Agamben (PP:73-74) – Stimmung (tonalidade afetiva)

[…] No parágrafo 29 de Sein und Zeit, Heidegger apresenta a Stimmung — que o tradutor italiano verte em “tonalità emotiva” — como o “modo existencial fundamental”, através do qual o Dasein se abre a si mesmo. Na medida em que traz originariamente o Dasein em seu Da, o ser-aí em seu aí, a Stimmung realiza, de fato, a “revelação primária do mundo [die primäre Entdeckung der Welt]”. O que nela está em questão diz assim respeito, em primeiro lugar, não ao plano ôntico — o que podemos conhecer e sentir no interior do mundo, os entes intramundanos —, mas ao plano ontológico — a própria abertura do mundo. (Nos termos de Wittgenstein, podemos dizer, não como o mundo é, mas que o mundo é; ou ainda: não o que se diz em proposições no interior da linguagem, mas que a linguagem seja.) Portanto, escreve Heidegger, “ela não vem de fora nem de dentro”, mas “surge no próprio ser-no-mundo”. “Estar em uma Stimmung”, acrescenta Heidegger, “não comporta nenhuma referência primária à psique: não se trata de um estado interior que se exteriorizaria misteriosamente para colorir as coisas e as pessoas”. O lugar da Stimmung — poderíamos dizer — não está na interioridade nem no mundo, mas no limite entre ambos. Por isso, o ser-aí, na medida em que é essencialmente sua própria abertura, está desde sempre em uma Stimmung, é sempre emotivamente orientado; e essa orientação é anterior a todo conhecimento consciente, tal como a toda percepção sensível, a todo Wissen [saber], tal como a todo Wahrnehmen [perceber]. Antes de se abrir em todo saber e em toda percepção sensível, o mundo se abre ao homem em uma Stimmung. “E só porque ontologicamente próprios de um ente que tem o modo de ser do ser-no-mundo em uma situação emotiva, os “sentidos” podem ser “afetos” e “ter sensibilidade” para aquilo que se manifesta na afecção”, escreve Heidegger. Mais do que estar em um lugar, poderemos então dizer que a Stimmung é o próprio lugar da abertura do mundo, o próprio lugar do ser. [73]

A Stimmung, todavia, levando o Dasein à abertura de seu Da, revela-lhe ao mesmo tempo seu ser lançado nesse Da, o fato de estar desde sempre entregue a ele. Ou seja, a descoberta originária do mundo que tem lugar na Stimmung é sempre desvelamento — diz Heidegger — de uma Geworfenheit, de um ser-lançado, a cuja estrutura é inerente uma essencial negatividade. No parágrafo 40 de Sein und Zeit, analisando a angústia como Stimmung fundamental, Heidegger precisa as características dessa negatividade. Em primeiro lugar, também aqui o que a angústia revela não é um objeto intramundano determinável qualquer:

O diante-de-quê da angústia é completamente indeterminado […] por isso a angústia não tem olhos para ver um determinado aqui ou ali de onde se aproxima a ameaça. O que caracteriza o diante-de-quê da angústia é o fato de que o elemento ameaçador não está em lugar nenhum […] ele existe já, mas não está em nenhum lado; está tão próximo que nos oprime e nos corta a respiração, mas não está em nenhum lugar. No diante-de-quê revela-se o “não é nada e em nenhum lugar [nirgends]”.

No ponto em que o Dasein acede portanto à abertura que lhe é mais própria e, na angústia, coloca-se perante o mundo como mundo, essa abertura se revela sempre atravessada por uma negatividade e por um mal-estar. Se — como escreve Heidegger — o Da está agora perante o Dasein como “um inexorável enigma”, é porque a Stimmung, descobrindo o homem como desde sempre lançado e entregue à sua abertura, revela-lhe, ao mesmo tempo, que ele não é trazido por sisi mesmo em seu Da. Escreve Heidegger: “Sendo, o Dasein é lançado, não é levado por sisi mesmo em seu Da […] Existindo, ele nunca volta atrás em sua condição de lançado […] Já que ele não colocou o fundamento, ele repousa em seu peso, que a Stimmung lhe revela como um fardo”. E justamente porque o Dasein é aberto ao mundo de tal modo que ele já não é senhor de sua abertura, essa abertura ao mundo tem o caráter do estranhamento. “A angústia”, escreve Heidegger, “retira o ser-aí de seu se sentir em casa no mundo e tem por isso, antes de tudo, o caráter do estranhamento” (do não se sentir em sua casa: zu Haus).

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