a) Aspecto de uma coisa como ela se oferece, p. ex. um homem de boa aparência).
b) Aparência externa, como oposta à verdadeira realidade. (Salvar as aparências).
c) Aparência que tem fundamento real, mas apenas parcial, que, por outro lado, opõe-se, simultaneamente, à realidade. (Uma pintura que parece relevo).
d) Aparência como sinônimo de fenômeno. Sentido semelhante à acepção c, mas com uso filosófico especial, particularmente definido por Kant como sendo a apresentação de um objeto, enquanto considerado diferente da «coisa em si» (Vide Fenômeno).
Nota: Etimologicamente. a palavra vem do latim «parere», chegar à presença, aparecer (e com o segundo sentido de obedecer), o que originariamente nenhuma oposição implica à realidade. Só depois da experiência universal de que as coisas, quando examinadas minuciosamente nas «aparências» sucessivas, provam-se diferentes «na realidade» do que pareciam à primeira vista, o termo adotou este sentido pejorativo, opondo-se à realidade e à verdade. [MSGA41IC]
É, de um modo geral, o aspecto que uma coisa oferece, diferente, e até em oposição, do seu ser verdadeiro. Mas o aspecto da coisa pode ser também a sua verdade e a evidência dela; o aparente revela assim a verdade da coisa, porque supõe que por detrás dessa aparência não há um ser verdadeiro que se serve dela para se ocultar; na maioria dos casos, o vocábulo “aparência” alude ao aspecto ocultador do ser verdadeiro; a aparência tem então um sentido análogo ao de fenômeno e pode apresentar, como este, três aspectos diferentes: o de verdade da coisa, enquanto esta se identifica com o aspecto que apresenta; o de ocultação dessa verdade, e o de caminho para chegar a ela. No primeiro caso, diz-se que a coisa não é senão o conjunto das suas aparências ou aspectos; no segundo, que é algo situado para além da aparência, a qual deve ser atravessada para alcançar a essência do ser; no terceiro, que só mediante a compreensão do aspecto ou aspectos que uma coisa oferece podemos saber o que verdadeiramente ela é. Daí que nem sempre seja possível confundir a aparência com uma falsa realidade; a sua significação mais geralmente aceite é a de realidade aparente, isto é, usando uma expressão paradoxal, a de aparência verdadeira, aspecto que encobre e simultaneamente permite descobrir a verdade de um ser. Em rigor, os diferentes graus e significações da aparência podem entender-se consoante o plano procurado: no plano vulgar, a aparência – sempre que seja, como se apontou, verdadeira – é suficiente; no plano d a reflexão e do saber, a aparência é antes aquilo que aponta a direção em que se encontra o ser verdadeiro e último da coisa, pois, como diz Husserl, “para uma fenomenologia da verdadeira realidade, é absolutamente indispensável a fenomenologia da fútil aparência” (Ideias); no plano metafísico, a aparência é o caminho que pode conduzir ao sentido do ser examinado, isto é, à descoberta do lugar especial deste ser dentro da totalidade. Kant discutiu muitas vezes a noção de aparência na Crítica da Razão Pura. “Aparência, escreveu ele, é o nome dado ao objeto não determinado de uma intuição empírica”. Pode distinguir-se entre a matéria e a forma da aparência; a primeira é aquilo que na aparência corresponde à sensação; a forma é aquilo que determina a diversidade das aparências, quando se dispõem numa ordem segundo certas relações. As aparências opõem-se às coisas em si. É certo que “as aparências não são apenas representações de coisas cujo ser em si é desconhecido”, o que parece indicar por um momento (embora seja esta a doutrina de Leibniz, que Kant rejeita) que as aparências são aparências de realidades transcendentes. Mas as aparências são, na verdade, unicamente aquilo a que se aplicam as formas a priori da sensibilidade, primeiro, e depois, mediante novas sínteses, os conceitos do entendimento. As aparências não são distintas das suas apreensões, pois, “se as aparências fossem coisas em si, e visto que podemos referir-nos unicamente às nossas representações, nunca poderíamos deixar estabelecido, à base da sucessão das representações, de que modo pode ligar-se no objeto a sua diversidade”. Os conceitos do entendimento são “(ilegitimamente) usados de modo transcendental (no sentido “clássico” de “transcendental”) nas coisas em geral e em si, mas são (legitimamente) aplicadas de modo empírico só às aparências, ou aos objetos da experiência possível. Quando são pensadas como objetos de acordo com a unidade das categorias, as aparências recebem o nome de “fenômenos”. Kant chamou à sua doutrina, segundo a qual as aparências são consideradas apenas como representações e não como coisas em si, idealismo transcendental, ao contrário do realismo transcendental e do idealismo empírico, que interpretam as aparências externas como coisas em si.
A teoria da aparência como uma forma de ser não é admitida por todos os filósofos. Para alguns, não tem sentido perguntar se uma realidade é verdadeira ou falsa, autêntica ou aparente, pois a realidade é o que é, e isso de tal modo que a verdade é precisamente a conformidade da realidade com a aparência, ou, por outras palavras, a maneira de a realidade se manifestar a si mesma. Os fenomenólogos negam também o conflito entre o ser e o parecer, pois para eles o ser revela-se nas apresentações das aparências, de modo que o fenômeno pode ser estudado como tal enquanto “absolutamente indicativo de si mesmo”. [Ferrater]
(gr. phainomenon; lat. apparentia; in. Appearance; fr. Apparence; al. Erscheinung; it. Apparenza).
Na história da filosofia, esse termo teve dois significados diametralmente opostos. 1) ocultação da realidade; 2) manifestação ou revelação da realidade. Conforme o (1) significado, a aparência vela ou obscurece a realidade das coisas, de tal modo que esta só pode ser conhecida quando se transpõe a aparência e se prescinde dela. Pelo (2) significado, a aparência é o que manifesta ou revela a realidade, de tal modo que esta encontra na aparência a sua verdade, a sua revelação. Com base no (1) significado, conhecer significa libertar-se das aparência; pelo (2) significado, conhecer significa confiar na aparência, deixá-la aparecer. No primeiro caso, a relação entre aparência e verdade é de contradição e oposição; no segundo, é de semelhança ou identidade. Essas duas concepções de aparência intricaram-se de várias formas na história da filosofia ocidental. De um lado, esta nasceu do esforço de atingir saber mais sólido transpondo os limites das aparência, isto é, das opiniões, dos sentidos, das crenças populares ou míticas. De outro, procurou, com igual constância, ter em conta a aparência (“salvar os fenômenos”), reconhecendo assim que nela se manifesta, em alguma medida, a própria realidade.
O contraste entre aparência e realidade foi estabelecido pela primeira vez, de modo nítido e incisivo, por Parmênides de Eleia, que contrapôs “a via da verdade e da persuasão”, que tem por objeto o ser, a sua unidade, inevitabilidade e necessidade, à “via da opinião”, que tem por objeto o não-ser, isto é, o mundo sensível no seu devir. Mas o mundo da opinião e o mundo da aparência coincidem, segundo Parmênides: “Também isto aprenderás: como, verossimilmente, são as coisas aparentes para quem as examine em tudo e por tudo” (Fr. 1, 31, Diels). A mesma coincidência entre aparência e opinião, opinião e sensação, é pressuposta por Platão, que interpreta o princípio expresso por Protágoras, da homo-mensura, como se significasse “tal como as coisas aparecem para mim, tais são para mim” e, portanto, como se identificasse conhecimento e sensação (Teet., 152 a). Por outro lado, o mundo da opinião é, segundo a República, o mundo sensível dividido nos seus dois segmentos de sombras e imagens refletidas e de coisas e seres vivos (Rep., VI, 510). Segundo Platão, desse mundo das aparência sensíveis só se pode ter conhecimento verossímil ou provável, dada a sua natureza incerta e fugaz: conhecimento que não difere em grau, mas em qualidade, do conhecimento científico ou racional que tem por objeto o ser (Tim., 29). O mesmo Platão, porém, afirmando que o objeto da opinião está para o objeto do conhecimento como a imagem está para o modelo (Rep., VI, 510 a), admitiu uma relação de semelhança ou de correspondência entre aparência e realidade. Mas o passo decisivo foi dado por Aristóteles, que reconheceu a neutralidade da aparência sensível; esta, tanto como sensação quanto como imagem, pode ser tão verdadeira quanto falsa. Certamente erram os que consideram verdade tudo o que aparece, pois deveriam admitir também a realidade dos sonhos; e, quanto ao futuro, não poderiam estabelecer nenhuma diferença entre a opinião do perito (p. ex., do médico que faz um prognóstico) e a opinião do ignorante (Met., IV, 5,1.010 b 1 ss.). A aparência não contém, portanto, nenhuma garantia de verdade e só o juízo intelectual a respeito dela pode certificá-la ou refutá-la. Mas, por outro lado, ela é o ponto de partida da própria pesquisa científica que, como demonstra o que os matemáticos fazem em relação às aparência astronômicas, deve partir das aparência físicas e, portanto, da observação das coisas vivas e das suas partes para passar depois à consideração das razões e das causas (Depart. an., I, 1, 639 b 7). Em outros termos, a aparência é o ponto de partida para a busca da verdade, que, porém, só é reconhecida em sua necessidade mediante o Uso dos princípios do intelecto.
No último período da filosofia grega, a noção de aparência torna-se proeminente. De um lado, os céticos fazem da aparência o critério da verdade e da conduta, julgando impossível passar além dela e julgar sobre ela (Sexto Empírico, Pirr. hyp., I, 21-24; II, 18-21). Do outro lado, os neoplatônicos são levados a considerar todo o mundo sensível como aparência, isto é, manifestação do mundo inteligível, e este último como aparência ou imagem de Deus: pensamento que será herdado por Scotus Erigena: “Tudo o que se entende e se sente nada mais é do que a aparição do aparente, a manifestação do oculto” (De divis. nat., III, 4). Desse ponto de vista, “o mundo é uma teofania, toda obra da criação manifesta a essência de Deus, que, portanto, se torna aparente e visível nela e por ela” (ibid., I, 10; V, 23).
Acompanhando essas duas vias encontra-se o que se poderia chamar de revalorização da aparência no mundo moderno. Seguindo a primeira, está o que se poderia chamar de revalorização empirista. Já na Escolástica do séc. XIV, Pedro Aureolo, partindo da negação de qualquer realidade universal e no intuito de eliminar a species como intermediária do conhecimento intelectual, afirmava que “as próprias coisas são vistas pela mente e o que se vê não é uma forma especular qualquer, mas a própria coisa no seu ser-que-aparece (esse apparens) e este ser aparente é o que chamamos do conceito ou representação objetiva” (In Sent., I, d. 9, a. l). A distinção entre o sentido e o intelecto não depende, portanto, da natureza do objeto apreendido, mas do modo de apreender. Ao sentido e à imaginação as coisas aparecem sob as condições da quantidade, ao passo que o intelecto abstrai do que é quantitativo e material (ibid., I, d. 35, a. 1). Mas é só no mundo moderno, a partir do séc. XVII, que a filosofia reconhece explicitamente o caráter real da aparência Hobbes talvez seja o primeiro a reconhecer isso de maneira bem clara. “De todos os fenômenos que nos circundam”, diz ele, “o mais maravilhoso é justamente o aparecer. É certo que entre os corpos naturais alguns possuem em si os exemplares de todas as coisas e outros, de nenhuma. Consequentemente, se os fenômenos são os princípios para conhecer as outras coisas, é preciso dizer que a sensação é o princípio para conhecer os próprios princípios e que dela deriva toda a ciência. Para indagar as causas da sensação não se pode, portanto, partir de outro fenômeno que não seja a própria sensação” (De corp., 25, § 1). Assim, Hobbes identifica aparência real com sensação e assume-a como ponto de partida para a indagação das coisas não criadas pelo homem (assim como as definições são o ponto de partida para a indagação das coisas criadas pelo homem, isto é, dos entes matemáticos e políticos). Com essas palavras, Hobbes formulava o fundamento do empirismo moderno. Ao mesmo tempo em que ressaltava o caráter relativo e subjetivo das aparência sensíveis, assumiu-as como único fundamento do conhecimento humano. Locke observa que, se os nossos sentidos fossem modificados e se tornassem mais rápidos e agudos, a aparência das coisas mudaria completamente; mas então ela se tornaria incompatível com o nosso ser ou pelo menos com as necessidades da nossa vida (Ensaio, II, 23, 12). “aparência sensíveis” são as ideias de que fala Berkeley (Principies, 33) e as impressões de que fala Hume (Treatise, II, 5). “Fenômenos ou aparições” são, segundo Leibniz, todos os dados de que dispõe o sujeito pensante; a distinção entre aparência reais e aparência ilusórias só é feita considerando-se, de um lado, a vivacidade, a multiplicidade e a coerência das próprias aparência, e, de outro, a possibilidade de predizer os fenômenos futuros a partir dos fenômenos passados e presentes (Op., ed. Erdmann, pp. 443-444).
Com isso, a aparência perdeu o caráter enganoso e abre-se o caminho da distinção kantiana entre a aparência (Erscheinung) e a ilusão (Schein). As aparência são os fenômenos como objetos da intuição sensível e, em geral, da experiência; os fenômenos são realidade, aliás as únicas realidades que o homem pode conhecer e de que pode falar. “Eu não digo”, afirma Kant, “que os corpos parecem simplesmente seres externos ou que minha alma parece simplesmente dada na minha autoconsciência, quando afirmo que as qualidades do espaço e do tempo — segundo as quais, como condição da sua existência, coloco aqueles e esta — estão no meu modo de intuir e não nesses objetos. Seria um erro meu se transformasse em mera ilusão (Schein) aquilo que devo considerar como fenômeno” (Crít. R. Pura, Estética transcendental, Observações ger., 3). A afirmação: “Os sentidos representam para nós os objetos como aparecem, o intelecto como são” é interpretada por Kant no sentido de que o intelecto representa os objetos na conexão universal dos fenômenos (o que não significa que eles sejam independentes da relação com a experiência possível e, portanto, das “aparência sensíveis”) (ibid., Anal. dos princ., cap. III). Por isso, a aparência fenomênica tem esse nome para ressaltar as suas conexões com as condições subjetivas do conhecer e para distingui-la do hipotético conhecimento numênico, de tal forma que se possa estabelecer com clareza os seus limites (v. fenômeno).
Por outro lado, a própria negação do caráter ilusório da aparência foi utilizada, na filosofia moderna, para reafirmar o caráter absoluto do conhecimento humano. Assim, Hegel vê na aparência fenomênica a própria essência. aparência e essência não se opõem, mas se identificam: a aparência é a essência que existe na sua imediação. “Aparecer”, diz ele, “é a determinação por meio da qual a essência não é ser, mas essência; e o aparecer desenvolvido é o fenômeno. A essência não está, portanto, atrás ou além do fenômeno; mas, justamente porque a essência é o que existe, a existência é o fenômeno” (Enc., § 131). É verdade que, como determinação “imediata”, a aparência está destinada, segundo Hegel, a ser absorvida ou superada por outras determinações, refletidas ou mediatas, no desenvolvimento dialético da Ideia absoluta; mas também é verdade que toda a doutrina de Hegel é sustentada pelo pensamento de que não há realidade tão recôndita que, de algum modo, deixe de manifestar-se e aparecer. Na filosofia contemporânea, esse ponto de vista teve a melhor expressão na obra de Heidegger. “Como significado da expressão ‘fenômeno’ deve-se estabelecer o seguinte: o que se manifesta em sisi mesmo, o revelado… Definimos esse manifestar-se como aparecer (Scheinen). Também em grego a expressão phainomenon tem esse significado: o que tem o aspecto de aparente, aparência … Só porque alguma coisa, em virtude do seu sentido, pretende em geral manifestar-se, isto é, ser fenômeno, é possível que ela se manifeste como algo que não é, que tenha o aspecto de… Reservamos para o termo ‘fenômeno’ o significado positivo e original de ‘phainomenon’ e distinguimos fenômeno da aparência, considerando esta última como uma modificação particular de fenômeno” (Sein und Zeit, § 7 A). Isto, porém, não quer dizer que a filosofia contemporânea tenha identificado ser com aparência Antes, propôs de outra forma o problema de sua relação, passando a considerar essa relação de modo objetivo ou ontológico, isto é, sem referência a qualquer subjetivação idealista. Não é por acaso que a última obra importante em que se debateu de forma tradicional o problema da relação entre aparência e realidade pertence a um idealista: F. H. Bradley (Aparência e realidade, 1893). Sobretudo por influência da colocação fenomenológica (v. fenomenologia), a consideração da relação entre aparecer e ser deixou completamente de ser feita, tanto no que se refere ao dualismo entre esses dois termos quanto no que se refere aos outros dualismos com que em geral era interpretada, como entre sensação e pensamento, entre subjetividade e objetividade, etc. A relação toda é feita no plano objetivo das experiências diferentes ou dos graus diferentes de experiências. Um filósofo que baseie suas construções num grupo de experiências ou em dado tipo de realidade, privilegiando-o e considerando-o fundamental, é levado a julgar menos reais ou significantes, e de certo modo simplesmente “aparentes”, as outras formas de experiência ou os outros tipos de realidade. P. ex., quem privilegia a experiência interior ou consciência é levado a considerar menos significante ou, de certo modo, só “aparente” a experiência externa ou sensível, e vice-versa. Mas em todo caso, mesmo o que se declara aparente é admitido como aparência de alguma coisa e, por isso, dotada, já como aparência, de um grau ou medida de realidade. De modo que a relação entre realidade e aparência vem a configurar-se como relação entre realidade e imagem, ou realidade e símbolo e, em todo caso, entre dois graus ou determinações objetivas. [Abbagnano]