Força da Tragédia Grega

O efeito poderoso e imediato que a tragédia exercia sobre o espírito e os sentimentos dos ouvintes revela-se nestes ao mesmo tempo como irradiação da íntima força dramática que impregna e anima o todo. A concentração de um destino humano inteiro no breve e impressionante curso dos acontecimentos, que no drama se desenrolam ante os olhos e os ouvidos dos espectadores, representa, em relação à epopeia, um aumento enorme do efeito instantâneo produzido na experiência vital das pessoas que ouvem. Desde a origem, a culminação do acontecimento num instante crítico do destino teve o seu fundamento na viva experiência do êxtase dionisíaco. Não é assim na epopeia, onde o cantor narra o sucesso pelo interesse que em sisi mesmo ele desperta, sem nunca atingir a compreensão total do trágico: mostram-no a Ilíada e a Odisseia. Como diz o seu nome, a tragédia nasceu das festas dionisíacas dos coros de bodes. Bastou para tanto que um poeta visse a fecundidade artística do entusiasmo ditirâmbico (tal qual o vemos na concentração do mito da antiga lírica coral siciliana) e fosse capaz de traduzi-la numa representação cênica e de transferir os seus próprios sentimentos para o eu estranho do ator. Assim, o coro, de narrador lírico, converteu-se em ator e, portanto, em sujeito dos sentimentos que até então apenas havia partilhado e acompanhado com as suas emoções. Era, pois, estranha à essência desta forma mais antiga da tragédia qualquer representação pormenorizada e mínima das ações comuns da vida. O coro era totalmente impróprio para isso. Podia só aspirar a ser o instrumento mais perfeito possível da emoção lírica, que introduz no palco e exprime por meio do canto e da dança. Só pela introdução de múltiplas e bruscas mudanças no destino, conseguidas por uma ampla e variada gama de contrastes na expressão lírica do coro, podia o poeta servir-se das limitadas possibilidades desta forma de expressão. Vemo-lo na mais antiga peça de Esquilo, As Suplicantes, onde o coro das Danaides é ainda o único ator verdadeiro. Vê-se nela a razão da necessidade de acrescentar ao coro um locutor. A sua função consistia em revelar, pelas suas informações e pela sua conduta, e ocasionalmente pelos seus esclarecimentos ou ação, as mudanças de situação que motivavam os movimentos de subida e descida da emoção dramática do coro. O coro experimentava, assim, as oscilações profundamente emotivas da alegria para a dor e da dor para a alegria. A dança era a expressão do seu júbilo, das suas esperanças e da sua gratidão. A dor e a dúvida brotam da prece, da qual a reflexão individual da antiga lírica já se servia para exprimir as emoções mais íntimas.

Já nesta tragédia mais antiga, que não era ação, mas pura paixão, a força da sympatheia, que suscitava a participação sentimental dos ouvintes por meio dos lamentos do coro, serviu para dirigir a atenção para o destino que, enviado pelos deuses, produzia aqueles abalos na vida dos homens. Sem este problema da tyche ou da moira, que a lírica dos Jônios fizera chegar à consciência daquele tempo, jamais se teria gerado uma tragédia autêntica a partir dos antiquíssimos “ditirambos de conteúdo mítico”. Descobriram-se recentemente alguns exemplares destes ditirambos puramente líricos, que nada mais fazem senão elaborar sob a forma de pura emoção espiritual alguns momentos dramáticos das sagas. Deles até Esquilo, vai um passo gigantesco. Naturalmente que é essencial ao desenvolvimento da tragédia a importância que o locutor vai ganhando. Devido a isto, o coro vai deixando de ser um fim em si, o locutor partilha com ele a ação e acaba por ser ele quem principalmente a realiza e mantém. Mas este aperfeiçoamento da técnica era apenas o meio para que a ação, que se referia em primeiro lugar ao sofrimento humano, se convertesse na mais plena e perfeita expressão da mais alta ideia da força divina.

Só pela introdução desta ideia, a nova representação se torna verdadeiramente “trágica”. Seria inútil tentar encontrar para ela uma definição exata e universalmente válida. Pelo menos os poetas mais antigos não nos apresentam nada que nos permita formulá-la. O conceito do trágico só aparece depois da fixação da tragédia como um gênero. Se nos interrogássemos sobre o que é o trágico na tragédia, descobriríamos que em cada um dos grandes trágicos teríamos de dar uma resposta diferente. Uma definição geral apenas serviria para gerar confusões. Só através da história espiritual do gênero se pode responder a esta pergunta. A representação clara e vívida do sofrimento nos êxtases do coro, expressos por meio do canto e da dança, e que pela introdução de vários locutores se convertia na representação integral de um destino humano, encarnava do modo mais vivo o problema religioso há muito tempo candente, do mistério da dor enviada pelos deuses à vida dos homens. A participação sentimental no desencadeamento do destino, que já Sólon comparava a uma tormenta, exigia a mais alta força espiritual para lhe resistir e despertar, contra o medo e a compaixão, seus efeitos psicológicos imediatos, a no sentido último da existência. O efeito religioso específico da vivência do destino humano, que Esquilo desperta nos espectadores com a representação das suas tragédias, é o que a sua arte tem de especificamente trágico. Se quisermos compreender o autêntico sentido da tragédia esquiliana, será forçoso que deixemos de lado os modernos conceitos sobre a essência do dramático e do trágico e a encaremos apenas por aquele prisma.

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