Platão havia separado a Dialética de todos os outros conhecimentos, tomando a Filosofia como iluminação e inspiração; o filósofo, segundo Platão, é aquele cujas disposições inatas levam facilmente para a Ideia de cada ser; e a filosofia é o nome de um estado peculiar de entusiasmo e inspiração que faz intuir a essência transcendental das aparências ilusórias. Essas aparências são os objetos das ciências particulares, as quais não são verdadeiras ciências, mas conjuntos de opiniões que julgam sobre fenômenos, os quais não têm em si mesmos a sua realidade. Só a Filosofia procura o Ser além das aparências. Só a Dialética é o conhecimento do Ser. Em várias passagens da República de Platão se distingue claramente entre a Dialética e os demais conhecimentos: isto é, entre o conhecimento do que realmente é real e a opinião que não vai além do fenômeno.
A nostalgia — que etimologicamente significa vontade dolorosa para regressar — é o fundamento da filosofia platônica, tomada como inspiração poética. Pela nostalgia voltamos ao reino da Verdade, que trazemos sepulto em nós desde antes do nascimento. A verdade não está neste mundo sensível e perituro que é o objeto dos sentidos; os platônicos não negam, com os racionalistas, o valor do sensível; mas o sensível platônico é apenas a tradução simbólica de outras realidades mais fundas, que são as verdades inteligíveis; começamos pelo sensível, como quando admiramos a beleza do corpo; remontamos para a Beleza da qual participam todos os corpos belos; e dos corpos remontamos para a Beleza da alma, elevando-nos gradualmente até a Beleza como imagem do divino, a Beleza eterna da qual o belo sensível é apenas um reflexo. O sensível reflete a verdade, mas não é a Verdade; a Verdade, que é por excelência o Ser, não pode estar no que não é; a Verdade é o que é idêntico a si próprio, o que não tem vir-a-ser, o que é si-mesmo. O real são as Ideias eternas, de que os seres passageiros são apenas a projeção apagada e transitória. Estas Ideias são o objeto da Dialética. Mas o conhecimento vulgar, inclusive o científico, está confinado ao reino do nascimento e da morte, o reino do que realmente não é, porque está sempre em transição e não pode ter em si o fundamento da sua existência. Assim, na alegoria da caverna, estão os prisioneiros postos contra o muro sombrio, de sorte que não podem mover a cabeça; entra um raio de luz, contra o qual as sombras se movem no fundo da caverna e os prisioneiros ouvem as vozes que vêm de fora e que atribuem às sombras. Se retiramos a um dos prisioneiros as correntes que o imobilizam e ele caminha para a luz, seus movimentos o farão sofrer e o clarão luminoso cegará os objetos cuja sombra contemplava antes. Que responderia esse prisioneiro se lhe disséssemos que, há pouco, ele não via mais que sombras inconsistentes e se, voltado para a luz agora, mais perto da verdade, lhe perguntássemos o que é? Não ficaria embaraçado e as sombras que há pouco via não lhe pareceriam mais verdadeiras que os objetos que lhe mostramos sob a luz? Não ficaria cego e não procuraria de novo a sombra? — Mas, habituado depois à luz, não teria horror ao seu primitivo estado e aos prisioneiros que não abandonaram nunca as correntes da ignorância?
Segundo Platão, as sombras e as prisões da ignorância são este nosso mundo sensível; o reino das Ideias é a verdade que apenas se reflete na caverna da vida em que estamos. Cercados de sombras sem consistência; guiados pela nostalgia da luz, podemos contudo romper as cadeias e distinguir o que é do que não é. E isto é a Filosofia, ao mesmo tempo método dialético e Metafísica. E de toda a teoria platônica decorre essa distinção profunda entre a filosofia e os demais conhecimentos.