Blaise Pascal nasce em 1623 e morre, antes de completar os quarenta anos, em 1662. Sua vida precoce, atormentada e genial é bem conhecida. Suas descobertas matemáticas, suas polêmicas teológicas, sua relação com os jansenistas franceses, determinam sua figura, especialmente interessante e enigmática. Por outro lado, sua paixão, seu apelo ao que chama “coeur”, seu caráter de pensador agônico, como dizia Unamuno, deram-lhe um atrativo extraordinário, não sem o risco de certa equivocidade. A própria índole fragmentária de toda sua obra, e em particular de seus Pensamentos, contribuiu para tornar difícil a reta compreensão do pensamento pascaliano.
Em certa medida — sobretudo na medida em que se opõe a ele —, Pascal é cartesiano; não é possível entender a nenhum pensador do século XVII sem nele incluir uma referência — de qualquer sinal que seja — a Descartes. Mas, por outro lado, Pascal é, rigorosamente, uma mente cristã; quero dizer com isto que seu pensamento filosófico está determinado por pressupostos religiosos. O homem filosofa sempre, queira ou não, a partir de uma situação concreta, parcialmente histórica, e esta situação condiciona sua filosofia; pois bem, a situação de que parte Pascal, embora sendo em uma dimensão o mundo intelectual cartesiano do século XVII, é antes de tudo, simplesmente, o cristianismo, em uma de suas formas mais vivas e autênticas.
Revela-se isto com a máxima clareza em sua visão do homem. Os Pensamentos incidem e reincidem repetidas vezes sobre a realidade humana, e esta aparece neles captada numa imediatez peculiar e estranha. Pascal sublinha cartesianamente a essência pensante do homem, mas ao mesmo tempo sente toda sua constitutiva fragilidade, carência e miséria: é um caniço, um caniço pensante, cheio de miséria e niilidade, mas cheio de grandeza porque conhece essa miséria e porque pode chegar a Deus. Esta radicalidade do ponto de partida faz com que Pascal aborde com rara agudeza o tema do homem; porque não só o considera como um ente dotado de propriedades determinadas mas se detém na consideração direta de sua vida e dos pressupostos desse viver. A ontologia do ente humano, que em Pascal está apenas esboçada, assinala no entanto suas dimensões decisivas, com uma atualidade que hoje nos parece surpreendente. Sua doutrina acerca do “coração”, sua análise da diversão, sua íntima angústia pelo problema da imortalidade pessoal, apreendem, por vezes só como meros vislumbres, estratos decisivos do ser do homem, que interessam hoje mais que nunca à filosofia, porque, talvez pela primeira vez na história, está em situação de dar inteira conta deles, ou pelo menos tentá-lo com meios proporcionados ao alcance das questões que levantam.
Sobre Pascal: E. Boutroux: Pascal (1900); F. Strowski: Pascal et son temps (1907-1909); J. Chevalier:. Pascal (1922); L. Brunschwicg: Le gênie de Pascal (1924); E. Jovy: Études pascaliennes (1927-1928).