Bréhier (HP1) – 22. As Leis

Sucupira Filho

O sentimento de relatividade e de instabilidade das coisas humanas é particularmente vivo nas Leis, obra inconclusa da velhice de Platão. Está repleta de prescrições pormenorizadas que denotam a intenção muito clara de realizar uma reforma, talvez nas cidades sicilianas, que iriam ser restauradas após a morte de Dionísio. O problema das Leis é, como o do Timeu, um problema de mistos. Procuram-se, no caso, as proporções que deem à sociedade a maior estabilidade política similar às que davam ao cosmos duração imperecedoura. Para Platão, o estável e o perfeito é todo uno: “Interessa, antes de tudo, que as leis sejam estáveis” (797 a). Tudo, incluindo os brinquedos infantis, deve permanecer idêntico, de uma a outra geração. Qualquer mudança significa perturbação, quer se trate de um organismo ou de uma cidade. As leis não são objeto de verdadeiro respeito, a não ser que falte a memória de um tempo em que as coisas tivessem sido diferentes do que são agora; “e o legislador deve imaginar todos os meios para realizar esse estado de coisas na cidade”.

Alguns desses meios escapam a sua vontade, e são os que derivam da natureza. Um meio propício à manifestação do caráter seria uma região suficientemente isolada do mar e das outras cidades, para que não tenha ocasião de ser contaminada pelo comércio e pela influência dos demais. Essas seriam as oportunidades favoráveis, que não se devem senão aos deuses. Em compensação, o legislador pode limitar o número de cidadãos, escolhendo um número bastante diminuto e de qualidade tal que se multiplique no maior número possível.

Mas, sobretudo, ele é o orientador do misto que produzirá a constituição mais estável (691 c sq.). A história mostra-nos o exemplo de uma constituição que resistiu ao tempo: a de Esparta, que soube observar normas de moderação e se poupou de excessos. Os poderes de dois reis são, mutuamente, contrabalançados e se limitam com o do senado, onde o poder moderador dos anciãos se alia à força ardente da juventude; é limitado, igualmente, pelo poder dos éforos. “Dessa maneira, a realeza, incorporada a outros elementos e deles recebendo a correlata medida, conservou-se a si mesma e conservou o resto.” Ao contrário, a história revela a decadência da constituição persa, realeza liberal que se converte em tirania, e a da constituição democrática de Atenas, em que a liberdade conduz a uma anarquia sem peias. Há, portanto, duas constituições antitéticas: despotismo e democracia, “mãe de todos os outros”. Isoladas, ambas são más, mas o misto bem proporcionado produz a boa constituição (693 d).

Que é que impede a decadência (porque sempre, e aqui também, se trata da questão do freio que detém, e não de progresso positivo)? O impedimento virá da confluência harmônica entre a sensibilidade e a inteligência (689 a). A causa da decadência é o conceito de que é agradável o que se julga mau e injusto, e laborioso o que se julga justo. Em virtude dessa disposição de espírito, que é a pior das ignorâncias, a cidade não é, como deveria ser, “amiga de si mesma” (701 d).

Platão dá-se conta de que não basta a pura inteligência; é necessário, ainda, disposição livre e voluntária. O legislador deve, pois, obter o assentimento, não pela violência, mas pela persuasão (887 a sq.). Daí, o uso de prólogos que explicam os motivos de obediência às leis (719 c- 723 b). Essa exposição de motivos, que é também uma prédica moral, constituía uma inovação legislativa.

Os resultados dessa forma de assegurar a estabilidade social mediante a arraigada nos espíritos, são particularmente claros no livro X, concernentes às crenças religiosas. A impiedade é ali tratada, sobretudo, como perigo social. O ateísmo, combatido por Platão, é o dos sofistas, que consideravam os deuses invenções humanas (891 b-899 d). Os negadores da providência, que ele refuta, não são os teóricos, mas pessoas que dão livre curso a suas paixões, porque não acreditam que a justiça divina intervenha nos assuntos humanos (899 d – 905 d). Finalmente, a crença errônea de que se possa seduzir Deus, por meio de preces, se relaciona a toda uma série de práticas culturais e rituais que implicam associações privadas, danosas para a vida social (905 d -907 b).1 Mas, se é preciso, em primeiro lugar, prevenir a impiedade por mediação de argumentos racionais, como se verifica em Platão, também se faz imperioso prever penalidades severas para os que não querem se convencer. Segundo os casos, a prisão temporária ou a prisão perpétua afastam da cidade esses perigosos ímpios (908 a sq.).

A última palavra de Platão, como político, exprime a serenidade contemplativa do sábio que percebe as forças abscônditas que levam os homens a agir. “As coisas humanas não devem ser tomadas muito a sério… O homem é um entretenimento de Deus, um mecanismo para ele” (803 b). O legislador é, em primeiro lugar, aquele que conhece esse mecanismo e sabe conduzir os homens.

Original

Ce sentiment de la relativité et de l’instabilité des choses humaines est particulièrement vif dans les Lois, l’œuvre inachevée de la vieillesse de Platon ; elle est remplie de prescriptions de détail, qui indiquent l’intention très nette de réaliser sa réforme, peut être dans les villes siciliennes qui allaient être restaurées après la mort de Denys. Le problème des Lois est, comme celui du Timée, un problème du mélange ; on cherche ici quelles proportions rendront la société le plus stable possible, comme on a découvert là bas celles qui donnaient au cosmos la durée impérissable. Stable et parfait, c’est tout un pour Platon : « Il importe avant tout que les lois soient stables » (797a). Jusqu’aux jouets des enfants, tout doit rester identique d’une génération à l’autre ; tout changement est un trouble, qu’il s’agisse de l’organisme ou de la cité ; les lois ne sont l’objet d’un véritable respect que si l’on n’a aucun souvenir d’un temps où les choses auraient été autrement que maintenant ; « et le législateur doit imaginer tous les moyens pour produire cet état de choses dans la cité ».

De ces moyens, certains échappent à sa volonté ; ce sont ceux qui viennent de la nature ; un milieu propice à l’éclosion du caractère, une contrée assez isolée de la mer et des autres cités pour qu’elle n’ait pas de chance d’être contaminée par le commerce et par l’influence des autres, telles sont les heureuses chances qu’on ne doit qu’aux dieux. En revanche, le législateur peut limiter le nombre des citoyens, en choisissant un nombre assez faible, mais tel qu’il soit multiple du plus d’autres nombres possible.

Mais surtout, il est maître du mélange qui produira la constitution la plus stable (691c sq.). L’histoire nous montre l’exemple d’une constitution qui a résisté au temps : c’est celle de Sparte, qui a observé les règles de la mesure, et s’est gardé de tout excès ; les puissances des deux rois sont tempérées l’une par l’autre ; leur pouvoir est limité par celui du sénat où la puissance modératrice des vieillards s’allie à la force bouillante de la jeunesse ; il est limité également par le pouvoir des éphores. « De cette manière, la royauté, mélangée comme il fallait à d’autres éléments et recevant d’eux la mesure, s’est conservée elle même et a conservé le reste. Au contraire l’histoire montre la décadence de la constitution perse, cette royauté libérale qui se transforme en tyrannie, et celle de la constitution démocratique d’Athènes où la liberté amène une anarchie sans frein. Donc il y a deux constitutions antithétiques, despotisme et démocratie, et mères de toutes les autres » ; isolées, elles sont mauvaises ; mais leur mélange bien proportionné produit la bonne constitution (693 d).

Qu’est ce qui empêche la décadence ? (Car toujours, et ici encore, il est question de frein qui arrête et non d’un progrès positif). Ce qui l’empêchera, c’est l’harmonie entre la sensibilité et l’intelligence qui juge (689a) ; la cause de la chute, c’est que l’on prend plaisir à ce que l’on juge mauvais et injuste, et que l’on voit avec peine ce que l’on juge juste, c’est à cause de cette disposition d’esprit, qui est la pire des ignorances, que la cité n’est plus, comme elle doit l’être, « amie d’elle même » (701d).

Platon sent bien que la pure intelligence ne suffit pas ; il y faut encore l’inclination, et une inclination libre et volontaire. Le législateur doit donc obtenir l’assentiment non par la violence, mais par la persuasion (887a sq.) ; de là, l’usage des prologues développant les motifs d’obéir aux lois (719c 723b) ; cette sorte de prédication morale était une nouveauté dans la législation.

Les résultats de cette manière d’assurer la stabilité sociale par une foi enracinée dans les esprits, sont particulièrement nets dans le livre X, qui concerne les croyances religieuses. L’impiété y est traitée avant tout comme un danger social ; l’athéisme que Platon combat, c’est celui des sophistes, qui considéraient les dieux comme des inventions humaines (891 b 899 d) ; les négateurs de la providence qu’il réfute ne sont point des théoriciens, mais des gens qui laissent libre cours à leurs passions parce qu’ils ne croient pas que la justice divine entre dans le détail des affaires humaines (899d 905 d) ; enfin, la croyance erronée que l’on séduit Dieu par des prières se rattache à toute une série de pratiques cultuelles et rituelles qui impliquent des associations privées périlleuses pour la vie sociale (905d-907b) . Aussi, s’il faut d’abord essayer de prévenir l’impiété par des arguments rationnels, comme le fait Platon, il faut prévoir de sérieuses pénalités pour ceux qui ne veulent pas se laisser convaincre. Selon les cas, la prison à temps ou la prison perpétuelle éloignent de la cité ces dangereux impies (908a sq.).

Le dernier mot de Platon politique est cette sérénité contemplative du sage qui voit les ressorts cachés qui font agir les hommes. « Les choses humaines ne valent pas d’être prises très au sérieux… L’homme est un jouet de Dieu, une machine pour lui » (803b). Le législateur est avant tout celui qui connaît cette machine et qui sait mener les hommes.

Abellio, Raymond (29) Antiguidade (26) Aristotelismo (28) Barbuy, Heraldo (45) Berdyaev, N A (29) Bioética (65) Bréhier – Plotin (395) Coomaraswamy, Ananda (473) Enéada III, 2 (47) (22) Enéada III, 6 (26) (21) Enéada IV, 3 (27) (33) Enéada IV, 4 (28) (47) Enéada VI, 1 (42) (32) Enéada VI, 2 (43) (24) Enéada VI, 3 (44) (29) Enéada VI, 7 (38) (43) Enéada VI, 8 (39) (25) Espinosa, Baruch (37) Evola, Julius (108) Faivre, Antoine (24) Fernandes, Sergio L de C (77) Ferreira da Silva, Vicente (21) Ferreira dos Santos, Mario (39) Festugière, André-Jean (41) Gordon, Pierre (23) Guthrie – Plotinus (349) Guénon, René (699) Jaspers, Karl (27) Jowett – Platão (501) Kierkegaard, Søren Aabye (29) Lavelle, Louis (24) MacKenna – Plotinus (423) Mito – Mistérios – Logos (137) Modernidade (140) Mundo como Vontade e como Representação I (49) Mundo como Vontade e como Representação II (21) Míguez – Plotino (63) Noções Filosóficas (22) Ortega y Gasset, José (52) Plotino (séc. III) (22) Pré-socráticos (210) Saint-Martin, Louis-Claude de (27) Schuon, Frithjof (358) Schérer, René (23) Sophia Perennis (125)