é também causa extrínseca deste. A estas quatro causas clássicas acrescentou-se ainda, como ulterior, o exemplar ou arquétipo, que, enquanto forma exterior à imagem segundo a qual se molda um ente, pode ser reduzido à causalidade formal.
Uma explicação filosófica global do ente intra-mundano deve pôr o problema da causa em todas estas direções. A posição exclusivamente científico-natural da filosofia moderna, orientada segundo a física clássica, se deve atribuir o fato de se haver restringido a consideração das causas às conexões causais eficientes. Com este empobrecimento de visão filosófica se prende a restrição dos termos causa e causalidade à causa eficiente. Finalmente, esta noção de causa foi também substituída, na física, pelo conceito de função (matemática), a qual diz apenas que dois fenômenos físicos se comportam de maneira tal que à variação de um corresponde a variação do outro numa relação determinada, expressável numericamente. Uma “causalidade” assim compreendida, que prescinde conscientemente da conexão ontológica entre causa e efeito, é, do ponto de vista filosófico, insuficiente (lei de causalidade, causalidade natural).
Em face de Deus, Causa Primeira, as causas intra-mundanas são causas segundas. A maneira de ser delas mantém proporção com a maneira de ser de seus efeitos, sendo por isso verdadeiras causas principais, não meramente instrumentais (causa instrumental) ou ocasionais (ocasionalismo). Pelo contrário, não mantêm proporção com o ser em geral (em oposição ao não-ser), uma vez que, devido à sua contingência, têm originariamente uma existência tão precária como os seus efeitos. Pelo eme, a totalidade de causas, efeitos e relações causais intra-mundanos dependem ontologicamente da ação criadora (Criação), conservadora e cooperadora (concurso de Deus) da Causa Primeira.
O valor real do conceito de causa eficiente tem sólidas raízes na consciência, na qual — particularmente nas vivências volitivas — sentimos que somos produtores de nossos atos. Pelo que, a representação da causalidade não estriba, como pensava Hume, na interpretação de uma sucessão regular de fenômenos; nem o conceito de causa se reduz, como pretendia Kant, a pura categoria do entendimento (criticismo). O exame do princípio de causalidade (princípio de causalidade) confere-nos a possibilidade de comprovar, também no mundo externo, a existência de verdadeira causalidade. Sobre as demais espécies de causa VIDE matéria, matéria-prima, forma, fim; sobre as causas principal e instrumental VIDE causa instrumental. — Naumann [Brugger]
A partir do momento em que se usou a noção de causa, supôs-se filosoficamente, que há não só “imputação” a alguém – ou a algo – de algo, mas também, e especialmente, produção de algo de acordo com uma certa norma, ou acontecer algo segundo uma certa lei que rege para todos os acontecimentos da mesma espécie, ou transmissão de propriedades de uma coisa a outra, segundo determinado princípio, ou todas estas coisas ao mesmo tempo. Como a causa permite explicar porque é que se produziu um certo efeito, supôs-se logo que a causa era, ou podia ser, também uma razão ou motivo da produção de um efeito. As ideias da causa, finalidade, princípio, fundamento, razão, explicação e outras similares relacionaram-se entre si com muita frequência, e confundiram-se em certas ocasiões. Além disso, ao tratar as questões relativas à causa e à ação e efeito de causar algo – a causalidade – indicou-se muitas vezes que coisas e acontecimentos, e até que princípio último, poderiam ser considerados como propriamente causas. Em todo o caso, as noções de causa, causalidade, relação a, mas usaram esta ideia nas suas explicações da origem, princípio e razão do mundo físico. Platão considerou que o que existe tem uma causa, mas a primeira causa não é puramente mecânica, mas inteligível. Platão estabeleceu já uma distinção que, mais tarde, fez sucesso: a distinção entre causas primeiras, ou causas inteligíveis (as ideias), e causas segundas, ou causas sensíveis e eficazes (as das realidades materiais e sensíveis) (Timeu). Além disso, subordinou as últimas às primeiras. As causas primeiras são modelos ou atrações; causam não pela sua ação, mas pela sua perfeição. Aristóteles tratou o problema da causa, da sua natureza e das suas espécies, em várias partes da sua obra. A mais célebre e influente doutrina aristotélica a este respeito é a classificação das causas em quatro tipos: a causa eficiente, que é o processo da mudança; a causa material, ou aquilo do qual algo surge ou mediante o qual virá a ser; a causa formal, que é a ideia ou o paradigma; a causa final ou o fim, a realidade para que algo tende a ser. Há, pois, na produção de algo o concurso de várias causas e não só de uma. Por outro lado, as causas podem ser recíprocas. Embora todas as causas concorram para a produção de algo – a produção do efeito -, a causa final parece ter um certo predomínio, já que é o bem da coisa, e a causa final como tal pode considerar-se como o bem por excelência. O que faz que uma coisa tenha a possibilidade de produzir outras não é (em tal pensamento) tanto o fato de ser causa como o fato de ser substância. Ser substância significa ser princípio das modificações, quer das próprias, quer das executadas em outras substâncias. As quatro causas aristotélicas podem considerar-se como os diversos modos como se manifestam as substâncias enquanto substâncias.
Muitos filósofos do último período do mundo antigo e da idade média trataram extensamente da noção de causa. Destacaremos aqui, para já, duas tendências:
Por um lado, encontramos o chamado exemplarismo agostiniano e boaventuriano. por outro lado, encontramos uma parte considerável do pensamento escolástico, onde se destaca o tomismo.
No exemplarismo de Santo Agostinho e de S. Boaventura não se exclui inteiramente a ação das chamadas “causas segundas”, as causas tais como se supõe que operam na natureza e que são ao mesmo tempo de tipo eficiente e final. Estas causas são admitidas ao lado das causas primeiras, mas considera-se que a sua eficácia é limitada em virtude de certa insuficiência ontológica da natureza. causa em sentido próprio é só a Causa criadora, que opera segundo as razões eternas. Isso não significa que a Causa criadora seja unicamente como um artífice ou demiurgo que se limita a organizar o real. A Causa criadora tira a realidade do nada, sem que se pergunte pela razão da sua produção.
No pensamento escolástico, e especialmente no tomismo, a doutrina aristotélica sobre a natureza da causa e as espécies desta concretiza-se e refina-se consideravelmente. A causa é, para S. Tomás, aquilo ao qual algo se segue necessariamente. Trata-se de um princípio, mas de um princípio de caráter positivo que afeta realmente algo. A causa distingue-se, neste sentido, do princípio geral. O princípio é aquilo de que algo procede (o principiado) de “um modo qualquer”; a causa é aquilo de que algo procede (o causado) de um modo específico. Princípio e causa são ambos, de certo modo, princípios, mas enquanto o primeiro o é segundo o intelecto, a segunda é-o segundo a coisa (ou a realidade). Assim se estabelece a diferença entre a relação princípio-consequência e causa-efeito, de fundamental importância no tratamento da noção de causa.
Em geral, os filósofos antigos e medievais tiveram tendência a considerar a relação causa e feito do ponto de vista predominantemente ontológico. Além disso, inclinaram-se muitas vezes para considerar a noção de causa em estreita relação com a de substância.
No que diz respeito à investigação sobre a causa, durante o Renascimento e começos da época Moderna, note-se que há em alguns pensadores um grande interesse pelos modos de operação das causas finais. Mas pode dizer-se, grosso-modo, que há uma diferença de princípio entre as concepções antigas e medievais, e a maior parte das concepções modernas relativamente à ideia de causa. O modo de causalidade que se expressa na nova física constitui uma linha divisória bem marcada. Antes de Galileu, a noção de causa tem como motivo principal dar a razão das próprias coisas; depois dele, a noção de causa dá razão de variações e deslocações enquanto susceptíveis de medida e expressáveis matematicamente. A física moderna recusa-se a explicar a natureza ontológica da mudança; limita-se a dar uma razão mensurável do movimento.
Durante os séculos XVII e XVIII, debateu-se amplamente a questão da natureza da causa. Defrontaram-se duas grandes teorias: Uma delas pode classificar-se de racionalista e foi representada por Descartes, Espinosa e Leibniz. Limitar-nos-emos a indicar a tendência capital do tratamento racionalista da causa: que se identificasse esta com a razão. Esta identificação – paralela da redução dos processos reais a relações ideais e matemáticas – é radical em Espinosa. É menos acentuada em Leibniz. Contudo, apesar de Leibniz distinguir a razão como princípio e a razão como causa, aproxima a noção de causalidade do princípio de razão suficiente ou determinante, segundo o qual nada acontece sem razão, sendo o acontecido a consequência de um estado anterior ao qual convém cabalmente o termo causa. O suposto que domina esta interpretação é, além da identificação apontada entre a causa e o principio, a tese caraterística de uma parte da filosofia moderna que, em oposição à cristã e como continuação da grega, nega que “o ser criado surge do nada” ou o relega para uma forma especial ou irracional de produção. A identidade da causa e do efeito postulada pelo racionalismo implica a negação do acontecer e a submissão do acontecimento às suas proporções matemáticas. E é precisamente esta matematização do conceito de causa, que já apareceu em Galileu, que levantou à filosofia moderna os maiores problemas na relação causa-efeito, precisamente porque procurou solucioná-lo passando continuamente da esfera da produção para a esfera da relação.
Juntamente com esta corrente racionalista, as tendências ocasionalistas e empiristas atacam de outro ângulo o problema da causação. Estas tendências não são, além disso, especificamente modernas nem tão-pouco obedecem, nas suas primeiras formulações a supostos empíricos. Malebranche e os ocasionalistas veem-se obrigados a resolver o dualismo entre a substância pensante e a substância extensa levantado por Descartes, mediante a suposição de que as causas, pelo menos as segundas, são ocasiões e que, portanto, só Deus pode ser verdadeira causa eficiente. Dado que o racionalismo voltava sempre, de certo modo, à identificação da causa com o efeito e da causa com a razão, e como o ocasionalismo postulava algo irracional para explicar o fato que supunha precisar de uma explicação inteligível, a crítica de Hume procedeu a uma dissolução radical da conexão causal e das suas implicações ontológicas. Já Locke afirmava que a causa é “aquilo que produz qualquer ideia simples ou complexa” (Ensaios), reduzindo o âmbito dentro do qual se dá a causalidade aos horizontes onde se produzem e originam as ideias. Hume chega a reduzir a causa à sucessão e a destruir o nexo lógico inclusive meramente racional da relação causa-efeito. Só se descobre, diz ele, que um acontecimento sucede a outro, sem que se possa compreender nenhuma força ou poder pelo qual opera a causa ou qualquer conexão entre ela e o seu suposto efeito, de tal modo que os dois termos estão unidos mas não relacionados. Daí que possa definir-se a causa como um objeto seguido por outro e cuja aparência implica sempre o pensamento desse outro. Como noutros pontos, o pensamento de Kant sobre a noção de causa e sobre a relação causal constitui uma tentativa para superar as dificuldades suscitadas pelo racionalismo e pelo empirismo. Ambos supõem que, para que possa afirmar-se a relação causal, esta deve encontrarse “no real”. Se não se descobrir aí, só poderá encontrar-se “na mente”. Até aqui, Hume tinha razão. Mas o modo como Hume resolveu o problema era, para Kant, insatisfatório. Com efeito, se a relação causal é resultado de conjunções e não de conexões, se é questão de hábito e de crença, então não se pode conceber a causalidade como algo universal e necessário e isso equivale (na opinião de Kant) a deixar sem fundamento a ciência, e em particular a mecânica de Newton. Para assentar as bases filosóficas desta, e assegurar assim a possibilidade de um conhecimento seguro e sólido dos processos naturais, Kant faz da noção de causa um dos conceitos do entendimento ou categorias. A causalidade não pode derivar-se empiricamente, mas também não é uma pura ideia da razão; tem um caráter sintético e ao mesmo tempo a priori. A categoria de causalidade (causalidade e dependência; causa e efeito) corresponde aos juízos de relação ditos hipotéticos. Mas não é esquema vazio de um juízo condicional. Também não é um princípio ontológico que se baste a si mesmo, e cuja evidência seja radical. A noção de causalidade permanece assim inatacável, pois a sua aceitação não depende nem de uma suposta evidência ontológica, (que, além disso, é vazia de conteúdo) nem da demonstração empírica (que nunca consegue resultados universais e necessários). Certamente, a causalidade neste sentido restringe – se ao mundo fenomênico. Não se pode dizer se afeta as coisas em si, porque não se pode ter acesso a essas coisas.
Depois de Kant apareceram muitas doutrinas sobre a causalidade. Os idealistas alemães voltaram a realçar o caráter metafísico da causa, mas num sentido diferente do racionalismo pré-kantiano.
Por seu lado, os cientistas e filósofos que prestaram maior atenção à crítica das ciências tentaram aproximar a causa das noções de condição, de relação, lei e função. Seguindoestas tendências, o positivismo fez uma crítica corajosa a toda a acepção metafísica da causalidade e, de acordo com os seus princípios gerais, procurou prescindir dela e ater-se a outras noções que, como as de função ou lei, permitem iludir os problemas ontológicos levantados pela causalidade. Contudo, outras investigações sobre o princípio causal mitigaram estas substituições radicais.
Muitas das correntes da chamada filosofia científica, como o neopositivismo, consideraram que a noção de causa não pode ficar determinada sem um prévio esclarecimento ou análise das proposições em que vai envolta a causalidade. A passagem da causação à dependência funcional acentuou-se consideravelmente nessas correntes. Mas embora esta análise permita eliminar a hipótese da causa como algo real causante, no supremo, a causação do tipo ontológico nem a transfere para uma teoria funcional e operativa que, seja como for, supõe uma certa ontologia. Por isso todas as distinções e análises mencionadas são necessárias, mas sem que com isso possa dizer-se que fica totalmente eliminada a questão ontológica (solúvel ou não) da causa. [Ferrater]
Termo, cujo correlativo é sempre o efeito. As várias ideias representadas por aquelas duas palavras são muito diversas para serem reunidas em uma definição geral. E preciso, por isso, considerá-las em separado.
A razão primitiva dos conceitos de «causa» e «efeito» parece ser a experiência de que atos voluntários de um sujeito produzem coisas novas. A correlação existente entre o ato e o seu produto foi concebida como necessária, e assim cada fenômeno que, para o pensamento ingênuo, tomou o aspecto de uma «coisa» como que independente e delimitada do resto da realidade, parecia forçosamente fazer surgir a questão acerca da causa desse fenômeno, concebida de maneira antropomórfica como um ato de um ser inteligente ou aliás, de qualquer maneira, como um elemento ativo.
Aristóteles parte da totalidade do mundo na ordem como ela se apresenta e procura os elementos que condicionem a sua existência. Como Platão já tinha distingui-do entre uma causa (aitia), que determina o carácter quididativo de um ser e a causa, que faz com que alguma coisa exista, não é de admirar que Aristóteles também chegasse a estabelecer uma pluralidade de causas, que combinam a sua doutrina sobre os problemas de matéria e forma, e de potência e ato. As quatro causas, que Aristóteles enumera como razões constitutivas de cada ser, são 1) a causa formal (e ousia, to ti einai, eidos, logos, paradeigma); 2) a causa material (e hyle, to hipokeimenon, ou gignestai); 3) a causa eficiente (e arkhe tes kineseos); 4) a causa final (to ou eneka, fagathon, to telos).
A tradução portuguesa das quatro causas aristotélicas se baseia nos respectivos termos latinos da escolástica (causa forma-lis, materialis, efficiens, finalis), que interpretam, perfeitamente, o sentido das respectivas expressões gregas.
A causa formal, que se identifica com o eidos, forma, visava, originalmente, as qualidades sensíveis, especialmente a forma corpórea, mas posteriormente, também, as outras qualidades. Como Platão atribuiu ao eidos uma existência eterna, ele considerou-o caracterizado, também, pela prioridade no tempo referente àquele ser que acaba de “informar”. Em Aristóteles, que reduz o eidos a um correlativo da hyle (matéria), cai também na prioridade temporal da causa formal. No mesmo sentido platônico, deve-se atribuir uma prioridade temporal à causa material, porque também a hyle devia existir antes da sua cópula com a forma. Em Aristóteles, porém, a hyle significa, antes, um dos elementos constituintes de uma coisa atualmente existente, sem implicar, necessariamente, uma existência anterior. A causa eficiente é algo atualmente existente e sempre anteriormente àquele cuja causa é. É o que mais se aproxima do conceito moderno de causa. A causa finalis, de certo modo, reúne as outras três causas, mas acrescenta novos pontos de vista: 1) é o por cuja razão algo deve existir, isto é: ou as boas qualidades que uma coisa possui em si, ou um outro bem do qual figura como causa eficiente; 2) causa final é o por cuja razão uma coisa existente foi produzida por um ser inteligente; e 3) é a finalidade, o desígnio, considerado como um fato mental, que produziu alguma, coisa. Essas três acepções se confundem tanto entre si como com as outras causas. Em virtude do que foi alegado sob 1) e 2), pode acontecer que a causa final não só deixa de ser anterior à coisa produzida, mas é realmente subsequente a ela. As escolas de Platão e de Aristóteles, e também os estoicos, consideraram a causa final a mais importante de todas as causas e a que mais merece este nome. Os epicuristas, porém, tencionavam limitar o conceito de causa àqueles fenômenos, que puderam ser observados como regularmente precedentes no tempo. Entre os cépticos surgiu a teoria de que causa e efeito dependem de si mutuamente, ficando, assim, desaprovada a prioridade lógica, que geralmente adere ao conceito aristotélico de causa. A escolástica mantinha, geralmente, os pontos de vista aristotélicos. Mas, a aplicação dos mesmos ao mundo real, tornou óbvio, que a causa eficiente de uma coisa ou de um acontecimento concreto, não é uma só, mas uma pluralidade dos mais complexos elementos, o que levou a distinguir entre as causas eficientes uma como a «principalis».
Também se contrapõe a «causa principalis» à «causa instrumentalis», que, então, se exemplificam pelo obreiro e pelo instrumento usado. A «causa direta» e a «causa indireta» significam o que produz e o que permite realizar. A «causa unívoca» é a que se esgota em um efeito determinado, e a «causa equívoca», a que contém mais do que este efeito. A «causa aductiva» é aquela que conduz a causa principal ao ato. Seguindo os rastros de Aristóteles, a escolástica conhece, também, uma «prima causa», cuja característica é que ela mesma não possui causa alguma.
Descartes conferiu ao termo causa um sentido lógico, que inclui as acepções tradicionais, mas sobrepassa-as ao mesmo tempo. Como, segundo ele, as relações lógicas entre as coisas aderem à própria realidade dos fenômenos
percebidos, o conceito de causa se identifica com o de «razão» (causa seu ratio), e forma, assim, o fundamento lógico de uma proposição, a verdade que a justifica e que tem por correlativo o termo «consequência».
Leibniz tenta conceber todas as causas eficientes como causas finais, salientando que cada efeito é produzido por um desejo, a ponto de converter sem restrição os termos desejo e causa. Ele, porém, não esclarece a dúvida que já tornou impossível uma interpretação clara de Aristóteles, a dúvida se é o próprio desejo como fato mental ou o objeto desejado o que cumpre a função de causa final. Iguais desejos, segundo ele, sempre produzem iguais efeitos, porém, não há necessidade quanto ao seguimento do efeito a causa, quer dizer ao desejo.
Hume tentou destruir o nexo de necessidade geralmente suposto entre causa e efeito. Apesar dos exemplos, que demonstram que um certo efeito segue-se a uma certa causa, não nos autorizam eles estabelecer uma necessidade intrínseca, que condicione um desses dois termos pelo outro. É somente o hábito de ver dois fenômenos sempre juntos, que leva a presumir um laço necessário, argumenta Hume. A palavra efeito só pode significar o que por força de hábito esperamos no futuro. Hume dá, com isso, uma análise psicológica referente à origem da consciência de causalidade, mas nega a sua validez de aplicação ao mundo da realidade.
A crítica de Hume levou Kant a investigar pormenorizadamente o conceito de causalidade. Como resultado dessa investigação, concluiu que a relação entre causa e efeito constitui uma síntese de índole muito particular, que se caracteriza pelo fato de que a um termo A, é posto um termo B, completamente diferente, e obediente a uma regra. O nexo existente entre causa e efeito é, segundo Kant, mais que uma simples sucessão invariável, é antes unia dependência absolutamente geral e até necessária. Ainda mais, essa síntese de causa e efeito tem uma dignidade toda especial, que não se pode expressar empiricamente, e que consiste no fato de que o efeito simplesmente não sucede à causa, mas é posto em virtude dela, e como que procede dela.
A concepção kantiana de causalidade parece bem equilibrada, visto ser ela capaz de abrigar os dois termos extremos do conceito de causalidade, que se manifestam em toda a problemática desse assunto: o conceito antropo-morfista, já acima aludido, como dando origem à representação de causalidade, e o conceito mecanicista, que se desenvolveu pela aplicação do primeiro ao mundo material. Temos uma definição clara do primeiro dada por Malebranche, e designada por ele como «cansa eficaz», que é a de um ser, que exerce uma ação, que modifica um outro ser no sentido da modificação extrema de criação ou aniquilamento, sem perder ou ceder nada da sua própria natureza ou da sua potência de agir ulteriormente.
Por outro lado define J. S. Mill o sentido mecanicista de causa, como: o antecedente ou o conjunto de antecedentes, do qual o fenômeno chamado efeito é invariavelmente e incondicionalmente o consequente. Essa definição se opõe àquela de Malebranche, pela abstração completa do elemento voluntário ou ativo, mas também desmente a acepção kantiana de um laço real, lógico ou necessário. Há outros, porém, que opinam que a causalidade mecânica não significa ainda uma redução à mera sucessão ou simultaneidade dos fenômenos, mas que, também, na causalidade mecânica, pode haver uma causalidade verdadeira com entrelaçamento real dos fatos, aliás reservado à causalidade ativa. Foi proposto denominar esses dois conceitos — limites de causa, como causa eficaz e causa eficiente. Outros preferem os termos causa ativa e causa legal (no sentido da palavra alemã «gesetzmässig»).
Todo o interesse consiste agora em saber qual é essa lei que constitui o caracter legal da causalidade mecânica, e que nos autoriza a denominar alguns fatos como causas e outros como efeitos daqueles. Essa lei foi considerada pelos cientistas naturais da era materialista como a lei física exemplar, em virtude da sua validez universal, e a crítica de Hume não a derrubou da sua posição-chave no pensamento científico. Mas, sob a luz da teoria matemática da relatividade, os fatos se apresentam de maneira diferente. É óbvio que os acontecimentos reais chegam à nossa consciência por intermédio de certos elementos, nos quais se prende, universalmente, a nossa percepção, como a nossa percepção visual depende dos raios de luz que partem da matéria e chegam ã nossa vista. Suponhamos que um observador esteja situado em um corpo celeste que se afasta da nossa Terra. Por um telescópio, ele observa os acontecimentos que aqui têm lugar. Quanto mais rápido esse astro se afasta da Terra, tanto mais tardarão os raios luminosos que partem daquela, até chegarem ao observador. Se o astro alcançar uma velocidade igual à da luz, o observador está impossibilitado de contemplar os acontecimentos terrestres, visto que nenhum raio luminoso alcança mais o seu ponto de observação. Suponhamos agora que o astro chegue a ultrapassar a velocidade da luz. Isto significaria que o observador podia recolher os raios de luz que partiram da Terra antes mesmo dele começar a sua observação, e isto, progressivamente, começando com os mais recentes e ajuntando, depois, os mais antigos, em ordem inversa àquela que teve lugar nos respectivos acontecimentos terrestres. Se este observador nascesse e morresse sob essas condições, ele, em toda a sua vida, não faria outras experiências do que aquela que vidraças arrebentadas costumam reintegrar-se quando uma pedra penetra nelas. Nessa ordem inversa, qual seria, então, a causa, e qual o efeito? — Este exemplo é hipotético, porque conforme a teoria da relatividade nenhum corpo pode ter uma velocidade maior do que a luz. Mas, evidencia-se que a causalidade tem uma direção que se relaciona com as condições subjetivas do observador, alega-se.
Mais forte ainda é a critica que desaprova o modo de chamar um fato isolado a causa de um outro fato. Um olhar mais atento no mundo da realidade deve convencer-nos do concatenamento universal de todos os fatores reais, de maneira que só se pode chamar a totalidade de todas as condições vigorantes no universo a um dado momento, como causa da totalidade das condições no momento subsequente. Contudo, também essa acepção parece só uma parada a meio caminho. Sem dúvida, a consideração da totalidade dos acontecimentos «representa já um certo progresso, mas na acepção do pensamento moderno ainda é cheia de ingenuidade, porque pressupõe a existência de “acontecimentos”, de “fatos”, como elementos separados, que só secundariamente são juntados por adição, ao qual se opõe a concepção moderna do mundo como um processo único e não uma coleção de acontecimentos. Este é o novo panorama do mundo, dado por Bergson, William James, Whitehead e outros, que responsabilizam o intelecto pela dissenção arbitrária do mundo em objetos e acontecimentos isolados, de maior ou menor extensão e duração. B óbvio que um mundo de coisas isoladas precisa de algo como uma causalidade, que sirva de ponte sobre os abismos, sem jamais cair na suspeita de uma ação à distância. Mas, onde cada parte do mundo é presente em cada outra parte, de maneira a constituir um fluxo contínuo e homogêneo da realidade, não há lugar para um conceito de causalidade. Que quer dizer isto, senão que o mundo de isolamento é o mundo da nossa consciência, e o mundo da continuidade é o mundo real, e se a causalidade só tem lugar no primeiro, que o conceito de causalidade é puramente subjetivo, ou que o mundo real e total é sem fisionomia, e que nós lhe gravamos certos contornos ?
«Os vestígios, que descobrimos na areia do tempo são nossos» (Eddington). Também Kant tomou a causalidade como uma categoria subjetiva. Ele, contudo, chama a relação entre causa e efeito “uma síntese toda especial”. É a síntese tentada pelo homem, que quer reunir as partes do mundo, separadas pelo nosso intelecto, sem conhecer a forma final que terá. Só esporadicamente ele reconhece, pela correspondência das quebraduras de dois pedaços, que eles pertencem um ao outro.
Considera-se condição (de conditio, ditio cum, dito, ordem) toda e qualquer circunstância, cuja ausência não permitiria que uma coisa fosse o que ela é. É condição, para que alguém escreva, agora, haver luz. Mas vê-se, desde logo, que se pode distinguir a ideia de condição da de causa. A causa é uma condição, mas uma condição com um diferente específico: a de ser sine qua non, isto é, sem a qual (sine qua) a coisa não (non) se produziria, pois é conexionada com aquela, ou seja, dela depende real e essencialmente.
Conclusão: a causa é o que determina necessariamente a produção de uma coisa, a qual dela depende real e essencialmente; é o que infunde ser à coisa, é o ser que flui na própria coisa; enquanto a condição é o que é necessário apenas à ação da causa.
A causa exige condições, sem as quais não atua. Mas o efeito implica a necessidade da causa. As condições são fatores, em suma, necessários neste ou naquele fato, não necessários sempre como causa, pois os fatores podem ser diversos, enquanto a causa é sempre única.
Muitos confundem antecedente com causa, como o fez Hume. Antecedente é o que precede a uma coisa; causa o que a produz.
Os positivistas vão considerar como causa o antecedente de um fenômeno, que faz que a coisa seja o que ela é (metafisicamente); ou melhor, o simples antecedente do efeito.
A identificação entre causa e antecedente não resolve o problema, apenas renuncia resolvê-lo.
Lei e causa são também identificados. Mas lei tem um sentido geral, enquanto a causa é concreta e individual. A lei afirma uma relação de causalidade. O exemplo do martelo, que ao bater na pedra a esquenta, mostra-nos bem claramente a diferença. O martelo é a causa do aquecimento da pedra, mas a lei é a lei do choque, e este se transforma em calor.
A causa implica a lei, dar-se no campo da lei. A causa é individual, a lei é universal. A lei explica-nos a causa. A lei é uma constante genérica invariante, enquanto a causa toma seus aspectos singulares, segundo as diferenças das condições (fatores, etc).
A ciência procura explicar as causas e delas alcançar as leis. A lei é, assim, um esquema generalizado das causas, e expressa o nexo invariante dos variantes causais e dos fatores.
A origem próxima da ideia de causa leva-nos à construção de um esquema abstrato. As causas, as condições e os fatores, distinguidos pela variabilidade dos fatos, que são históricos e, portanto, singulares, mas que nos revelam a variância do seu acontecer, levam-nos à construção do esquema de lei, que universaliza os fatos, que os inclui em sei: âmbito globalizante.
As causas eficientes, que são as que produzem a coisa (ex-facere) se nos apresentam nas formas mais diversas. Temos a causalidade mecânica, que consiste no movimento e no deslocamento locais, por muitos aceita como a única, como por Demócrito e os materialistas.
A geração biológica é uma causa eficiente em que um ser transmite suas propriedades específicas, que era por Aristóteles considerada como a mais alta espécie de causa.
A criação, como causa, é estudada na Teologia.
A ideia de causa implica a de efeito. Mas o efeito já está contido em potência na causa. Está virtualmente nela.
Argumentam os escolásticos que o ser, por ser ato, é ativo. Se não houvesse causas eficientes não haveria nada. O agir segue-se ao ser (agere sequitur esse). O agir é uma propriedade essencial do ser, que é eficacidade, e cada ser age segundo seu modo de ser.
O ser é, por sisi mesmo, ativo, pois um ser, que fosse inativo, não teria eficacidade, e seria nada. O ser é tensão (ens est diffusivum sui). A causa é um constitutivo essencial do ser.
Desta forma, a ideia de causa toma uma justificação ontológica. A causa de tudo é o Ser que, por ser ativo, realiza-se em sua própria atividade, portanto atualiza tudo quanto pode ser, pois é tudo quanto pode ser, pois só ele tem a eficacidade primordial. Vide Fator. [MFSDIC]