Filosofia – Pensadores e Obras

Bem

gr. agathon em Platão, em Aristóteles e em Plotino, agathon 1-3; identificado com o primeiro princípio não-hipotetizado, dialektike 2, epistrophe; o antecipado, epithymia; o bem para o homem, ergon 5; objeto de amor em Plotino, eros 10; felicidade como o bem para o homem, endaimonia; e prazer, hedone, passim; identificado com o Uno, hen 1; o bem percebido conduz ao movimento, kinesis 8, kinoun 9; definido analogamente através de todas as categorias, on 3; o Bem e o Uno, hen 3, 8-9; identificado com limite, peras; corno objeto da ética e da política, praxis; como causa final, telos 3 [FEPeters]


(gr. agathon; lat. Bonum; in. Good; fr. Bien; al. Gut; it. Bené).

Em geral, tudo o que possui valor, preço, dignidade, a qualquer título. Na verdade, Bem é a palavra tradicional para indicar o que, na linguagem moderna, se chama valor. Um Bem é um livro, um cavalo, um alimento, qualquer coisa que se possa vender ou comprar; um Bem também é beleza, dignidade ou virtude humana, bem como uma ação virtuosa, um comportamento aprovável. Em correspondência com essa extrema variedade de significados, o adjetivo bom tem uma idêntica variedade de aplicações. Podemos falar de “uma boa chave de fenda” ou de “um bom automóvel” como também de “uma boa ação” ou de “uma pessoa boa”. Dizemos também “um bom prato”, para indicar algo que corresponde ao nosso paladar, ou “um bom quadro”, para indicar um quadro bem-feito.

Dessa esfera do significado geral, pela qual a palavra se refere a tudo o que tem um valor qualquer, pode-se recortar a esfera do significado específico, em que a palavra se refere particularmente ao domínio da moralidade, isto é, dos mores, da conduta, dos comportamentos humanos intersubjetivos, designando, assim, o valor específico de tais comportamentos. Nesse segundo significado, isto é, como Bem moral, o Bem é objeto da ética e o registro dos seus diferentes significados históricos é encontrado no verbete ética. Por ora, deveremos tratar da noção de Bem só no primeiro sentido, isto é, na sua acepção mais geral. Podemos, então, distinguir dois pontos de vista fundamentais, que apresentam intersecção na história da filosofia: 1) a teoria metafísica, segundo a qual o Bem é a realidade, mais precisamente a realidade perfeita ou suprema, e é desejado como tal; 2) a teoria subjetivista, segundo a qual o Bem é o que é desejado ou o que agrada, e é tal só n esse aspecto.

1) O modelo de todas as teorias metafísicas é a teoria de Platão, segundo a qual o Bem é o que confere verdade aos objetos cognoscíveis, que confere ao homem o poder de conhecê-los, que confere luz e beleza às coisas, etc.; em uma palavra, é fonte de todo ser, no homem e fora do homem (Rep., VI, 508 e 509 b). Platão compara o Bem ao Sol, que dá aos objetos não só a possibilidade de serem vistos como também a de serem gerados, de crescerem e de nutrir-se; e, assim como o Sol que, mesmo sendo a causa dessas coisas, não é nenhuma delas, também o Bem como fonte da verdade, do belo, da cognoscibilidade, etc. e, em geral, do ser, não é nenhuma dessas coisas e está além delas (ibid., 509 b). Analogamente, Plotino vê no Bem a primeira Hipóstase, isto é, a origem da realidade, o próprio Deus, considerando-o como causa, ao mesmo tempo, do ser, da ciência (Enn., VI, 7, 16) e, em geral, de tudo o que é ou vale um título qualquer (ibid., V, 4, 1). Essas noções tornaram-se correntes na filosofia medieval, que identificou, segundo o exemplo neopla-tônico, o Bem com Deus mesmo, de modo que só pode ser considerado “bom” o que é, de algum modo, semelhante a Deus (Tomás de Aquino. S. Th., I. q. 6, a. 4).

O teorema característico dessa concepção de Bem é o que afirma a identidade do que é Bem com o que existe. “Bonum e ens são a mesma coisa na realidade”, diz Tomás de Aquino, “embora possam distinguir-se um do outro racionalmente. O Bem, com efeito, é o ente como objeto de desejo, o que não é o ente” (S. Th., 1, q. 5, a. 1). Por isso, “todo ente, como ente, é bom” (ibid., I, q. 5, a. 3). De fato, todo ente como tal está em ato e enquanto está em ato é perfeito: mas o que é perfeito é também apetecível e é bom. Esse teorema revela a natureza da concepção metafísica do Bem, cujo princípio é que o Bem é apetecível só como realidade perfeita ou perfeição real. Pode-se, por isso, reconhecer uma teoria metafísica do Bem precisamente por essa característica, que subordina a apetecibilidade à realidade e, por fim, considera o próprio Bem como a realidade suprema. Assim faz Hegel, p. ex., quando afirma que “a realidade efetiva coincide em si com o Bem” (Philosophische Propädeutik, III, § 83), ou que o Bem é “a liberdade realizada, o objetivo final absoluto do mundo” (Fil. do dir., § 129). Todas as formas de idealismo e de espiritualismo constituem outras tantas doutrinas metafísicas do Bem, já que todas identificam o Bem com a realidade e, em última instância, com a realidade suprema; é o que fazem, p. ex., Rosmini, que identifica ser e bem (Principi dela scienza morale, ed. nac, p. 78), e Gentile, que identifica o Bem com o espírito em ato: “O Bem ou valor moral outra coisa não é senão a realidade espiritual em sua idealidade, como produção de si mesma ou liberdade” (.Lógica, 1, p. 110). Algumas filosofias contemporâneas que preferem falar de valor em vez de Bem, considerando o valor como uma realidade absoluta e última, inscrevem-se na mesma concepção tradicional de bem.

2) Por outro lado, a teoria subjetivista do Bem é o inverso simétrico da teoria metafísica. Para ela, o Bem não é desejado por ser perfeição e realidade, mas é perfeição e realidade por ser desejado. Ser desejado ou apetecido é o que define o Bem Foi assim que Aristóteles o definiu várias vezes (Et. Nic., I, 1, 1.094 a 3). Todavia, nesse autor, a doutrina não deixa de ter conexões ou misturas com a doutrina oposta. Quando precisa determinar os critérios de preferência entre os vários bens, recorre à noção metafísica de perfeição, isto é, à noção que fundamenta a teoria oposta de Bem Assim, p. ex., ele diz que o que é Bem em absoluto é mais desejável do que aquilo que é um Bem para alguém, como p. ex. curar-se é preferível a sofrer uma operação cirúrgica; que o que é um Bem por natureza (p. ex., a justiça) é preferível ao que é um Bem por aquisição (p. ex., o homem justo). Além disso, “mais desejável é o que pertence a um objeto melhor e mais digno, de tal modo que o que pertence à divindade é preferível ao que pertence ao homem, e o que tange à alma é preferível ao que tange ao corpo” (Top., III, 1, 116 b 17). Assim, Aristóteles delineia um sistema de preferências que parece orientar-se para o caráter de perfeição que os bens possuem objetivamente e que, portanto, mal se concilia com a definição do Bem como objeto de desejo.

Essa definição é validada pela primeira vez, em todo o seu rigor, pelos estoicos. Estes consideraram o Bem exclusivamente como objeto de escolha obrigatória ou preferencial; portanto, foram também os primeiros a introduzir na ética a noção de valor. “Assim como é próprio do calor aquecer, e não esfriar, também é próprio do Bem ajudar, e não prejudicar”, diziam eles (Dióg. L., VII, 103). Bem, em sentido absoluto, é somente o que se conforma à razão, que tem, por isso, um valor em si; mas são também Bem, embora de modo subordinado ou mediato, as coisas que fazem apelo à escolha e enquanto tais têm valor, como o talento, a arte, a vida, a saúde, a força, a beleza, etc. (ibid., 104-5; cf. Cícero, De finibus, III, 6, 20). Essa tábua de valores prescindia completamente da perfeição objetiva a que se referiam as tábuas de valores da concepção clássica grega.

Obliterada durante toda a Idade Média, a concepção subjetivista de Bem volta, no Renascimento, com as alusões à ética do móbil, que se repetem nesse período (v. Ética), mas foi afirmada na sua forma mais nítida por Hobbes. “O homem chama de bom o objeto de seu apetite ou de seu desejo, de mau o objeto de seu ódio ou de sua aversão, de vilo objeto de seu desprezo. As palavras ‘bom’, ‘mau’, ‘vil’ são sempre entendidas em relação a quem as emprega, porque nada há de absoluto e simplesmente tal, e não há nenhuma norma comum para o Bem e para o mal que derive da natureza das coisas” (Leviath., I, 6). Spinoza aceitou com entusiasmo esse ponto de vista. “Nós não nos propomos, não queremos, não desejamos, não ansiâmos por uma coisa porque a julguemos boa, mas, ao contrário, julgamo-la boa pelo fato de a propormos, querermos, desejarmos e ansiarmos” (Et., III, 9, escól.). E, no prefácio ao IV Livro, reitera: “O Bem e o mal não indicam nada positivo que esteja nas coisas consideradas em si, mas são nada mais do que modos de pensar ou noções que formamos, ao confrontar as coisas. Realmente, uma mesma coisa pode ser, ao mesmo tempo, boa, má e até indiferente”. Por sua vez, Locke afirmou que “chamamos de Bem o que é capaz de produzir prazer em nós e de mal o que é capaz de produzir sofrimento” (Ensaio, II, 21, 43); definições que encontram concordância em Leibniz: “O Bem divide-se em honesto, agradável e útil, mas, no fundo, creio que deve ser agradável por sisi mesmo ou servir a algo que nos dê sentimento de prazer: o Bem é agradável ou útil e mesmo a honestidade consiste em um prazer do espírito” (Nouv. ess., II, 20, 2). Kant aceitou essas observações, acrescentando-lhes um elemento importante, isto é, a exigência de uma referência conceituai. “O Bem” diz ele, “é o que, por intermédio da razão, agrada pelo seu conceito puro. Dizemos que alguma coisa é boa para (útil) quando ela agrada só como um meio; aquela que, ao contrário, agrada por si mesma, dizemos que é boa em si. Em ambas, estão sempre contidos o conceito de finalidade e a relação entre razão e vontade (pelo menos possível); consequentemente, o prazer está ligado à existência de um objeto ou de uma ação, vale dizer, a um interesse” (Crít. do juízo, § 4). A presença do conceito, isto é, do fim a que a coisa tende ou da norma a que deve adequar-se, é o que distingue o bom do agradável. Kant nota que um alimento agradável, para ser considerado “bom”, deve agradar também à razão, isto é, deve ser considerado bom em relação ao objetivo da nutrição, da saúde física. Todavia, o agradável e o bom estão ligados pelo fato de dependerem ambos do interesse pelo seu objeto; além disso, “o que é B absolutamente sob todos os aspectos, o Bem moral, inclui o mais alto interesse, pois o Bem é o objeto da vontade, isto é, de uma faculdade de desejar determinada pela razão. Mas querer alguma coisa e ter prazer por sua existência, isto é, sentir interesse por ela, são a mesma coisa” (ibid., fim). Nesse sentido, o Bem é aquilo que se aprecia, que se aprova e a que se atribui “um valor objetivo” (ibid., § 5). Assim, no seio da própria teoria subjetivista, Kant valida a exigência objetivista que constituía a força da teoria metafísica. O Bem, para Kant, só é Bem em relação ao homem, isto é, em face do interesse que o homem tem por sua existência. Mas isso não o torna exclusivamente subjetivo, isto é, não o identifica pura e simplesmente com o prazer porque ao reconhecimento do Bem está vinculada a valorização conceituai de sua eficiência em relação a certos fins e é isto que constitui o Bem como “um valor objetivo”.

Depois de Kant, a noção de valor tende a suplantar a de Bem nas discussões morais, e pode ser considerada como sucessora do conceito subjetivo de Bem, dotada que é de suas mesmas conexões sistemáticas. Em seu lugar, porém, renascerá, com forma pouco alterada, a alternativa entre uma concepção objetivista e uma concepção subjetivista: alternativa que ainda hoje constitui um dos temas fundamentais da discussão moral (v. valor). [Abbagnano]


É aquilo que pode aperfeiçoar um ser e que, por isso, pode ser objeto de apetição para este. Distinguem-se o bem concreto, isto é, o existente, e a bondade ou o valor como fundamento interno do bem.

Atendendo-se às características intrínsecas, dividem-se os valores ou bens em puramente materiais, biológicos (p. e.v., a saúde), psíquicos (p. ex., o prazer), espirituais (intelectuais, estéticos, morais) (bens). Como bem supremo figura na moderna filosofia dos valores, o santo (santidade). Com essa classificação não se confunda a divisão formal em valor por si (auto-valor) e valor útil (bonum utile). Este último, como valor orientado para alguma coisa distinta, só conduz a um outro bem, como, p. ex., o remédio para a saúde. O valor por si em sentido amplo é ou autovalor propriamente ditovalor de perfeição (bonum honestam, bonum per se), — ou valor deleitável, de prazer ou satisfação (o agradável, bonum delectabile), ou seja, o valor de reação, o qual se acha naturalmente ligado à obtenção do autovalor propriamente dito e, por isso, lhe é subordinado (p. ex., o prazer de ter alcançado a verdade ou a tranquilidade da boa consciência). O honesto, portanto, nesta divisão, não deve ser equiparado ao moralmente bom, podendo ser também um bem físico (bonum physicum), como o vigor corporal.

Quase sempre, porém, entende-se por “honesto” o conteúdo axiológico do bem moral (bonum morale) (v. moralidade), que é também chamado “bem” simplesmente. Ele aperfeiçoa a personalidade humana em seu âmago e em seu todo, ao contrário, p. ex., do valor puramente intelectual ou do puramente estético, os quais aperfeiçoam em primeiro lugar determinadas capacidades da pessoa, só se tornando moralmente importantes quando se integram na totalidade da pessoa. A bondade moral exige a ação do homem e uma ação livre (liberdade), pela qual o homem se orienta para valores e fins objetivos. Portanto, o ato propriamente moral é um ato da vontade livre, não apenas no sentido de um desejo de fazer, mas também e sobretudo no sentido do amor pessoal. Por serem esses atos essencialmente dirigidos a um objeto (intencional), existe a distinção entre o ato moralmente bom (bonum morale subiectivum) e o objeto moralmente bom (bonum morale obiectivum), distinção ignorada pela ética dos valores. O objeto moral é, tratando-se do querer-agir, a ação que se deseja praticar (p. ex., dizer a verdade) e, tratando-se do amor pessoal, o valor da pessoa. Por ser o homem, como ente espiritual (espírito), ordenado para a realidade ou bem absoluto, ultrapassando toda a esfera do finitos só pode encontrar sua plena perfeição pela subordinação de toda a sua vida a esse fim absoluto. Por isso, o objeto que determina, em última instância, o caráter moral do comportamento humano é o bem absoluto. Este, quando claramente concebido, é o Deus pessoal, ao qual o homem se volta pelo amor. Mas é possível também uma vaga apreensão de um valor absoluto, na qual permaneça mais ou menos oculto seu caráter pessoal. A pessoa humana, enquanto imagem de Deus (homem), participa da dignidade do bem absoluto. Daí decorrem outros valores morais, corno a justiça e a veracidade (virtude). — De Vries. [Brugger]


(Advérbio do adjetivo bom, e substantivo)

a) O que possui valor sob qualquer aspecto: o que é objeto de satisfação ou de aprovação em qualquer ordem de finalidade; o que é perfeito em seu gênero, bem sucedido, favorável, útil: é o termo laudativo universal dos juízos de apreciação; aplica-se ao voluntário e ao involuntário.

b) Bem, no sentido de moralmente bom, como tal é um dos conceitos normativos fundamentais, ao lado dos valores do verdadeiro e do belo. É um ato que, em um caso determinado, considera-se como o moralmente preferível. Com respeito aos atos realizados, é aquele que encontra aprovação; com respeito aos atos futuros, é aquele que deve ser realizado. Mas o Bem difere do Dever: 1) enquanto não implica nenhuma ideia de obrigação ou de obediência a uma autoridade, mas somente de norma e de perfeição (como se fosse considerado como unia qualidade inerente a um sujeito, o que de fato é segundo alguns filósofos, sendo negado por outros), e 2) enquanto o Bem concerne ao próprio ato que deve ser realizado e não à intenção.

Kant, para colocar os valores morais em uma posição de plena independência, com respeito a todos os outros valores, negou que o bem e o mal fossem valores materiais e reduziu esses princípios à conformidade ou não-conformidade a um preceito imperativo, como um «dever-ser» normativo. Como o bem pode se manifestar em atos diferentes, conforme as circunstâncias de um caso determinado, Kant chega à afirmação de que o único bem incondicional é uma vontade boa.

Essa concepção do bem foi recentemente muito combatida pelos representantes de um neo-realismo, especialmente por Scheler, que defende que o bem e o mal são qualidades irredutíveis, que se oferecem imediatamente à intuição emocional» que, segundo ele, é o órgão adequado para a apreensão dos valores. [MFSDIC]


Dentro das atitudes possíveis acerca do problema do bem (considerar o Bem como umtermo” ou como uma “noção”), referimo-nos ao Bem como algo real. Convém precisar imediatamente o tipo de realidade a que se adscreve. É mister, portanto, perceber se se entende o bem como um ente ou como um ser; como uma propriedade de um ente – ou de um ser – ou como um valor. Mas depois de ter esclarecido este ponto, é, todavia, conveniente saber de que realidade se trata. Enfrentaram-se duas opiniões diferentes a respeito disto: Primeira: o bem é uma realidade metafísica; segunda: o bem é algo moral. Antes de analisar cada uma destas opiniões, é preciso distinguir o bem em sisi mesmo do bem relativamente a outra coisa. Esta distinção aparece já em Aristóteles, que assinala que o primeiro é preferível ao segundo, mas tendo em conta que o bem em sisi mesmo nem sempre equivale ao Bem absoluto; designa um Bem mais independente que o bem relativo. Por exemplo, diz que recobrar a saúde é melhor que sofrer uma amputação, pois o primeiro é bom absolutamente, e o segundo só o é para o que precisa de ser amputado. Esta distinção foi adoptada por muitos escolásticos. Uma consequência desta distinção foi a negação de que o bem é exclusivamente uma substância ou realidade absoluta. Aristóteles e muitos escolásticos rejeitavam, por conseguinte, a doutrina platônica – e por vezes plotiniana – do Bem como ideia absoluta ou como ideia das ideias, tão elevada e magnífica que, em rigor, está, como disse Platão, “para além do ser” de tal modo que as coisas boas o são enquanto unicamente participações do único Bem absoluto. Com efeito, na concepção aristotélica, pode dizer-se que o bem de cada coisa não é – ou não é só – a sua participação no Bem absoluto e separado, mas que cada coisa pode ter o seu bem, isto é, a sua perfeição. 1) o bem em sisi mesmo equipara-se frequentemente ao bem metafísico. Nesse caso, costuma dizer-se que o bem e o ser são uma e a mesma coisa, de acordo com a célebre fórmula de Santo Agostinho: “o que é, é bom” (Confissões), que foi aceite pela maioria dos filósofos medievais. Interpretada de um modo radical, esta equiparação dá como resultado a negação de entidade ao mal, mas para evitar as dificuldades que isso levanta definiu-se amiúde o mal como afastamento do ser, e, por conseguinte, do bem. O Bem surge então como uma luz que ilumina todas as coisas, em sentido restrito, o Bem é Deus, definido como Sumo Bem. Mas em sentido menos restrito, participam do bem as coisas criadas e em particular o homem, especialmente quando alcança o estado da fruição de Deus. A elaboração filosófica desta concepção define o Bem como um dos transcendentais.

2) A concepção do bem como Bem metafísico não exclui a sua concepção como bem moral; pelo contrário, inclui-a, mesmo quando o Bem metafísico parece gozar sempre de certa preeminência, especialmente na ontologia clássica. O mesmo se pode dizer da filosofia kantiana, por mais que nesta fique invertida a citada preeminência. Com efeito, se só a boa vontade se pode chamar algo bom sem restrição, o Bem moral aparece como o sumo, o Bem. O fato de as grandes afirmações de Kant serem postulados da razão prática explica a peculiar relação existente entre o bem metafísico e o bem moral dentro do seu sistema. Quando se põe o bem moral acima das outras espécies de bens, levantam-se vários problemas. eis aqui dois que consideramos capitais: Em primeiro lugar, trata-se de saber se o bem é algo subjectivo ou algo que existe objetivamente. Muitas filosofias admitem as duas possibilidades. Assim Aristóteles e grande número de escolásticos definem o Bem como algo que é apetecível e, nesse sentido, parecem tender para o subjetivismo; mas, na realidade, “aquilo a que todas as coisas apetecem”, como diz S. Tomás (Suma Teológica) É o Bem porque constitui o termo da aspiração. Isto permite solucionar o conflito levantado por Aristóteles (no começo da Ética a Nicômaco) quando se pergunta se se deve considerar o Bem como uma ideia de certa coisa separada que surge e subsiste por si isoladamente, ou então como algo que se encontra em tudo o que existe e se pode chamar o Bem comum ou real. Em contrapartida, autores como Espinosa consideram o bem como algo de subjectivo, não só por ter insistido na ideia de que o bom de cada coisa é a conservação e a persistência no seu ser, mas também por ter escrito expressamente (Ética) que “nos movemos, queremos, apetecemos ou desejamos algo, porque julgamos que é bom, mas que julgamos que é bom porque nos movemos para isso, o queremos, apetecemos e desejamos”. Muitas das chamadas morais subjectivas, quer antigas quer modernas, podiam tomar como lema a citada frase de Espinosa. Em segundo lugar, trata-se de saber quais são as entidades que se consideram boas. As chamadas morais materiais consideram que o bem só pode estar incorporado em realidades concretas. Assim acontece quando se diz que o bom é o deleitável, ou o conveniente ou o honesto, ou o correto, etc. Note-se que os escolásticos não rejeitaram esta condição do bem, pois consideravam que o bom se divide em diversas regiões determinadas pela razão de apetecibilidade d e modo que se pode dizer, com efeito, do bom, que é útil, ou que é honesto, ou que é agradável, etc. Mas enquanto, entre os escolásticos, isto era o resultado de uma divisão do bem, entre os partidários mais estritos das morais materiais o bem reduz-se a uma ou mais dessas espécies de bens. As ditas morais formais (especialmente a de Kant) insistem, em contrapartida, em que a redução do bem a um Bem ou a um tipo de bens (em particular de bens concretos) converte a moral em algo relativo e dependente. Há, segundo ele, tantas morais materiais quantos os gêneros de bem, mas, em contrapartida, há só uma moral formal. Contra isso argumentam as morais materiais que a moral puramente formal é vazia e não pode formular nenhuma lei que não seja uma tautologia. [Ferrater]