CEM: I.6 – respeito

Ao eu moral, ao si-mesmo autêntico e à essência do homem, chama Kant também de pessoa. Em que consiste a essência da personalidade da pessoa? A própria personalidade é a “ideia da lei moral” “com o respeito que dela é inseparável”[[Die Religion innerhalb der Grenzen der bloßen Vernunft [A religião nos limites da simples razão], WW (Cass.), VI, p. 166.]]. O respeito é a “receptividade” para a lei moral, isto é, aquilo que possibilita um receber desta lei enquanto lei moral. Mas se o respeito constitui a essência da pessoa enquanto si-mesmo moral, então, de acordo com o que foi dito, ele tem de apresentar um modo da autoconsciência. Em que medida é que ele o é? [163]

Pode funcionar como um modo de autoconsciência, se ele é, segundo a própria designação de Kant, umsentimento”? Os sentimentos, os estados marcados como de prazer e de desprazer, pertencem à sensibilidade. Só que essa não é necessariamente determinada por estados corpóreos, de tal modo que permanece aberta a possibilidade de um sentimento puro, um sentimento não determinado por afecções, mas “auto-efetuado”[[Grundlegung zur Metaphysik der Sitten [Fundamentação da Metafisica dos Costumes], 2a ed., WW (Cass.), IV, p. 257.]]. Daí que, antes de mais, se tenha de perguntar pela essência geral do sentimento em geral. Só o aclaramento desta essência permite decidir em que medida o “sentimento” em geral, e, com ele, o respeito enquanto sentimento puro, pode apresentar algo semelhante a um modo de autoconsciência.

Já nos sentimentos “inferiores” do prazer se mostra uma estrutura fundamental peculiar. O prazer não é apenas prazer em relação a algo ou em algo, mas sempre, ao mesmo tempo, um entretenimento, isto é, um modo no qual o homem se experimenta como entretido, no qual ele está divertido. Assim, encontra-se em geral em qualquer sentimento sensível (em sentido estrito) e não-sensível esta estrutura articulada: o sentimento é um ter-sentimento por… e, enquanto tal, é, ao mesmo tempo, um sentir-se do sensiente. O modo como o sentir-se torna manifesto, isto é, deixa ser, a cada vez, o si-mesmo, é sempre essencialmente codeterminado pelo, caráter daquilo pelo que o sensiente no sentir-se tem um sentimento. Mas em que medida o respeito corresponde a esta estrutura essencial do sentimento, e porque é ele um sentimento puro?

Kant oferece a análise do respeito na crítica da razão prática [[Kritik der praktischen Vernunft [Crítica da razão prática], I Parte, Livro I, 3a Parte, WW (Cass.), V, pp. 79 ss.]]. A interpretação seguinte salienta apenas aquilo que é essencial.

O respeito é, enquanto tal, respeito pela lei moral. Ele não serve para o julgamento das ações e não é introduzido apenas depois do feito ético, um pouco como o modo em que tomamos posição em relação à ação realizada. Ao invés disso, só o respeito [164] pela lei constitui a possibilidade da ação. O respeito diante de… é o modo em que antes de tudo a lei se nos torna acessível. Nisso se encontra, ao mesmo tempo, o seguinte: este sentimento de respeito pela lei também não serve, tal como se expressa Kant, para a “fundação” da lei. A lei não é o que é, porque temos respeito diante dela, mas ao contrário: este ter-sentimento respeitoso pela lei e, com ele, este modo determinado de tornar manifesta a lei é o modo em que se nos pode deparar a lei enquanto lei em geral.

O sentimento é um ter-sentimento por…, de tal modo que aqui, ao mesmo tempo, o eu sensiente se sente a si mesmo. Portanto, no respeito diante da lei, o eu sensiente tem, ao mesmo tempo, de se manifestar a si mesmo de um modo determinado, e isso não acidental e ocasionalmente, mas o respeito diante da lei – este modo determinado de manifestar-se da lei enquanto fundamento de determinação do agir – é em si um manifestar-se de mim mesmo enquanto um si-mesmo agente. Aquilo diante do que o respeito é respeito, a lei moral, dá a razão enquanto razão livre a si mesma. O respeito diante da lei é respeito diante de si mesmo enquanto aquele si-mesmo que não é determinado pela presunção e pelo amor-próprio. O respeito refere-se, então, no seu manifestar-se específico, à pessoa. “O respeito dirige-se sempre apenas a pessoas, nunca a coisas.

No respeito diante da lei, submeto-me à lei. O específico ter-sentimento por… que se encontra no respeito é um submeter-se. No respeito diante da lei, submeto-me a mim mesmo. Neste submeter-me-a-mim, eu sou como eu mesmo. Como o quê ou, mais exatamente, como quem é que eu me manifesto a mim no sentimento de respeito?

Submetendo-me à lei, submeto-me a mim mesmo enquanto razão pura. Neste submeter-me-a-mim-mesmo, elevo-me a mim mesmo enquanto ser livre que se determina a si mesmo. Este peculiar elevar-se a si mesmo até si mesmo, que se submete, manifesta o eu na sua “dignidade”. Dito negativamente: no respeito diante da lei que eu me dou a mim mesmo enquanto ser livre, não posso desprezar-me a mim mesmo. O respeito é, portanto, o [[Op. cit., p. 84.]] [165] modo do ser-si-mesmo do eu, com base no qual ele “não expulsa o herói na sua alma”. O respeito é o modo do ser-responsável do si-mesmo em relação a si mesmo, o ser-si-mesmo autêntico.

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