Filosofia – Pensadores e Obras

autoridade

(lat. auctoritas; in. Authority; fr. Autorité; al. Autoritát; it. Aurotita).

1. Qualquer poder exercido sobre um homem ou grupo humano por outro homem ou grupo. Esse termo é generalíssimo e não se refere somente ao poder político. Além de “autoridade do Estado” existe a “autoridade dos partidos” ou a “autoridade da Igreja”, bem como a “autoridade do cientista x” a quem se atribui, p. ex., o predomínio temporário de certa doutrina. Em geral, autoridade é, portanto, qualquer poder de controle das opiniões e dos comportamentos individuais ou coletivos, a quem quer que pertença esse poder.

O problema filosófico da autoridade diz respeito à sua justificação, isto é, ao fundamento sobre o qual pode apoiar-se sua validade. Podem-se distinguir as seguintes doutrinas fundamentais: 1) o fundamento da autoridade é a natureza; 2) o fundamento da autoridade é a divindade; 3) o fundamento da autoridade são os homens, isto é, o consenso daqueles mesmos sobre os quais ela é exercida.

1) A teoria segundo a qual a autoridade foi estabelecida pela natureza é a aristocrática, comum a Platão e a Aristóteles. Segundo essa teoria, a autoridade deve pertencer aos melhores e é a natureza quem se incumbe de decidir quem são os melhores. Platão, de fato, divide os homens em duas classes: os que são capazes de se tornarem filósofos e os que não o são (Rep., VI, 484 b). Os primeiros são movidos naturalmente por uma tendência irresistível à verdade (Ibid., 485 c); os segundos são “naturezas vis e iliberais” que nada têm em comum com a filosofia (Ibid., 486 b). A divisão entre os que estão destinados a possuir e a exercer a autoridade e os que estão destinados a submeter-se-lhe é, portanto, feita pela natureza; a educação dos filósofos não faz senão salvaguardar e desenvolver o que a natureza dispôs. Essa desigualdade radical dos homens como fundamento natural da autoridade é também a doutrina de Aristóteles. “A própria natureza ofereceu um critério discriminativo fazendo que dentro de um mesmo gênero de pessoas se estabelecessem as diferenças entre os jovens e os velhos; e, entre estes, a uns incumbe obedecer, a outros mandar…” (Pol, 1.333 a). Mas a diferença entre jovens e velhos é temporária; os jovens ficarão velhos e, por sua vez, comandarão. A diferença substancial e fundamental é entre o pequeno número de cidadãos dotados de virtudes políticas, sendo, portanto, justo que se alternem no governo, e a maioria dos cidadãos comuns, desprovidos daquelas virtudes e destinados a obedecer (Ibid., II, 2, 1.261 a). O teorema fundamental dessa concepção de autoridade é, portanto, a divisão natural dos cidadãos em duas classes, das quais só uma possui como apanágio natural o direito de exercer a autoridade Desse ponto de vista, o critério de distinção das duas classes tem pouca importância: o importante é a distinção. Todos os aristocratismos têm em comum esse teorema e essa concepção da autoridade: encontram-se, p. ex., no racismo, bem como em Tönnies, segundo o qual há três espécies de dignidade ou autoridade: “A dignidade da idade, a dignidade da força, a dignidade da sabedoria ou do espírito, que se encontram unidas na dignidade do pai quando protege, exige e dirige” (Gemeinschaft und Gesellschaft, 1887, I, 5).

2) A segunda teoria fundamental é a de que a autoridade se baseia na divindade. Essa é a doutrina exposta no capítulo XIII da Epístola aos romanos de S. Paulo: “Toda alma esteja sujeita às potestades superiores, porque não há potestade que não venha de Deus; e as potestades que há foram ordenadas por Deus. Por isso, quem resiste à potestade resiste à ordenação de Deus; e os que resistem trarão sobre si mesmos a condenação. Porque os magistrados não são terror para as boas obras, mas para as más. Queres tu, pois, não temer a potestade? Faze o bem, e terás o seu louvor. Porque ela é ministra de Deus para teu bem. Mas, se fizeres o mal, teme, porque ela não traz em vão a espada. Pois é ministra de Deus, vingadora para o castigo daquele que pratica o mal. Por isso, é necessário que lhe estejais sujeitos, não somente por causa do castigo, mas também por obrigação de consciência” (Ad rom., XIII, 1-5). Esse documento foi fundamental para a concepção cristã de autoridade, que foi defendida por S. Agostinho (De Civ. Dei, V, 19; cf. V, 21), Isidoro de Sevilha (Sent., III, 48) e Gregório Magno, que insiste no caráter sagrado do poder temporal, a ponto de considerar o soberano como representante de Deus na Terra. Substancialmente, a mesma tese foi adotada por Tomás de Aquino: “De Deus, como do primeiro dominante, deriva todo domínio” (De regimine principium, III, 1). Essa concepção coincide com a primeira num caráter negativo, isto é, em tornar a autoridade totalmente independente do consenso dos súditos. Mas distingue-se da primeira num caráter fundamental: justifica toda autoridade que seja exercida defacto. Enquanto a primeira não exige que a classe destinada a mandar mande sempre de fato (e para Platão, com efeito, a questão não se formula assim), a segunda, ao contrário, implica que toda autoridade que de fato seja exercida, tendo sido disposta ou estabelecida por Deus, é sempre plenamente legítima. Este é o teorema típico da concepção em tela: teorema que permite reconhecê-la mesmo nas formas mais ou menos conscientemente mistificadas. Quando, p. ex., Hegel afirma que o Estado é “a realização da liberdade” ou “o ingresso de Deus no mundo” (Fil. do dir., § 258, adendo), estabelece uma coincidência entre aquela que, para ele, é a mais elevada e a realidade histórica do Estado, isto é, justifica qualquer poder de fato, segundo a máxima de sua filosofia: “Entender o que é é tarefa da razão, porque o que é é razão” (ibid., pref.). Segundo esse ponto de vista, autoridade e força coincidem: quem possui força para im-por-se não pode deixar de gozar de uma autoridade válida, já que toda força é desejada por Deus ou é divina.

3) A terceira concepção de autoridade opõe-se precisamente a esse teorema. A autoridade não consiste na posse de uma força, mas no direito de exercê-la; tal direito deriva do consenso daqueles sobre quem ela é exercida. Essa doutrina nasceu com os estoicos e seu primeiro grande expositor foi Cícero. Seu pressuposto fundamental é a negação da desigualdade entre os homens. Todos os homens receberam da natureza a razão, isto é, a verdadeira lei que comanda e proíbe retamente; por isso, todos são livres e iguais por natureza (Cícero, Deleg., 1,10, 28; 12, 33). Assim sendo, só dos próprios homens, da sua vontade concorde podem originar-se o fundamento e o princípio da autoridade. “Quando os povos mantêm íntegro o seu direito, nada há de melhor, de mais livre, de mais feliz, uma vez que são senhores das leis, dos juízos, da guerra, da paz, dos tratados, da vida e do patrimônio de cada um” (Resp., I, 32, 48). Cícero achava que só um estado assim pode ser chamado legitimamente de república, isto é, “coisa do povo” (ibid., I, 32, 48). Mas às vezes o reconhecimento de que a fonte da autoridade está no povo une-se ao reconhecimento do caráter absoluto da própria autoridade Isso acontece no Digesto, em que Ulpiano diz: “O que agradou ao príncipe tem valor de lei”, mas acrescenta imediatamente: “porquanto foi com a lei regia, com que se regulamentou o poder dele, que o povo lhe conferiu toda a sua autoridade e todo o seu poder” (Dig., I, 4, 1). Um dos teoremas típicos desse ponto de vista é o caráter de lei que se reconhece nos costumes: de fato, se as leis não têm outro fundamento senão o juízo do povo, as leis que o próprio povo aprovou, mesmo sem escrever, têm o mesmo valor das que foram escritas (ibid., I, 3, 32). Os grandes juristas do Digesto admitiam, portanto, que a única fonte da autoridade era o povo romano (R. W.-A. J. Carlyle, History of Mediaeval Polítical Theory in the West, II, I, 7; trad. it., pp. 369 ss.). Foi essa a forma assumida, na Idade Média, pela doutrina do fundamento humano da autoridade. Diz Dante: “O povo romano, por direito e não por usurpação, assumiu a tarefa do monarca, que se chama império, sobre todos os mortais” (De Mon., II, 3). Do mesmo modo, Ockham afirmava que “o império romano foi certamente instituído por Deus, mas através dos homens, isto é, por intermédio dos romanos” (Dialogus inter magistrum et disci-pulutn, III, tract. II, lib. I, cap. 27, em Goldast, Monarchia, II, p. 899). A própria autoridade papal, segundo Ockham, é limitada pelas exigências dos direitos e da liberdade daqueles sobre os quais se estende e é, portanto, a autoridade de um principado ministrativus, não dominativus (De imperatorum et pontificum potestate, VI). E, à pergunta sobre quais seriam os direitos e as liberdades que a própria autoridade papal deve respeitar, Ockham responde que são os mesmos que cabem também aos infiéis, tanto antes quanto depois da encarnação de Cristo, já que os fiéis não devem nem deverão estar em condições piores do que aquelas em que estiveram os infiéis tanto antes quanto depois da encarnação de Cristo (ibid., DC). Marsílio de Pádua afirmava claramente a tese geral implícita em tais ideias. “O legislador, isto é, a primeira e efetiva causa eficiente da lei, é o povo ou o conjunto de cidadãos, ou ainda a parte predominante deles, que comanda e decide, por sua escolha ou vontade em assembleia geral e em termos precisos, que certos atos humanos devem ser praticados e outros não, com penalidades ou punições físicas”. (Defensor pacis, I, 12, 3). Nicolau de Cusa afirmava, não menos explicitamente, com referência à autoridade eclesiástica: “Como todos os homens são naturalmente livres, qualquer autoridade que afaste os súditos da prática do mal e limite sua liberdade com o temor de sanções deriva só da harmonia e do consentimento dos súditos, quer resida na lei escrita, quer na viva, representada por aquele que governa” (De concordantia catholica, II, 14). No mundo moderno, o predomínio do contratualismo e do jusnaturalismo determinam o predomínio dessa doutrina. E, embora hoje contratualismo e jusnaturalismo não possam ser invocados como justificações suficientes do Estado e do direito, a tese da origem humana da autoridade não é posta em dúvida. A própria doutrina de Kelsen, ao atribuir a autoridade à ordenação jurídica, não é mais do que uma especificação da tese tradicional. Diz Kelsen: “O indivíduo que é ou tem autoridade deve ter recebido o direito de promulgar ordens obrigatórias, de modo que outros indivíduos sejam obrigados a obedecer. Tal direito ou poder pode ser conferido a um indivíduo somente por uma ordenação normativa. A autoridade é, portanto, originariamente a característica de um ordenamento normativo” (General Theory of Law and State, 1945, II, cap. VI, C, h; trad. it., p. 389).

Mas além desse ponto de vista formal está o problema das formas ou dos modos com que o consenso que funda a autoridade pode ser exercido ou expresso, além do problema dos limites ou da extensão que ele pode ou deve ter em cada campo. É claro, p. ex., que, em política, a autoridade deve ter tarefas e extensão maiores do que no campo da pesquisa científica e que, portanto, em política o consenso que a valida deve ter limites e extensão e ser exercido e expresso com formas e características diferentes das assumidas no campo científico. O reconhecimento que exprime aceitação ou consenso está na base de toda autoridade: as modalidades, as formas e os limites institucionais ou não desse reconhecimento podem ser muito diferentes e constituem problemas fundamentais de política geral e especial.

2. Na filosofia medieval, auctoritas é uma opinião particularmente inspirada pela graça divina e, portanto, capaz de guiar e corrigir o trabalho de indagação racional. Auctoritas pode ser a decisão de um concilio, uma máxima bíblica, a sententia de um Padre da Igreja. O recurso à autoridade é uma das características típicas da filosofia escolástica, pois o filósofo, individualmente, quer sentir-se sempre apoiado e sustentado pela responsabilidade coletiva da tradição eclesiástica. Não faltaram, porém, nem mesmo na escolástica, rebeliões contra a autoridade nesse sentido: como a de Abelardo, que afirmou que a autoridade só tem valor enquanto a razão estiver oculta, mas que passa a ser inútil quando a razão tem como verificar por si mesma a verdade (Theol. christ., III, ed. Migne, col. 1.226). A filosofia moderna caracteriza-se pelo abandono do princípio de autoridade, ao menos como princípio explicitamente assumido para a disciplina e a orientação da pesquisa. De qualquer forma, a autoridade em filosofia representa a voz da tradição religiosa, moral, política ou mesmo filosófica; e mesmo quando não se apoia na força das instituições políticas que nela se fundam, essa voz age sobre a pesquisa filosófica tanto de forma explícita, com o prestígio que confere às teses que apoia, quanto de forma sub-reptícia e disfarçada, impedindo e limitando a indagação e prescrevendo ignorância e tabus. [Abbagnano]


Este termo designa o conjunto de qualidades próprias de pessoas físicas ou morais (em sentido mais vasto, também de coisas, como o costume, o uso), que motivam um assentimento pessoal à injunção de quem está investido de autoridade. Distingue-se, por conseguinte, tanto da coação física ou moral quanto do assentimento baseado no exame e compreensão da injunção apresentada. Ao assentimento do entendimento, firmado na autoridade, dá-se o nome de ; ao assentimento por parte da vontade e do comportamento, dá-se o nome de obediência. Quando o assentimento estriba exclusivamente na superioridade pessoal do detentor da autoridade (mercê da experiência, do saber, do poder, do caráter) temos a autoridade pessoal, que em si não obriga, mas permanece no plano do conselho. Se estriba numa competência jurídica (autoridade oficial) em si independente das qualidades pessoais do sujeito, nesse caso suas notificações categóricas (ordem, mandado, proibição) obrigam em consciência, sob pecado ou castigo, dentro do âmbito dessa competência jurídica.

A fundamentação da autoridade depende da mundividência que se professe, sendo portanto diferente consoante se professe uma mundividência individualista-liberal, materialista-coletivista, biológico-racial, ou teísta. Esta última situa o fundamento da autoridade na finitude da existência humana, a qual na totalidade de seus aspectos erguendo-se acima de si mesma, apela para o Deus pessoal, Criador e Senhor. Por essa forma, a autoridade humana é a representante de Deus, e assim se põe ao abrigo da arbitrariedade e da vontade egoísta de comando. — A autoridade é transmitida ou por expressa incumbência de Deus (p. ex., a missão da Igreja fundada por Cristo) ou de maneira implícita, quer pelo fato de o homem se tornar membro natural de comunidades e, como tal, ficar sujeito ao poder diretivo que emana da essência das mesmas (família, Estado), quer porque se subordina por livre determinação (p. ex., pela entrada numa associação livre) a uma autoridade. — Tipo especial de autoridade é a autoridade educativa ou pedagógica, oriunda da relação paterno-filial, que se completa com a autoridade do Estado e da Igreja em matéria de educação. Cabe-lhe a missão de suprir, na medida do possível, a razão deficiente da criança e do adolescente, enquanto esta não basta a si mesma. É, portanto, essencialmente um complemento da razão ainda em estádio evolutivo, e que progressivamente vai diminuindo a necessidade de sua interferência. Seu objetivo formal é promover a autêntica maioridade. Para tanto, cumpre-lhe auxiliar a criança em sua evolução humana, levando-a a cumprir, de maneira organicamente progressiva, o conjunto de suas obrigações pessoais e sociais com o senso de responsabilidade perante Deus. VIDE sociedade, ética social. — SCHRÖTELER [Brugger]


Autoridade relativa e absoluta.

É possível descobrir graus na força com que a declaração da pessoa impulsiona a vontade a verificar o ato de fé. Ou dito de outro modo: o poder persuasivo da declaração é variável. De que depende? Principalmente de três fatores: da pessoa declarante, da própria declaração e da relação entre a declaração e a pessoa. A pessoa declarante, independentemente daquilo que concretamente declare, pode ter mais ou menos “autoridade”, ou seja dignidade de ser crida. Pode ser, por exemplo, de escassa inteligência, má observadora, esquecida, distraída, mentirosa etc… Existe toda uma série de propriedades e virtudes — ou vícios e defeitos — intelectuais e morais que calibram a autoridade da pessoa. Mas, ademais, a autoridade pessoal do declarante varia em relação com a coisa declarada. Uma pessoa que por si mesma tem pouca autoridade, porque é reconhecidamente esquecida ou mentirosa, terá sua autoridade muito aumentada se os objetos de sua declaração são coisas pertencentes a seu ofício ou especialidade científica ou profissional. Ao contrário, uma pessoa de muita autoridade própria que fizer uma declaração sobre coisas das quais não entende nada, terá notavelmente diminuída sua autoridade pessoal nesse caso concreto. Por último, o próprio conteúdo da declaração considerado isoladamente e sem relação com a pessoa declarante, pode contribuir para o aumento ou diminuição do crédito que concedermos à declaração, ou seja da autoridade que lhe prestarmos. Uma declaração precisa, minuciosa, de linhas bem definidas, porém dada por uma pessoa de pouca autoridade própria, adquire maior autoridade pela índole intrínseca da declaração, que outra declaração vaga, imprecisa e apagada, feita por um pessoa de muita autoridade própria. A declaração de um objeto inverossímil ou contraditório na sua essência não terá autoridade, embora a pessoa que a tenha feito goze pessoalmente de uma autoridade muito grande. Estas relações estruturais — fenomenológicas — entre a força persuasiva da declaração e suas circunstâncias pessoais intrínsecas constituem a base essencial da chamada crítica histórica. E também nos explicam a razão pela qual há tanta variedade e gradação na força com que verificamos os atos de . A cada momento estamos verificando atos de . Cada pergunta que fazemos prepara o ato de fé na resposta que vai sobrevir. Os jornais, os livros que lemos, os oradores que ouvimos, as notícias que recebemos são outras tantas declarações sobre as quais verificamos atos de . Sem os inumeráveis atos de que verificamos cada dia não poderíamos literalmente viver A vida no homem alimenta-se essencialmente de atos de . E então, perguntamos: por que a filosofia chamada moderna ataca tão denodadamente o ato de fé?

Precisamente nossa investigação vai-se encaminhando pouco a pouco para responder a esta pergunta. Continuando essa investigação devemos agora advertir que não concedemos o mesmo valor a todos os inumeráveis atos de que a cada instante realizamos. Umas vezes concedemos crédito completo a uma declaração; outras vezes aceitamo-la com dúvidas e reservas; outras vezes julgamo-la sumamente improvável e quase não acreditamos nela. Estas diferenças no crédito — ou — que concedemos às diferentes declarações dependem, como vimos, da autoridade pessoal do declarante, da autoridade do declarante em relação com o declarado e também do próprio conteúdo da declaração. Mas suponhamos que nos encontrássemos ante uma declaração feita por um declarante de autoridade absoluta. Que sucederia? Consideremos bem o que quer dizer que a autoridade do tal declarante seja absoluta. Absoluto é o contrário de relativo. Por conseguinte, autoridade absoluta será uma autoridade que: 1) Não se possa conceber outra maior. 2) Não possa mudar — aumentar, diminuir, alterar-se quantitativa ou qualitativamente — por nenhuma circunstância intrínseca à declaração ou extrínseca a ela. Se nos encontrássemos, pois, ante uma declaração feita por um declarante de autoridade absoluta, teríamos necessariamente que prestar-lhe o máximo possível de crédito e de . E embora o conteúdo mesmo da declaração fosse para nós superlativamente obscuro, incompreensível, inevidente, teríamos que prestar-lhe o mesmo grau máximo de crédito ou . Já que se a autoridade do declarante é “absoluta”, esta autoridade é invariavelmente a maior imaginável — infinita — e não se altera para mais ou para menos pelo fato de ser o conteúdo da declaração mais ou menos inteligível, verossímil etc. Haveria somente um caso em que poderia não acontecer isto: seria o caso em que o conteúdo da declaração fosse uma contradição pura e simples; como se essa autoridade absoluta declarasse que existem círculos quadrados. Porém este caso não pode darse, porque uma pessoa de autoridade “absoluta” não pode emitir uma declaração de conteúdo contraditório. Precisamente quando algum “homem” muito revestido de autoridade emite uma declaração de conteúdo inverossímil, muito estranho ou dificilmente compatível com nossa experiência científica, o que acontece é que essa declaração “diminui” a hipotética grande autoridade pessoal do declarante, até o ponto de nos inclinarmos às vezes a reduzi-la a zero e dizer — ou pensar — que o declarante “ficou louco”. Mas se o declarante — por definição — não pode ter ficado louco, sendo como é autoridade “absoluta”, então não podemos de jeito nenhum admitir que faça declarações contraditórias, ou que as declarações que fizer, por muito obscuras, incompreensíveis que sejam, não sejam verdadeiras. Ou dito de outra maneira: Deus é o declarante de autoridade absoluta. Portanto, primeiro: não pode declarar nada que seja em si contraditório; segundo: às declarações de sua autoridade absoluta só podemos assentir com crédito ou absolutos.

Com isso temos já uma base para classificação dos atos de : uma base pessoal. Podemos classificar os atos de segundo a espécie de autoridade de que goza a pessoa declarante. E teremos: aqueles atos de que realizamos em vista de declarações feitas pelo declarante de autoridade absoluta, Deus; e aqueles atos de que realizamos em vista de declarações feitas por declarantes de autoridade relativa, os homens. Atos de fé religiosa, atos de humana. Distinguem-se uns dos outros pela índole, absoluta ou relativa, da autoridade que impele nossa vontade a prestar o assentimento ao objeto inevidente. Para nosso propósito, neste estudo, não é interessante prosseguir a análise deste princípio de classificação dos atos de . Em compensação seria sem dúvida importante descobrir outro princípio de classificação desses mesmos atos de , que estivessem baseados não na autoridade do declarante, mas no próprio objeto da declaração. Tentemos descobri-lo. [Morente]