A filosofia da existência é, em sua essência, metafísica. Onde brota, cresce.
A existência, que está na origem da verdadeira vontade de conhecer, é ela mesma incognoscível. Por conseguinte, o pensamento filosófico, quando voltado para si, deve sofrer necessariamente uma cisão original, a fim de atingir indiretamente o que não pode alcançar como alvo direto. A busca filosófica inspirada pela existência possível apropria-se de tudo o que se pode pensar e saber a fim de aí suscitar a existência, e a transcendência onde esta poderia ser anulada. O pensamento de que se serve é um projetor que não reflete apenas os objetos sobre os quais incide a luz, mas igualmente essa mesma luz que, refletida, anuncia a possibilidade da existência.
Todavia as direções em que se reparte o esforço deste esclarecimento, não são arbitrárias. Para descobrir o ser na sua autenticidade, a partir do abismo sem fundo, a reflexão há de articular-se, servir-se de caminhos diversos, para logo em seguida voltar à unidade.
Para captar estas articulações da busca filosófica em sua origem, partiremos novamente do ponto que havíamos atingido, quando, de entre a multiplicidade, três nomes do ser se impuseram. Estes nomes não o designam como diviso e fracionado, mas como o Todo, o Original, o Uno: o Todo do real é o mundo; o Original em nós é a existência; o Uno é a Transcendência.
O mundo é a realidade empírica que encontro como ser cada vez individualizado sob a forma de objetos, tal como eu sou igualmente realidade enquanto empiricamente determinado. O conhecimento do mundo é objetivo, sendo que a coisa, como objeto, se encontra sob o nosso olhar, enquanto o todo do mundo não é nem objeto nem totalidade determinada. Do ser que é, em sisi mesmo, não-objetivo só me posso certificar esclarecendo-o por meio de uma objetivação inadequada. Este ser não objetivo é a existência enquanto esta se me faz originalmente presente, porque eu mesmo o sou; e se chama transcendência enquanto ele é o ser sob a forma objetiva de uma cifra que só a existência pode perceber como tal.
Que todo o dado empírico se torne fenômeno pela intervenção do conceito-limite do ser em si, que a existência não possa ter-se por ser absoluto, que ela, ao contrário, se reconheça referida à transcendência, é o caminho aberto àquilo que em nós se dispõe a ir á busca do ser. Esta busca terá desde logo três propósitos que, por indeterminados que sejam, se geram mutuamente: penetrar no mundo para nele se orientar; ultrapassá-lo para se referir a si mesma como existência possível; abrir-se à transcendência. Encaminhando-se pelo mundo, vai captando o que é cognoscível, para se distanciar em seguida e ser orientação no mundo; subtraindo-se à única realidade “do mundo”, faz nascer aquela atividade pela qual o eu se atua e ela se torna esclarecimento da existência; ela conjura o ser e converte-se em metafísica.
(Philosophie, I, págs. 27-28)