Fernandes (FC:171-173) – o erro do “homem comum”

O erro do “homem comum” — e o leitor deve entender que o que escrevo não nos critica, ao contrário, presta-nos a homenagem de uma verdadeira fanfarra [V. 3.5 adiante.]—, o erro do “homem comum” é o Erro de Descartes. Se compreendemos a estrutura da Identificação Secundária, não podemos deixar de reconhecer a verdade da seguinte fórmula:

( 5 ) Conheço x => Não sou x

Em que a constante “Conheço” pode, por sua vez, funcionar como variável, cujo domínio são todas as “atitudes proposicionais”, percebo, vejo, creio, desejo etc. Demonstrá-la, a essa altura, seria repetir tudo o que escrevi, ou dizê-lo sob outra forma. Tratêmo-la, portanto, como se fosse um axioma (o leitor sabe que, se vê o livro que lê, isso implica logicamente que ele se distingue do livro). Mas se (5) é logicamente verdadeiro, então é necessariamente verdadeiro, e não admite exceções. Ora, ponha-se o leitor, ele mesmo, no lugar da variável ‘x’, e compreenderá imediatamente o Erro de Descartes: [171]

(6) (Tenho uma ideia clara e distinta de que) (sou uma substância pensante) => Sou uma substância pensante.

O primeiro parênteses encerra uma “atitude proposicional”; o segundo, seu “objeto”, ou “conteúdo”, e (6) é logicamente falso. O que Descartes deveria ter pensado era:

(7) (Tenho uma ideia clara e distinta de que) (sou uma substância pensante) => Não sou uma substância pensante.

Toda Identificação é inconsciente, então, em pelo menos dois sentidos. Em primeiro lugar, sem que tomemos como verdadeiro algum pressuposto, nada se identifica. Ou seja: sem que nos tornemos “cegos” para aquilo que nos permite ver (Identificação Secundária), aquilo que nos permite ver não se torna transparente, logo não posso ver através daquilo. Em segundo lugar, o que é visto (identificado secundariamente) jamais pode ser o olho que vê, no momento em que vê, de modo que o que é visto jamais é o que eu sou (e o espelho não é exceção).

Dito de outra forma: toda identificação é necessariamente inconsciente. Se sei quem sou, então já não sou exatamente o que sei. Se me identifico, se me estou identificando com alguma coisa, então o que sou é justamente o que não sei que sou. Tudo que a minha consciência põe no mundo é o que ela não é. Minha consciência, então, é inalienavelmente idêntica a si mesma, um “a” que não pode ser igual a um “b”. Ela não pode ser repetida porque não há nada além dela mesma. Ora, o que se repete, na identificação de a com b, c, d etc., é a inconsciência. Digamos que o que se repete é uma “forma” de inconsciência.

O que se repete é a mente, é o pensamento. E se a Consciência é o nosso próprio Ser, então o que se repete, em última análise, está fora do Ser. É aquele “a” que pode ser igual a “b” que se repete, numericamente, na extensão dos conceitos. É a ilusória “triangularidade” do triângulo, resultado da falta de atenção, característica do pensamento. Chamar o “pensar nisto” de “estar consciente disto” é, então, um equívoco que perturba a semântica do termoconsciência”, reduzindo-o à mera intencionalidade. “Pensar nisto” significa, na verdade, “estar de algum modo inconsciente disto”. “Estar de algum modo desatento a isto”. O pensamento é uma forma de inconsciência, é a própria manifestação da inconsciência. Quando dizemos que “estar pensando em x” é o mesmo que “estar consciente de x”, fazemos uma confusão. Uma confusão que é a causa, não só da nossa resistência a estarmos realmente conscientes, contentando-nos com sermos a “mente”, o “pensamento”, mas também a causa de nossa incapacidade de compreender verdadeiramente o Inconsciente. Pois o Inconsciente não é meramente o que se opõe à consciência erroneamente entendida como “mental”, ou “intencional”. Não é simplesmente o que se opõe àquilo de que eu sou consciente, no sentido mental de “pensar em x”. O Inconsciente não é o meu “não pensar em x”. Ao contrário, o Inconsciente abrange, ou inclui tudo isso.

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