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Os Símbolos e os Versos Áureos são atribuídos a Pitágoras (século VI a.C.); Hierócles no século V os considera exposições da doutrina pitagórica em geral. Pitágoras era considerado seguidor de Orfeu e dos sacerdotes egípcios. Os Carpocracianos veneravam sua imagem ao lado da de Cristo.
Filóstrato na vida de Apolônio de Tiana informa que o pitagorismo era um dos fundamentos da doutrina professada pelos sábios indianos.
Quando entrares no templo, adora, ali nem dirás nem farás coisa que diga respeito à vida [Templo, segundo os pitagóricos, é o coração ou a atenção.].
Não entres no templo durante um caminho sem propósito nem objetivo, nem adorarás nos becos ou nas encruzilhadas; nem diante das portas ou no vestíbulo [Se o templo é o coração, a porta é a imaginação.].
Sacrifica e adora com os pés descalços [Pés são a parte sensitiva ou animal que deve ser desnudada, descoberta, humilhada, mortificada e mostrada, conforme se prefira ler. Isidoro de Sevilha, entre as heresias sem nome, coloca também aquela que obrigava a andar sempre descalço como Moisés diante da presença de Deus. O livro de Ruth diz: «Se acontecesse que um desse ao outro a sua razão, para que fosse firme a concessão, o homem tirava o seu calçado» (Bíblia vulgar de 1471). Descalço diante de Deus é, portanto, quem se aliena de si mesmo. A ψυχή, ou gênio, era associada aos joelhos e aos pés, por isso manter o pé descalço dava liberdade, genialidade na batalha, no perigo (Tucídides III, 22; Eneida, VII, 689).].
Dos deuses e das coisas divinas nada se diz de maravilhoso que tu não devas crer.
Foge das ruas populosas, toma as vielas.
Da sépia, isto é, daquilo que tem cauda negra, abstém-te, pois pertence aos deuses terrestres [A sépia se defende espalhando sua tinta preta, turvando a água.].
Não dividas o fogo com a espada [Fogo é a alma ou a ira, nem uma nem outra devem ser tocadas com a força para perturbá-las ou aumentá-las: de qualquer forma, seria obra supérflua. Mas «corta» também a palavra (nos textos hebraicos: em Fílon, Quis. Rer., 130, e São Paulo, Aos Hebreus, 4, 12), de modo que se pode ler: não fales das coisas ígneas.].
Quando soprarem os ventos, o eco adora.
Ajuda o homem que levanta um peso, não aquele que o depõe.
Calça primeiro o pé direito nos sapatos, no lavatório o esquerdo. De Deus e das coisas divinas não fales sem luz.
Quando tiveres saído de casa ou fores peregrino, não olhes para trás, as fúrias então acorreriam.
Não urines contra o Sol [Urina são os pensamentos inúteis e lascivos, porque o excremento é estéril. Não se lancem contra a luz (entre outras coisas, sem esperança de alcançá-la).].
Alimenta o galo, mas não o sacrifiques, sendo ele consagrado ao Sol e à Lua [Galo é a parte divina e intelectual da alma, o flos animae dos Oráculos Caldeus.].
Não te sentes sobre a medida do alimento suficiente para o dia [Alguns interpretam: não entesoures, nem sejas solícito quanto ao amanhã; Kircher com Hierócles expõe: não desistas (sentando-te) de operar. Diz Fílon: «A alma recolha a porção do dia (Êxodo, 16, 4) a fim de que declare não a si, mas Deus, como guardião das coisas boas» (De interpr. al leg., III, 166).].
Não tragas esculpida no anel figura de Deus [Preceito contra a idolatria. Ou: o anel é figura do ano e da vida cotidiana, onde não se devem degradar os símbolos.].
Ao te levantares da cama, enrola as cobertas e faz desaparecer todo o teu rastro [A cama significa o sonho. A noite, o passado a não ser lembrado. É também uma exortação a abolir toda complacência.].
Não comas teu coração [O coração comido acaba entre os excrementos. Felizmente esta expressão nos nossos idiotismos conserva seus muitos sentidos.].
Os vestígios da panela, confunde na cinza [Apagar a ira é um dos significados.].
Não acolhas em casa nem andorinha nem rola [Animais estridentes ou que arrulham, cuja entrada é supérflua. Clemente de Alexandria conecta com a fábula de Tereu e diz que a andorinha é perseguidora dos insetos musicais, os quais simbolizam os místicos.].
Não navegues por terra [Nem Clemente nem Kircher fornecem explicação adequada. Sugere-a Chuang Tzu (L. Wieger, Les pères du système taoiste, Paris, 1950, p. 323: “Não se viaja por terra de barco, nem sobre a água de carruagem. Os tempos passados estão para os presentes como a água está para a terra… Confúcio se esforça em vão e atrairá desgraça, como todos aqueles que tentaram aplicar um sistema dado em circunstâncias diferentes… Certa vez, quando a bela Siceu estava irritada, tornava-se ainda mais sedutora. Uma mulher feia a viu assim e imitou-a: os ricos se trancaram em suas casas, e os pobres fugiram apavorados com suas esposas e filhos. A feiosa havia reproduzido os arroubos, mas não a beleza da bela. Assim é a paródia que Confúcio nos oferece da antiguidade.”
Mas uma explicação mais esotérica vem do fato de que a mística hindu chama de “nave” o canto ritual, sendo as duas melodias fundamentais as duas embarcações com as quais se atravessa o sacrifício (Schneider, El origen musical de los animales símbolos, Barcelona, 1946).].
Dos Versos Áureos
Poucos conhecem a libertação dos males. O destino aflige tanto a mente dos mortais que eles são como piões girando em todas as direções, impulsionados por golpes incessantes. A contenda (Éris), sua companheira congênita, os leva à ruína sem que percebam; não a alimente nem lhe resista, mas evite-a.
Zeus, pai, livrarias muitos de seus males se revelasses a cada um o demônio que ele segue.
Mas tenha fé, pois divina é a raça dos mortais, aos quais a sagrada natureza fala e se revela. Se participares dela, seguirás minhas prescrições e, assim, terás curado tua alma, libertando-a dessas aflições. Abstém-te dos alimentos que mencionei 1 e, na purificação e libertação (lýsis) da alma, usa o discernimento; considera tudo com atenção, dando precedência ao intelecto, o melhor cocheiro. Então, ao abandonar o corpo, subirás ao livre éter e serás um deus imortal, incorruptível, ungido pela eternidade.
- Pitagóras recomendava uma dieta sagrada. Nos mistérios eleusinos, qual era a bebida santa? O ciceone, uma sopa cujas receitas foram preservadas por Aristófanes e Hipócrates.
Da mesma forma, os antigos chineses criavam sopas como obras de equilíbrio perfeito. A sopa é uma composição harmônica de tudo o que cresce no momento zodiacal em que se atravessa; ingerida misticamente, exalta o ser (e há vestígios inconscientes disso nos provérbios da Itália celta, onde “comer sopas” é sinônimo de adquirir experiência). As receitas das duas sopas fundamentais de Pitágoras foram preservadas na Vida de Pitágoras por Porfírio e atribuídas a Deméter, que as teria entregue a Hércules. Graças a elas, seu corpo permanecia equilibrado: nunca estava ora saudável, ora doente, ora robusto e viçoso, ora magro e debilitado. Da mesma forma, sua alma sempre refletia no rosto a mesma serenidade—ninguém jamais o viu rir ou chorar. Pitágoras curava com músicas semelhantes a sopas. As fontes de uma dieta mística estão nos livros chineses citados por Granet, Porfírio e Hipócrates.[↩]