Festugière — Hermetismo e Mística Pagã — Quadro da Mística Helenística
ORIGINAL: Ínicio do ensaio; texto atual
Aspecto formal das místicas da salvação
1. Se o mundo, regido por Heimarmene, é mau, tudo aquilo que, no homem, é do mundo, é mau, pelo menos manchado de mal. Ora a parte cósmica do homem não é somente o corpo, hílico por definição, mas também sua alma ligada ao corpo, e nesta alma, a razão raciocinante, a qual é bem capaz de conhecer aquilo que está no interior do mundo, mas não se elevar, acima do mundo, até a apreensão do verdadeiro Deus hipercósmico. O pessimismo a respeito do mundo conduz assim a um pessimismo, mais ou menos radical, a respeito da razão humana. O homem não pode portanto se salvar apenas pelas forças da razão: lhe é necessário uma ajuda estrangeira, uma graça divina.
a. Esta graça divina manifesta-se em primeiro lugar na ordem do conhecimento. Uma vez que a razão humana é incapaz de alcançar Deus, Deus só será conhecido se revelar-se. O conhecimento de Deus sai portanto aqui do plano lógico ou intelectual e de uma mística que, indo além deste plano, o prolonga sobre uma mesma linha, para entrar no domínio da gnose (essencialmente gnosis neou), que é un conhecimento de fé: crê-se na revelação ou recusa-se de nela crer.
b. A graça divina manifesta-se em segundo lugar na ordem da ação. Aqueles que creram nele, Deus os protege durante suas vidas, em lhes concedendo um daimon paredros, em lhes ajudando a bem agir.
c. Ela se manifesta em fim, e é seu benefício maior, na ordem dos fins últimos. Uma vez morto, o crente fiel remonta em direção a Deus Salvador, atravessa todo o espaço do mundo abaixo e acima da lua para atingir, na região hipercósmica, o Deus escondido.
2. Assim se constitui um povo de eleitos, de convocados. Eles receberam a verdade, nela creram, e desde então se distinguem absolutamente da massa. Mas o dom que lhes foi feito impõe-lhes em retorno deveres. A revelação é um segredo (musterion) que eles não devem divulgar (publicare, diaballein[[Toda divulgação é uma falsa representação, e portanto uma espécie de diabole.]]) ou só podem transmitir aos dignos.
3. Nas místicas consideradas mais adiante, mística do Ser, contemplação dos astros, união à Razão imanente ao cosmos, é um movimento de conhecimento que leva à adoração: colit qui nouit. As vias da negação, do êxtase (plotiniano) ou da analogia são todas, segundo seus próprios modos, métodos teoréticos de união a deus. Nas místicas da salvação, este processo é revertido. Como estes místicos se fundam sobre um sentimento pessimista das possibilidades do intelecto humano, não é possível o conhecimento intelectual conduzir à união divina, a gnosis neou deriva ao contrário da experiência religiosa que toma frequentemente a forma de uma visão. Deixou-se o plano da sabedoria filosófica. Conhecer Deus é doravante affaire de iniciação, de teurgia ou de magia: nouit qui colit.
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