Filosofia – Pensadores e Obras

Afrodite

Acredita-se que Afrodite ou Vênus, a mais bela das Deusas, era primitivamente venerada como uma Deusa da luz, considerada não somente na magnificência variada de suas manifestações no Céu, mas também em sua ação fecunda na superfície da Terra. Não é então na serenidade da luz que as rosas parecem desabrochar, e que a seiva renova, na primavera, a basta cabeleira das florestas? Com o tempo, a Deusa que surgia na estação que é para o ano o que a aurora é para o dia, tornou-se a rainha da beleza do mundo, a eterna soberana por quem tudo quanto respira chega à existência. Ora, se tudo que é belo inspira o amor, a Deusa, que criava e propagava a beleza em tudo quanto tem vida, devia também naturalmente tornar-se a Divindade da sedução, que nos leva a amar tudo o que nos parece belo.

Deusa de suave sorriso, Afrodite nasceu da espuma das vagas. Branca e pura como a alva num mar prateado, dizem que ela apareceu, pela primeira vez, nas costas brilhantes de Chipre. O sopro úmido de Zéfiro havia impelido, durante muito tempo, sobre as ondas murmurantes, a concha nacarada que continha a Divina. Quando aquela chegou à praia, suas duas valvas abriram-se e Afrodite saltou desse berço marinho. A medida que caminhava pela areia, as flores brotavam-lhe sob os pés delicados. As Horas, com pequenas tiras de ouro circundando a testa, acolheram-na, enxugaram-lhe o corpo gotejante de água salgada, torceram-lhe a loura cabeleira e ataviaram-na com vestimentas perfumadas. Sobre sua cabeça colocaram uma coroa de ouro, fixaram-lhe às orelhas pendentes de flores em metal precioso e enlaçaram ao redor de seu pescoço e no argênteo colo, colares resplendentes. Terminado o ataviamento, as Horas bondosas fizeram avançar um carro puxado por duas pombas. Afrodite nele subiu e abalou para junto dos Imortais. Diante do espetáculo de sua radiante beleza, a assembleia dos Deuses pôs-se toda em pé. Todos saudaram-na como uma nova rainha, fazendo-a sentar-se num alto trono. Desde então Afrodite reina sobre os Felizes do Olimpo. A graça luminosa que brilhava em seus olhos, o encanto impressionante de seu divino sorriso, a harmonia dos gestos, a nobreza real do andar augusto e dos suntuosos adornos tornaram-na, para todos os Imortais, um espetáculo- duradouro de enlevo e alegria. [Meunier]


Em torno de Afrodite se concentravam mitos vários, sem muita coerência entre si, o que se deve à tentativa de conciliar uma deusa oriental da fertilização com uma deusa grega do amor. […] Afrodite é a forma grega da deusa semítica da fecundidade e das águas fecundantes, Astarté.
[…] Com o epíteto de Anadiômene, a saber, “a que surge” das ondas do mar, de um famoso quadro do grande pintor grego Apeles (século IV a.C), tão logo nasceu, a deusa foi levada pelas ondas ou pelo vento Zéfiro para Citera e, em seguida, para Chipre, daí seus dois outros epítetos de Citeréia e Cípris. Essa origem dupla da deusa do amor não é estranha à diferenciação que se estabeleceu entre Afrodite Urânia e Pandêmia, significando esta última, etimologicamente, a venerada “por todo o povo”, Pándêmos, e, posteriormente, com discriminação filosófica e moral, “a popular, a vulgar”. Platão, no Banquete, 180sq, estabelece uma distinção rígida entre a Pandêmia, a inspiradora dos amores comuns, vulgares, carnais, e a Urânia, a deusa que não tem mãe, ametor, e que, sendo Urânia, é, ipso facto, a Celeste, a inspiradora de um amor etéreo, superior, imaterial, através do qual se atinge o amor supremo, como Diotima revelou a Sócrates. Este “amor urânico”, desligando-se da beleza do corpo, eleva-se até a beleza da alma, para atingir a Beleza em si, que é partícipe do eterno. [BRANDÃO, Junito de Souza. Dicionário mítico-etimológico da mitologia grega (A-I). Petrópolis, RJ: Vozes, 1991]