A atividade física, em Aristóteles, tem de característico que sai de algum modo do agente e passa à coisa exterior para a transformar. Dá-se o mesmo no caso do conhecimento? Já sabemos que não. À medida que um ser se eleva na escala dos viventes, caminha no sentido de uma interioridade crescente: cada vez menos o sujeito considerado recorre aos outros e com eles se relaciona. Da ordem da atividade transitiva passa à ordem da atividade imanente da qual o conhecimento intelectual representa justamente o tipo mais perfeito.
Conclui-se que, na intelecção, não é a coisa exterior que se encontra modificada, mas o próprio sujeito cognoscente. Tomás de Aquino, em diversas circunstâncias, precisa que esta modificação pode ser comparada àquela em que uma essência recebe a existência, o “esse”.
“A intelecção não é uma ação que progride para o exterior, mas que permanece no agente, como seu ato e sua perfeição, do mesmo modo como a existência é a perfeição do existente. Com efeito, assim como a existência segue a forma, assim também a intelecção segue a “species” inteligível” . . . Intelligere non est actio progrediens ad aliquid extrinsecum, sed manet in operante, sicut actus et perfectio ejus, prout esse est perfectio existentes. Sicut enim esse consequitur formam, ita intelligere sequitur speciem intelligibilem” Ia Pa. q. 14 a. 4 Cf. ainda, q. 34, a. 1; ad 2. João de Tomás de Aquino, De Anima, q. 11, a. 1; dico ultimo.
Assim, pois, como o “esse”, na ordem do ser, representa a perfeição última de uma coisa, semelhantemente a intelecção, o “intelligere”, na ordem do conhecimento, ou mais geralmente da atividade. Perfeição, no último caso, imanente, isto é, ordenada ao bem do sujeito e que não é produtora de nenhum efeito; atingimos aqui um termo último.
Considerando a afirmação precedente, João de Tomás de Aquino, que gosta de classificações, recoloca a presente atividade na categoria da qualidade. Aparentemente a intelecção se apresenta como uma modalidade do gênero ação; mas uma ação exige uma paixão correspondente em um sujeito que ela transforma, o que aqui não se dá. Ainda mais, como acabamos de dizer, a intelecção não aparece, como a ação, orientada para algo de distinto. A intelecção não pode, pois, pertencer ao predicamento da ação e, sendo disposição do próprio sujeito, resta que deva ser assimilada ao predicamento qualidade.
O principal interesse desta determinação é marcar bem a diferença que separa a atividade cognoscitiva, tipo perfeito da ação imanente, da atividade física ou transitiva. Agir, para um espírito, é uma coisa e, para uma realidade material, outra. Muitas dificuldades no estudo do conhecimento provêm do esquecimento desta verdade elementar.
A realidade, todavia, é mais complexa do que acabamos de dizer. A intelecção, em Tomás de Aquino, aparece igualmente como produtora de um termo ou de um quase-termo, interior por certo, mas realmente distinto dela: o “verbum mentis”, ou a “conceptio intellecta”. Ao mesmo tempo que contemplo o objeto, e para estar em condições de o contemplar, formo em minha inteligência uma imagem deste objeto que mo torna presente. Em outras palavras, para uma inteligência, pensar é contemplar, mas é também conceber.
Qual é pois este termo concebido pela inteligência? A atividade de concepção que acabamos de discernir deve ser distinta realmente da apreensão exercida pela inteligência ou da intelecção? Que relações há exatamente entre estes dois aspectos do ato de conhecer? Tais são os problemas que presentemente se colocam. [Gardeil]