Simondon1958
[…] A ordem enciclopédica do simultâneo se vê expulsa do ensino cultural porque não se ajusta às opiniões dos grupos sociais, que nunca têm uma representação da ordem do simultâneo, pois só representam uma fração mínima da vida numa determinada época, e não podem situar-se por si. Esse hiato entre a vida atual e a cultura vem da alienação da cultura, isto é, do fato de que a cultura, na realidade, é uma iniciação às opiniões de determinados grupos sociais que existiram em épocas anteriores. A primazia das letras na educação cultural provém dessa onipotência da opinião. Uma obra, em particular a obra que sobreviveu, expressou a ética de um grupo ou de uma época, de modo que esse grupo se reconheceu nela. Uma cultura literária, portanto, é escrava dos grupos, está no nível dos grupos do passado. Uma obra literária é um testemunho social. Toda a vertente da obra didática é eliminada da cultura, a menos que ela seja antiga e possa ser considerada um testemunho do “gênero” didático. A cultura atual finge considerar extinto o gênero didático em nossos dias, quando talvez nunca tenha havido tanta força expressiva, tanta arte e tanta presença humana contidas nos escritos científicos e técnicos. Agora, na realidade, a cultura é que se tornou um gênero, com regras e normas fixas, perdendo seu sentido de universalidade.