Vita1965
§ 2 — Definição de ‘filosofia’ — Para o pensamento grego, essencialmente intelectualista, privilegiando acima de tudo o pensamento conceitual e discursivo e atribuindo ao entendimento valor superior ao do sentimento ou da atividade, a sabedoria era entendida como inteligência, saber: a “sophia” é idêntica à “episteme” (Platão, Teeteto 145 e). ‘Amor à sabedoria’, portanto, não significa outra coisa senão aspiração à intelecção, ao saber. Destas discussões em torno do vocábulo ‘filosofia’ pode destacar-se claramente que o sentido literal de “filosofia” é demasiado geral para poder lograr com ela uma definição unívoca. Isto é demonstrado também com as inumeráveis definições propostas — em sua maior parte bastante divergentes — no curso da história da filosofia. A razão disto está no fato de que cada sistema filosófico é um modo diferente de compreender a filosofia, sua relação com as ciências e sua relação com a vida, tornando-se impossível dar de ‘filosofia’ uma definição única que satisfaça a todos.
Portanto, as definições da filosofia são múltiplas, parecendo ser comum a elas somente o fato, como o observou SIMMEL, de que a filosofia é, nos diversos sistemas filosóficos, o primeiro de seus problemas. Para esse autor, o que é filosofia só se decide dentro da filosofia, só através de seus próprios conceitos e meios: ela é, por assim dizer, o primeiro de seus próprios problemas. “Talvez nenhuma outra ciência dirija para si mesma, deste modo, seus problemas, extraindo-os de sua própria essência. O objeto da física não é a própria ciência física, mas, por exemplo, seus fenômenos ópticos e elétricos; a filologia investiga os manuscritos de PLAUTO e a evolução dos casos no anglo-saxão, mas não interroga sobre a filologia. A filosofia, e talvez só ela, gira neste estranho círculo, dentro de sua própria maneira de pensar e de suas próprias intenções de determinar as premissas dessa maneira de pensar e dessas intenções. Não existe nenhum acesso do exterior para seu conceito, pois tão apenas a própria filosofia pode determinar o que é filosofia e até se existe em absoluto ou recobre, com seu nome, um fantasma sem valor real”.
Deste modo, cada sistema filosófico pode valer como uma resposta à pergunta acerca do que é a filosofia e também acerca do que a atividade filosófica representa para a vida humana. Cada uma destas respostas é, pois, parcial. Mas, ao mesmo tempo, é necessária se se considerar que a filosofia se vai formando no curso de sua própria história. Assim, a exposição das definições dadas pelos diversos filósofos acerca da filosofia pode considerar-se como o conjunto das perspectivas a partir das quais a filosofia foi vista e não como uma recopiação de respostas arbitrárias sobre o problema capital filosófico. Paradoxalmente, a unidade da filosofia — sempre que não se interprete esta expressão num sentido demasiado rígido — manifesta-se através de sua diversidade.
Diante do exposto, pode ser aceita a definição da filosofia proposta por Aristóteles: o saber que se busca, já que a filosofia é, de fato, o problemático por excelência, não só por ser problemático o seu conteúdo, como também sua intenção. Ou, no dizer de XAVIER ZUBIRI, consiste a filosofia na constituição ativa de seu próprio objeto, no colocar em marcha a reflexão. Daí assumir a filosofia, conforme os casos, aspectos aparentemente diversos e inclusive divergentes: é, como resumiu o citado pensador, saber acerca das coisas, direção para o mundo e para a vida e, finalmente, forma de vida.