Alleau (2001) – ciência dos símbolos

[…] no domínio da simbólica não há código geral de decifração, mas apenas códigos particulares que, por sua vez, exigem uma interpretação. Um símbolo não significa: evoca e focaliza, reúne e concentra, de forma analogicamente polivalente, uma multiplicidade de sentidos que não se reduzem a um único significado, nem apenas a alguns. Uma nota de música também não tem um sentido determinado e definitivo, embora não seja uma coisa qualquer. Depende tão intimamente do seu contexto rítmico e sonoro como o símbolo depende do contexto mítico e ritual que lhe está associado.

Penetrar no mundo dos símbolos é tentar perceber as vibrações harmônicas e, de certa forma, adivinhar uma música do universo. Para isso não é necessário apenas intuição, mas também um sentido inato de analogia, um dom que pode ser desenvolvido pelo exercício, mas que não se adquire. Há um «ouvido simbólico», tal como há um «ouvido musical», que é parcialmente independente do grau de evolução cultural dos indivíduos. O «ouvido simbólico» do aborígene australiano, por exemplo, encontra-se muito mais desenvolvido que o do civilizado moderno.

Atribui-se geralmente este fenômeno à natureza arcaica do inconsciente que, sendo mais ativa no primitivo, se exprime mais facilmente através duma linguagem simbólica, «imediata e espontânea». Podemos interrogar-nos acerca do valor desta explicação. Quando se estuda com um certo pormenor a vida mítica e religiosa dos aborígenes australianos, fica-se impressionado com a extraordinária complexidade das suas formas e das suas expressões, mais do que pela simplicidade das suas estruturas analógicas e simbólicas. Se o inconsciente, por si só, é capaz de elaborar e de distinguir tantas diferenças sutis nas relações do homem com o seu meio interior e exterior, por que razão a consciência e a inteligência «evoluídas» se tornaram incapazes disso?

A menos que se confundam abusivamente dois fenômenos distintos. Um, que tem o seu fundamento numa vida natural ainda muito próxima da animalidade devido a obstáculos múltiplos do meio natural e dum desenvolvimento quase nulo da tecnologia, estado que é realmente «arcaico» em relação ao nosso, e um outro fenômeno: o da elaboração duma linguagem destinada a interpretar e a suportar estas condições, assim como a adaptar-se a elas. Nesta perspectiva, seria natural que a compensação trazida ao primitivo pelos mitos e pelos símbolos fosse muito mais desenvolvida que a nossa porque os obstáculos quotidianos que o aborígene se via obrigado a enfrentar eram mais difíceis de superar. No entanto, nem tudo é inconsciente na resposta da «logosfera» humana às pressões da «biosfera»: grande parte das religiões e das iniciações australianas parece voluntariamente organizada e logicamente concertada. O «ouvido simbólico» dos primitivos, embora provavelmente inato tal como o faro dos cães de caça, desenvolveu-se e apurou-se através do exercício das suas funções. Ele existe ainda em estado latente no civilizado e se este o utiliza menos, é porque ele se atrofiou uma vez que já não parece necessário à vida interior e exterior quotidiana.

Outro exemplo do fenômeno de esgotamento das fontes da intuição analógica e simbólica pelo desenvolvimento tecnológico é o dos estilos regionais da arquitetura. Ao passo que os materiais punham problemas de fabrico industrial e de transporte, as casas dos camponeses eram construídas com os recursos locais e iam buscar à sua terra os seus produtos minerais e vegetais, o que adaptava o habitat humano às paisagens naturais, às suas cores e às suas formas. A feliz analogia das estruturas, as suas correspondências harmônicas com o meio ambiente, o estilo pessoal testemunhado pela parede mais insignificante, a beleza das concordâncias simbólicas assim realizadas, não provinham apenas da paciência e do sentido das justas proporções que os construtores testemunhavam, mas também da inexistência de outros meios de produção, para além dos do artesanato. Quando se tornou mais fácil utilizar os aglomerados que pedras de talha, a chapa metálica em vez do colmo ou do xisto, o habitat campestre uniformizou-se, o estilo regional desapareceu e uma vez que a intuição da sua adaptação à paisagem já não era necessária, deixou de exercer-se e atrofiou-se.

Não devemos separar, penso eu, o homem enquanto «animal simbolizante» das condições concretas, corporais e materiais da sua existência quotidiana e tende-se demasiadas vezes a esquecê-las, considerando apenas as relações do simbolismo com a vida cultural, artística, religiosa e iniciática ou, então, com a psicologia individual e colectiva.

Sem negar a importância bastante evidente destas relações, não se trata de dados primeiros nem originais do processo analógico. Este último provém duma fonte longínqua e profunda que é puramente experimental e comum, aliás, a todos os seres vivos. Não se trata apenas da sexualidade, como pensou Freud: é a nutrição ou, mais exatamente, a assimilação do vivo pelo vivo, da qual a reprodução é apenas uma consequência entre outras. A lógica da analogia impôs-se ao homem desde a pré-história através das condições concretas da economia da caça e da tecnologia do mimetismo e da emboscada. O processo analógico não é, de resto, apenas humano: dei vários exemplos da sua importância na vida animal. Podemos, pois, considerá-lo universal. Eis porque a analogia é a chave da simbólica geral; por isso, foi sobre este ponto e não sobre o símbolo propriamente dito que fiz incidir as minhas investigações. (AlleauCS)