Lavelle (1934/2008) – O Eu reconhece a Presença do Ser

Há uma experiência inicial que é implicada em todas as outras e que dá a cada uma delas a sua gravidade e a sua profundidade: é a experiência da presença do ser. Reconhecer esta presença, é reconhecer ao mesmo tempo a participação do eu no ser.

Ninguém pode, sem dúvida, consentir nesta experiência elementar, tomando-a na sua simplicidade mais despojada, sem sentir uma espécie de estremecimento. Cada qual reconhecerá que é primitiva, ou antes que é constante, que é a matéria de todos os nossos pensamentos e a origem de todas as nossas acções, que todas as iniciativas do indivíduo a supõem e a desenvolvem. — Mas, feita esta constatação, rapidamente é esquecida: de ora em diante basta que permaneça implícita; e deixamo-nos atrair seguidamente pelos fins limitados a curiosidade e o desejo nos propõem. Assim, a nossa consciência dispersa-se; perde a pouco e pouco a sua força e a sua luz; é assaltada por demasiados reflexos; não consegue agrupá-los porque se distanciou do foco que os produz.

O que é próprio do pensamento filosófico é vincular-se a esta experiência essencial, afinar-lhe a acuidade, retê-la quando está prestes a escapar-se, retomar a ela quando tudo se obscurece e são necessários um marco e uma pedra de toque; é analisar o seu conteúdo e mostrar que todas as nossas operações dependem dela, encontram nela a sua fonte, a sua razão de ser e o princípio da sua potência.

Mas é difícil isolá-la de modo a considerá-la na sua pureza: é necessário para tal uma certa inocência, um espírito liberto de todo [18] o interesse e mesmo de toda a preocupação particular. Saber que existe, não é ainda realizar-lhe a plenitude concreta, não é actualizá-la e possuí-la.

A maior parte dos homens é arrastada e absorvida pelos acontecimentos. Não tem o vagar bastante para aprofundar esta ligação imediata do ser e do eu que funda cada um dos nossos actos e que lhes dá o seu valor: não a sentem, antes pressentem a sua presença; nunca é para eles objecto de um olhar directo, nem de uma consciência clara; e se por vezes o seu pensamento acaba por a aflorar, mais não é do que um contacto passageiro e do qual a lembrança depressa se apaga.

Mas aquele que, pelo contrário, já apreendeu, num puro recolhimento e como o acto mesmo da vida, a solidariedade do ser e do eu, já não pode destacar dela o seu pensamento: a recordação deste contacto renova-lhe a presença, que não cessa jamais de fazer vibrar o seu espírito e de o iluminar. Que não se diga que esta experiência é evidente e deve ser feita, mas que é estéril se não for superada imediatamente: contém em si tudo o que podemos conhecer. Desde que é dado, a nossa vida reencontra a sua seriedade essencial, reatando os seus laços com o coração do real, o nosso pensamento, em vez de, como se crê, se empobrecer e se esvaziar, adquire a certeza e a eficácia, descobrindo, em cada um dos seus passos, a identidade do ser que possui e do ser ao qual se aplica.

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