Fernandes (SH:286-288) – Axiologia

A antiga noção de axios (valioso) foi chamada, no início do século passado, a compor, com a antiga noção de logos, a palavra “axiologia”, para designar, a exemplo da composição de logos com episteme (epistemologia), o estudo filosófico dos valores em geral, em substituição à Werttheorie, até então usada para valores econômicos. A essa altura, seria excusado dizer que teria sido melhor havermos ficado só com a noção “econômica”, utilitária, de valor. Esses valores correspondem a algo que tem um nome, “bem”, e um uso corrente, no sentido de “utilidades” ou “bens”. Já em Filosofia, o Instrumento hipostasia os valores, sui generis, mas na verdade como se fossem “não-entes”, já que correspondem àquilo que, não sendo, deveria ser. E, por cúmulo, como aconteceu com Platão, ainda pretende relacioná-los ao Ser. Mas apesar da reificação, a noção d’”aquilo” que não é, mas que supostamente seria preferível ou estimável que fosse, permanece, fora do Ser, sendo reidentificada indefinidamente pela Mente, o Pensamento e a Linguagem. Os “valores” — hélas! — crescem e se multiplicam. Mas, nessas extrapolações filosóficas da economia, os valores acabam sendo um gênero de “não-entes” muito difícil de definir, embora se deixem comumente ser classificados em espécies: o verdadeiro e o falso, os valores lógicos; o bom e o mau, os éticos: o belo e o feio, os estéticos; o sagrado e o profano, os religiosos, etc.

A curta história da “Axiologia” como área filosófica de estudos, sobretudo de valores morais ou éticos, é, a meu ver, lastimável. Passa por formas de fenomenologia, por exemplo, de Brentano (e Chisholm) a Meinong (e Findlay), de Max Scheler a Nozick. Passa por formas subjetivistas de pragmatismo (Dewey, Lewis). Mais recente e acintosamente, passa por formas de dúbia “ontologia”, segundo as quais compromissos com valores “reais” serão inevitáveis, se as ideias de “autonomia” e “liberdade” tiverem algum sentido. (O exemplo paradigmático é The Sources of Self, de Charles Taylor, e não é à toa que o livro trata das fontes do… “Eu”!) Dispenso-me de imiscuir-me nesse imenso e intrincadíssimo labirinto filosófico e abordo, como é do meu estilo (“estilo” nada mais é do que repetição inconsciente), as questões que julgo estarem na raiz dessas controvérsias. Prefiro fazer da “axiologia” um mero adjetivo e incluir o adjetivo “axiológico(a)” na célebre lista filosófica das falácias oficiais. E uma lista considerável a dessas falácias, não sei se o leitor se dá conta: inclui a falácia da afirmação do consequente; a da negação do antecedente; a categorial (na língua do Império, category mistake); a genética, abusivamente cometida em epistemologia; a ad hominem, que faz tabula rasa da ideia de “testemunho”; as “idealistas” em geral, a inferência de um “é” a partir de um “deve” (inferência de descrições a partir de prescrições), etc.; mas, sobretudo, inclui a naturalista, associada ao filósofo inglês G. E. Moore. Foi inspirado pelo termo consagrado, “falácia naturalista”, que resolvi intitular esta Seção “A Falácia Axiológica”, na esperança -provavelmente vã! — de cortar um mal pela raiz, numa pequena propedêutica, antes de defender, na próxima Seção, a tese de que a “Ética”, como área de investigações filosóficas, definitivamente não tem chances de ir para o Céu. A “Falácia naturalista”, personagem conceptual da Ética acadêmica, é análoga a algum tipo de “reducionismo” do tipo “x é nada mais que y” ou, num sentido mais sutil, análoga à falácia de inferir um “deve” de um “é” (inferência de prescrições a partir de descrições), no sentido clássico a ela dado por Hume. (Estamos cavalgando o Instrumento, colados a ele, mas para dobrá-lo à luz do Espírito!) Prefiro conceber a “falácia naturalista” à maneira que se poderia chamar de “questão aberta” (“the open question”), ciente de que a falácia já pressupõe, corretamente, a conexão biimplicativa da ideia genérica de “valor” com a ideia genérica de “dever-ser”: diante do que quer que seja que se pensar que o “bom” ou o “bem” “sejam”, pode-se sempre concordar e, ainda assim, perguntar: “Mas é isso que o Bem deveria ser?” ou, diante do que quer que seja que se pensar que deveria ser, a mesma ou outra coisa, não importa, pode-se sempre concordar e, ainda assim, perguntar: “Mas é isso que é o Bem?” O paralelismo entre as distinções “é-vale” e “fato-norma”, por um lado, e, por outro, as distinções “é-deve” e “fato-valor”, é evidente.

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