Eudoro de Sousa (HC:93-94) – Poema de Parmênides – Doxa

51. A «Doxa» é a parte mais fragmentária do poema de Parmênides, o que parece dar razão aos intérpretes que formularam a hipótese de que essa última parte não passaria de um arranjo, mais ou menos hábil, das «opiniões físicas» dos antecessores do filósofo-poeta. Mas depois de Reinhardt (1916, 1959) e sob sua direta ou indireta influência, grande número de estudiosos bem viram quanto seria absurdo supor que a deusa do proêmio prometesse revelar opiniões mortais, do ponto de vista dos mortais, pois, sendo o próprio Parmênides um mortal, estava perfeitamente capacitado de saber tudo quanto os mortais pensavam. Portanto, se a revelação alcança a «Doxa», para além da «Verdade», essa revelação só pode ser de algo que os mortais ignoram acerca de suas próprias opiniões. Relativamente a esta inflexão da nova exegese (Riezler, Verdenius, Calogero, Gigon, Von Fritz, Frankel, Deichgräber, Unter-steiner, Loenen, Schwabl, Mansfeld e outros) da posição de Tarán, a quem devemos a melhor edição do texto de Parmênides, uma sóbria tradução e pormenorizado comentário, o menos que se possa dizer é que ela se nos afigura extemporânea: do dilema «é» ou «não é», conclui que, para a «Doxa», não pode haver um tertium quid — como o seu objeto não é o Ser, a «Doxa» é um total equívoco e, não havendo graus de uma absoluta falácia, a via da opinião só pode ser falsa. Tratar-se-ia, em suma, de um «artifício dialéctico» (Tarán, 14-15); sendo inteiramente falsa, na medida em que admite dois princípios, em lugar de um só, demonstraria, por contraste, a única verdade do Ser único. Propondo o artifício literário do «Proêmio» e o artifício dialéctico da «Doxa», de Parmênides só resta a «Via da Verdade» e, portanto, mais uma vez se restabeleceria a posição clássica, naquele sentido de se dispensarem a primeira e a terceira partes do poema, como acessórias e supérfluas. A posição é sustentável até certo ponto, e o ponto certo é este: a «Doxa» não só vem depois da «Verdade», como também depende dela; não é simplesmente a opinião dos mortais, mas, sobretudo, a opinião sobre o mundo, de um mortal a quem o Ser já foi revelado e, portanto, a única que jamais será ultrapassada (frg. 8, 60-61) por opiniões de homens que não gozam dos benefícios da mesma revelação. Que assim é, provam-no, como provar se pode, os ecos da «Via da Verdade» na «Opinião dos Mortais», cujas intenções temos de reconhecer e pagar por seu justo valor. Um, resulta de comparar o v. 24 do frg. 8, onde se diz que na verdade do Ser «tudo está cheio do que é» (pân… émpleon estin eóntos), com o v. 3 do frg. 9, em que do mundo se afirma que «todo (ele) está cheio conjuntamente de Luz e Noite obscura» (pân pléon estín homoü pháeos kai nyktòs aphántou), e muito a propósito vem o comentário de Hölscher (p. 108): a totalidade e a continuidade do Ser fora provada para refutar o Não-Ser, nomeadamente, a imergência do Nada; a totalidade de Luz e Noite propõe-se agora na intenção de mostrar que o que quer que existe, ou é Luz ou é Noite (ou a mistura de Luz e Noite), «ambas iguais, posto que nem uma nem outra tem parte em Não-Ser» (frg. 9, 4); e assim, valem as predicações do Ser, também para este Totum do mundo sensível, que é a verdade acerca da aparência: nãogeração de dentro do nada, nem corrupção para dentro do nada, nãovazio, nem um mais ou menos pleno, aqui ou ali; é um continuum, nos firmes limites de uma esfera. Estas últimas palavras, «nos firmes limites de uma esfera», trazem consigo o segundo e o terceiro dos «ecos» a que acima nos referíamos. A esfericidade do Ser parmenídeo vem diretamente expressa no v. 43 do frg. 8 — «semelhante à massa de bem arredondada esfera» (enkyklon sphaírõs enalínkon onkõí) —, e indiretamente, a do universo sensível, no frg. 12 (cf. 28 a 37, Diels-Kranz), com a sua doutrina cosmológica das «coroas» (stephanai) esféricas, alternadamente constituídas de Luz e de Noite, ou da mistura de ambas. Quanto aos «firmes limites» da Necessidade, é interessante notar que a Ananke intervém na «Via da Verdade» (8, 30-31), onde se diz que ela «mantém o que é nos liames do limite que o encerra por todos os lados», e na «Opinião dos Mortais» (10, 5-7): «e saberás também do céu circundante: donde nasceu e como, dirigindo, Ananke o força a manter o limite dos astros». Três coincidências, duas das quais se formulam quase pelas mesmas palavras, não se podem atribuir à mera casualidade.

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