Fernandes (FC:174) – Não somos jamais aquilo de que temos consciência

Vejamos como, per absurdum, vem-se a imaginar uma Consciência como alienação de si mesma. Vamos usar nossas fórmulas “Não podemos ‘perder’ a consciência” e “Conheço x => Não sou x” para tentar compreender como emerge o erro, ou a Ilusão “irresistível” do Ego Transcendental. Não somos jamais aquilo que pensamos. Não somos jamais aquilo de que temos consciência. O pensamento, como o desejo, foi feito para errar, de objeto em objeto, para sempre incapaz de apreender a realidade última do que quer que seja. Pense o leitor sobre ele mesmo, agora. Faça comigo este exercício transcendental. Tenha-se presente a você mesmo como objeto da sua consciência. E agora responda: Pode você, refletidamente, julgar que é esse objeto na presença do qual você está? Pode você pensar-se a si mesmo? Ou esse “si mesmo” só lhe aparece à consciência como “outro”, como objeto? Quando você tenta pensar a si próprio você só pode produzir isto: pensamento, e as ilusões transcendentais desses pensamentos. Uma dessas ilusões é justamente a aparição de você mesmo. Você pode ver-se. Eis aí o sinal inequívoco de que você não é o que vê. Você vê: eis, portanto, o que não é. Pois seremos sempre o que quer que veja, observe, pense, compreenda, experiencie, objetive: jamais o visto, o observado, o pensado, o compreendido, o experienciado, o objetivado. Está vendo quem você é? Pois então não é o que está vendo. Então você não percebe seu corpo? É porque não é esse corpo. Não tem consciência desses pensamentos? É que não é esses pensamentos. Não pode você pensar a si próprio como pensador? Não pode fazê-lo, como Descartes? Não pode você ter uma ideia clara, distinta, de você mesmo, essa entidade, “aquilo que pensa”? Não pode você fazer-se de objeto para si mesmo? Pois isto é a prova de que você não é essa entidade, esse objeto. Você é o que quer que seja que tenha consciência dessa entidade.

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