Descombes (2014:I.II.6) – consciência de si é uma percepção interna?

Dizem que a filosofia moderna da consciência descobriu a subjetividade ou a existência na primeira pessoa. Mas, se acreditarmos em Wittgenstein, ela não conseguiu reconhecer seu caráter específico, pois mantém uma observação na raiz de qualquer uso de um verbo psicológico. Como sei que o gato viu o pássaro? Observando-o (de fora). Como sei que vi o pássaro? Podemos responder: observando a mim mesmo (de dentro)? Certamente não, porque uma experiência visual não tem o status de um objeto que pode ser observado ou inspecionado, seja de fora ou de dentro.

Então, o que há de errado com a análise clássica do pensamento ego-cogito? Heidegger criticou o fato de o esquema analítico da sentença atributiva o ter sido aplicado. Falar de alguém atribuindo-lhe qualidades seria agir como se pudéssemos descrever uma pessoa da mesma forma que descrevemos uma coisa. Mas se essa crítica fosse bem fundamentada, isso significaria que não poderíamos pintar um retrato moral de alguém, porque isso significaria descrevê-lo na terceira pessoa e, portanto, usar o mesmo verbo na terceira pessoa que usamos para descrever um objeto físico ou uma paisagem. Mas é inegável que podemos pintar um retrato moral de um homem em cólera (Aquiles, por exemplo), e que essa descrição capta o caráter pessoal do ser humano. Não há reificação aqui, nem confusão de pessoas com coisas.

Por outro lado, é verdade dizer que a filosofia clássica da consciência não consegue manter o status da pessoa que diz “eu” como a primeira pessoa. A crítica é que ela alinhou a primeira pessoa com a terceira ao assumir que a aplicação de um verbo psicológico é sempre baseada na observação (observação externa indireta se o sujeito for outra pessoa, observação interna direta se for sua própria pessoa). Mas o efeito é duplicar o sujeito da autoconsciência: para dizer “Eu vi o pássaro”, eu teria que, como sujeito, olhar (mentalmente) para o sujeito que viu o pássaro e reconhecer que o sujeito dessa visão não é outro senão eu mesmo. Se a autoconsciência fosse uma percepção interna, então a afirmação subjetiva “Eu vi o pássaro” teria de ser explicada da seguinte forma: “Eu me vi (de dentro) vendo o pássaro”.

E é essa análise reflexiva da autoconsciência que precisamos questionar se quisermos entender o que torna subjetivos alguns de nossos pensamentos em primeira pessoa.

(DESCOMBES, Vincent. Le parler de soi. Paris: Gallimard, 2014)