(Hadot2018)
[…] “Que a alma encontre sua alegria no presente e abomine a preocupação com o futuro.” (Horácio) O espírito feliz não olha para o futuro. Pode-se ser feliz de imediato, quando se aprende a limitar com sensatez os próprios desejos.Não apenas se pode fazê-lo, como se deve fazê-lo. Sim, a felicidade deve ser encontrada de imediato, no presente. Em vez de refletir sobre o conjunto da própria vida, de calcular esperanças e incertezas, é preciso captar a felicidade no instante presente. E há urgência: “Só se nasce uma única vez”, diz uma sentença epicurista, “duas vezes, não se permite. É necessário, portanto, que deixemos de ser por toda a eternidade; mas tu, que não és senhor do dia de amanhã, ainda postergas tua alegria para amanhã. A vida, no entanto, se consome em vão nesses atrasos e cada um de nós morre sem jamais haver provado a paz”. “Enquanto falamos”, diz Horácio, “o tempo, ciumento, fugiu. Colhe hoje (carpe diem), portanto, sem confiar no amanhã”.
Esse carpe diem de Horácio não é em absoluto – como se imagina com frequência – um conselho de bon-vivant ao contrário, é um convite à conversão, isto é, uma conscientização da vaidade dos desejos supérfluos e sem limites, e também da iminência da morte, da unicidade da vida, da unicidade do instante. Dessa perspectiva, cada instante aparece como um dom maravilhoso que preenche de gratidão quem o recebe: “Convence-te”, diz ainda Horácio, “de que cada novo dia que nasce será, para ti, o derradeiro. Assim, é com gratidão que receberás cada hora inesperada”.