Cassirer (ICR) – Aparência e Ideia

Azenha & Viaro

A cosmovisão de Platão é caracterizada pelo rígido recorte que ele faz entre o mundo sensível e o mundo inteligível; entre o mundo dos fenômenos e o das ideias. Ambos os mundos — o mundo do “visível” e o do “invisível”, o mundo do ορατόν [horatón] e do νοητόν [noetón] — não se encontram num mesmo plano e não permitem, portanto, qualquer tipo de comparação imediata. Ao contrário: cada um deles é o extremo oposto, ο ετερον [héteron] (outro) do outro; por isso mesmo, todos os predicados que atribuímos a um temos de necessariamente subtrair do outro. Todas as características da ideia são derivadas por antítese das características da aparência. Se a aparência é caracterizada por um fluir incessante, a permanência perene é própria da ideia; se aquela, por sua própria natureza, nunca é uma, mas se revela ao [29] olhar que tenta fixá-la como realidade multifacetada, que se transforma a cada instante, a ideia persiste numa pura identidade consigo mesma. Se a ideia é caracterizada e totalmente determinada pelo postulado da constância do sentido, o mundo dos fenômenos sensíveis se subtrai a todo e qualquer tipo de determinação, ou mesmo à sua mera possibilidade: nele, nada é um ser verdadeiro, nada é uma unidade verdadeira, nada é alguma coisa ou algo acabado. Eis aí o fundamento da distinção entre saber e opinar, entre έπιστημη [epistéme] e δόξα [dóxa\ : aquele se refere ao que existe sempre, ao que se comporta sempre da mesma forma; este se volta para o mero fluxo das percepções, das representações, das imagens que se sucedem em nós. Toda filosofia, tanto a teórica quanto a prática, tanto a dialética quanto a ética, consiste do conhecimento acerca dessa oposição: suprimi-la ou tentar de alguma forma conciliá-la significaria suprimir a própria filosofia. Quem não conhece essa dualidade, aniquila a premissa do próprio conhecimento; destrói o sentido e a importância do julgamento e, com isso, toda a força da “discussão” científica diaphtherei pasan ten tou dialegesthai dynamin (destrói toda a força do discutir). Aparência e ideia, o mundo dos fenômenos e dos númenos, podem relacionar-se no plano do pensamento; um pode e deve ser medido pelo outro, mas nunca ocorrerá entre eles uma espécie de “mistura”; nunca a natureza e a essência de um poderão se converter na natureza e na essência do outro, de tal modo que haja entre eles qualquer espécie de linha divisória comum, no interior da qual os dois se refundam num só. A divisão, a χωρισμός [khorismós], de ambos os mundos não pode ser suprimida: ο όντως ον [óntos cm] (ser como tal) e ο οντα [ónta] (entes), ο λόγοι [lógoi] (razões) e ο πράγματα [prágmata] (coisas) jamais se unem, do mesmo modo como o “sentidopuro da ideia não pode [ser dado] como umexistir” [30] singular ou a mera existência possuir por si mesma um sentido ideal, um conteúdo significativo ou um valor perene [[Para um aprofundamento dessa questão, cf. minhas considerações sobre a filosofia grega em Lehrbuch der Philosophie, ed. por Max Dessoir. Berlim, 1925, em esp. I, pp. 89 ss.]].

A crítica de Aristóteles à doutrina das ideias de Platão parte do fato de ele discordar dessa divisão entre o domínio da “existência” e o do “sentidoideal. A realidade é una: como seria possível concebê-la em dois modos diferentes de conhecimento, um deles sendo o extremo oposto do outro? A oposição entre “matéria” e “forma”, entre “vir-a-ser” e “ser”, entre o “sensível” e o “supra-sensível”, por mais longe que a possamos levar, só pode ser entendida como oposição se houver uma mediação, que leva de um polo a outro. É assim que, para Aristóteles, o conceito de evolução transforma-se na categoria fundamental e no princípio por excelência para se explicar o mundo. O que chamamos de realidade nada mais é do que a unidade de um mesmo complexo de atividades, no interior do qual toda a diversidade está contida e representa uma determinada fase, um determinado estágio do processo de evolução. Onde houver dois tipos e dois modos de ser ainda “heterogêneos”, basta que olhemos para esse processo dinâmico e unificado e nele encontraremos uma relação entre eles e uma forma de conciliá-los. A divisão entre “aparência” e “ideia”, no sentido platônico, deixa de existir, pois o “sensível” e o “inteligível”, o “inferior” e o “superior”, o “divino” e o “terreno” atuam um sobre o outro numa estreita e constante conexão. O mundo é uma esfera fechada em si mesma, no interior da qual só existem gradações. Do divino e imóvel motor do universo parte a força que age primeiro sobre a camada mais externa da abóbada celeste, para dali se propagar, numa sequência contínua e ordenada, [31] sobre a totalidade do ser e se comunicar ao mundo sublunar inferior por meio das esferas celestes que se encaixam umas nas outras. Por maior que seja a distância entre o começo e o fim, ainda assim não existe, no caminho que leva de um ao outro, nenhuma ruptura, nenhum “começar” e nenhum “terminar” absolutos. Pois trata-se de um espaço finito e contínuo, mensurável em estágios determinados e comprováveis; um espaço que separa começo de fim e, dessa mesma forma, os une novamente.

Plotino e o neoplatonismo tentam unir os temas fundamentais do pensamento platônico e aristotélico, mas o que conseguem — do ponto de vista de uma observação mais sistemática — é uma mistura eclética de ambos. O sistema neo-platônico é dominado pelo pensamento platônico da “transcendência”, da oposição absoluta entre o inteligível e o sensível, que é descrita bem à maneira de Platão, chegando mesmo ao exagero quanto à expressão. A medida que o conceito aristotélico de transformação é aceito e integrado ao pensamento, relaxa-se a tensão dialética que era imprescindível ao sistema platônico. Da união entre a categoria platônica da transcendência e a aristotélica de transformação nasce o conceito bastardo de “emanação”. O absoluto, entendido como aquele que está além e acima de tudo o que é finito, de tudo o que é uno, de toda a existência, permanece puro em sisi mesmo; não obstante, porém, sua superabundância provoca um transbordamento e, neste transbordar, o absoluto gera toda a diversidade dos mundos até chegar ao nível da matéria informe, entendida como fronteira derradeira do não-ser. As considerações sobre a obra de Dionísio, o Areopagita, mostrou-nos que a Idade Média cristã havia adotado esse conceito e o transformado a seu modo. O resultado disso foi a categoria fundamental da mediação por fases que, de um lado, viabilizava a transcendência divina para depois, por outro lado, dominá-la do ponto de vista teórico e prático com a noção de [32] uma hierarquia dos conceitos e das forças espirituais. No milagre da ordenação cristã da vida e da salvação, a transcendência estava, ao mesmo tempo, reconhecida e dominada; neste milagre, o invisível se tornara visível para o homem, e o ininteligível, inteligível.

Bixio

La imagen del mundo que Platón nos brinda se caracteriza esencialmente por la escisión que se cumple entre mundo sensible y mundo inteligible, entre mundo de las apariencias y mundo de las ideas. Ambos mundos, el visible y el invisible, el oraton y el noeton, no están en un mismo plano, y por lo tanto no es posible ninguna clase de comparación inmediata entre ellos. Antes bien, cada uno constituye la plena oposición del otro, lo heteron del otro; todo lo que prediquemos de uno, precisamente por eso no podemos predicarlo del otro. Así, pues, todos los caracteres de la idea resultan antitéticos con respecto a los de la apariencia. Si el mundo de las apariencias está caracterizado por un incesante fluir, es propio del mundo de las ideas el eterno estatismo; si aquél, según su naturaleza, nunca es uno, sino que se presenta a la mirada que intenta asirlo en una multiplicidad cambiante a cada momento, la idea, en cambio, persiste en una pura identidad consigo misma. Si la idea está caracterizada y enteramente determinada por la necesaria constancia de significado, el mundo de los fenómenos sensibles se sustrae [33] en cambio a cualquier determinación; es más, a su mera posibilidad; en el mundo sensible, nada es un verdadero ser, un verdadero uno, un algo de cualquier modo acabado. He aquí el fundamento de la distinción entre ciencia y opinión, episteme y doxa; una se refiere a la esfera de lo que siempre es y siempre se comporta de la misma manera, la otra al mero término de las percepciones, de las representaciones y de las imágenes que se suceden en nosotros. Toda filosofía, tanto teorética como práctica, dialéctica como ética, consiste en el conocimiento de esa oposición; anularla, pretender atenuarla de alguna manera, significa anular la filosofía misma. El que desconozca este dualismo, destruye la hipótesis del conocimiento mismo, aniquila el sentido y la significación del juicio, y con ello toda la fuerza del discurso científico. Apariencia e idea, mundo de los fenómenos y de los noúmenos, pueden empero relacionarse en el pensamiento; el uno puede medirse por el otro, pero jamás podrá producirse entre ellos una amalgama; nunca la naturaleza y la esencia de uno podrán convertirse en las del otro, pues no existe línea alguna de común demarcación en la que ambos se confundan y se desvanezca el uno en el otro. La división de los dos mundos, el chorismos, no puede suprimirse; el ontos on y los onta, los logoi y los pragmata no se unen, del mismo modo que el puro sentido de la idea no puede darse como un existir individual, o bien, por el contrario, no es posible que la mera existencia individual posea por sí misma una significación ideal, o un sentido eterno, o un contenido de valor. La crítica que Aristóteles formula contra la doctrina platónica de las ideas parte de la dificultad que para él encierra la separación entre la esfera de lo existente y la del sentido ideal. La realidad es una, ¿cómo podrá ser posible aprehenderla en dos modos distintos de conocimiento, cada uno de: los cuales está estrictamente opuesto al otro? La oposición entre materia y forma, entre ser y devenir, entre mundo sensible y suprasensible, por más lejos que se lleve, no puede ser concebida sino suponiendo la existencia de un medio de enlace que vaya de uno a otro polo. De este modo, el concepto de desarrollo se torna para Aristóteles categoría fundamental y principio general de explicación del mundo. Lo que llamamos realidad no es sino la unidad de un mismo complejo coherente de actividad dentro de la cual está contenida toda diferenciación como una fase determinada o grado del proceso evolutivo de desarrollo. Por heterogéneos que sean dos géneros del ser o dos modos del ser dados, bastará que los refiramos a ese proceso dinámico y unitario para que en él los encontremos relacionados y reconciliados. Los límites entre apariencia e idea, en el sentido platónico, no pueden persistir, pues el mundo de lo sensible y el de lo inteligible, el inferior y el superior, el divino y el terreno están entre sí en una única y permanente relación conexa de actividad. El mundo es una esfera cerrada en la que sólo hay estadios graduales. Del divino e inmóvil motor de todas las cosas desborda la fuerza a las esferas superiores del cielo, de donde se reparte, por un proceso regulado y permanente, a la totalidad del ser, llegando así incluso a hacer participar de ella, a través de las esferas celestes concéntricas, al mundo sublunar inferior. Por grande que sea la distancia que medie entre el principio y el fin, en el camino que conduce de uno a otro no hay en ningún momento una interrupción, no hay ni un empezar absoluto ni un terminar absoluto, pues se trata de un espacio finito y continuado que puede recorrerse y medirse en una serie de fases perfectamente determinadas, espacio que separa el principio del fin y que, precisamente por ello, enlaza de nuevo uno con otro.

Plotino y el neoplatonismo procuran asociar el motivo fundamental del pensamiento platónico y el del aristotélico, pero, si juzgamos este intento desde un punto de vista sistemático, cabe afirmar que sólo logran una fusión ecléctica de ambos. El neoplatonismo está profundamente influido por la noción platónica de la trascendencia, por la absoluta oposición de lo sensible y de lo inteligible, acabadamente descrita por los giros literarios de Platón que acentúan aún más esa oposición. Pero como simultáneamente acepta, apropiándose de él, el concepto aristotélico de desarrollo, la tensión dialéctica, esencial al sistema platónico, se relaja. La combinación de la categoría platónica de la trascendencia con la aristotélica del desarrollo engendra el concepto bastardo de la emanación. Lo absoluto, que es entendido como lo suprafinito, como lo suprauno y supraser, permanece así puro en sí mismo, pero no obstante, y en virtud de la superabundancia que en él existe, se desborda y derrama engendrando en esa su profusión desde la diversidad de los mundos hasta la materia informe, que es el límite último del no ser. El examen de los tratados del seudo Dionisio nos ha demostrado que esta concepción, si bien transformada en su íntimo significado, había sido acogida por la Edad Media cristiana. Con ello se ganó la [35] categoría capital de la mediación en forma graduada que permitía por una parte sostener la noción de la trascendencia divina, y por otra superarla al subordinar al pensamiento, tanto de un modo teorético como práctico, una jerarquía de los conceptos y una jerarquía de las fuerzas espirituales. De este modo la trascendencia quedaba a un mismo tiempo reconocida y superada en el milagro del orden que la Iglesia establecía para la salvación y para la vida; por el milagro de ese orden lo invisible se tornó visible para el hombre, y lo inconcebible, comprensible.

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