Descombes (2014:PII:C3) – a querela do sujeito

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No século XX, esta forma de conceber a filosofia moderna e a relação dos pensadores modernos com a filosofia antiga foi objeto de uma crítica radical por parte de Heidegger.

Na sua opinião, os filósofos modernos não devem ser tomados à letra quando afirmam ter finalmente identificado a essência da subjetividade ou do si-mesmo (Ichheit, Selbstheit). Na realidade, explica Heidegger, longe de terem descoberto a subjetividade, Descartes e os seus herdeiros perderam-na completamente porque negligenciaram a crítica da antiga ontologia da substância no seu próprio princípio. De fato, eles apenas aplicaram ao ego os conceitos de substância e acidente que tinham recebido da ontologia antiga.

Aqui, Heidegger baseia-se na sua interpretação do Cogito cartesiano. Ele analisa-o como uma proposição que diz: “ego cogito”. Segundo ele, há duas observações a fazer sobre esta proposição:

1. Primeiro, é uma proposição formal, com um sujeito (indicado pelo pronome ego) e um predicado (indicado pelo verbo cogitare).

2. Em segundo lugar, esta proposição é dotada de uma função no sistema filosófico: é a primeira verdade certa, como tal na base de todas as outras verdades (sobre Deus, depois sobre o mundo físico).

Estes dois pontos, de acordo com Heidegger, explicam como a antiga noção lógica de um sujeito da proposição (singular) dá origem à noção moderna do Sujeito Pensante como o fundamento de qualquer afirmação de existência.

original

  1. Martin Heidegger, Sein und Zeit [1927], Tübingen, Max Nimeyer Verlag, 1967, § 6 (Être et Temps, trad. Emmanuel Martineau, Authentica [hors commerce], 1985) ; Die Grundprobleme der Phänomenologie, Gesamtausgabe, Frankfurt am Main, Klostermann, t. 24, 1975, § 13 (Les Problèmes fondamentaux de la phénoménologie, trad. Jean-François Courtine, Paris, Gallimard, 1985) ; Die Frage nach dem Ding, Tübingen, Niemeyer, 1962, p. 76-83 (Qu’est-ce qu’une chose ?, trad. Jean Reboul et Jacques Taminiaux, Paris, Gallimard, coll. Classiques de la philosophie, 1971).[]
  2. Aristote, Catégories, chapitre II.[]
  3. Martin Heidegger, Sein und Zeit, op. cit., § 9.[]