Descombes (2005:175-176) – conscientia e consciência de si

tradução

Num atalho impressionante, Ortigues indica que é precisamente essa nova concepção de inteligibilidade — entendemos do que estamos falando se decidimos falar apenas daquilo que livremente colocamos “como objeto” — que permitiu a transferência da noção comum (isto é, latina) de consciência do domínio moral que até então era dela até o domínio teórico. Pois existe uma distância considerável entre a conscientia da teologia moral e a “consciência de si” das filosofias reflexivas. Como foi possível atravessar toda a distância que conduzia da conscientia, que seria traduzida em alemão pela palavra Gewissen até nosso conceito fenomenológico de consciência (Bewußtsein)? “A noção comum de consciência designa um poder de julgamento interno à ação” (p. 10). Mas, precisamente, a nova noção de consciência, carregada pela “filosofia da consciência”, agora designa um poder cujo exercício consiste em operar “uma gênese racional do objeto” (p. 11). A consciência assim entendida não é mais uma experiência — como ainda era com Descartes e Locke —, é fundamentalmente um ato pelo qual o sujeito deve se dar o objeto de conhecimento a si mesmo (em virtude de um relacionamento consigo mesmo que lhe confere a identidade de sujeito). Tal “ato de consciência” supõe no sujeito que o realiza uma capacidade de apercepção, talvez em virtude de um “sentido íntimo” que permita o auto-afeto, talvez em virtude de um poder de pura auto-posição, mas não requer nenhuma competência linguística, nenhum domínio de uma língua, nenhuma participação em uma comunidade linguística.

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