Selvino Assmann
1.1. Uma genealogia do conceito de zoe deve começar pela constatação — de nenhum modo óbvia, inicialmente — de que na cultura ocidental “vida” não é uma noção médico-científica, mas um conceito filosófico-político. Os 57 tratados de Corpus hippocraticum, que reúnem os textos mais antigos da medicina grega, compostos entre os últimos decênios do século V e os primeiros do século IV a. C., ocupam, na edição Littré, dez volumes in quarto; mas um exame de Index hippocraticum mostra que o termo zoe aparece apenas oito vezes, nunca com significado técnico. Assim, os autores de Corpus podem descrever minuciosamente os humores que compõem o corpo humano e cujo equilíbrio determina a saúde e a doença, podem interrogar-se a respeito da natureza do nutrimento, do crescimento do feto e da relação entre modos de vida (diaitai) e saúde, além de descrever os sintomas das doenças agudas e, por fim, refletir sobre a arte médica, sem que jamais o conceito “vida” assuma importância nem função específica. Isso significa que não é necessário o conceito “vida” para construir a techne iatrike.
[(Dos oito textos de Corpus em que aparece a palavra zoe, três (Carta a Damagete, O discurso no altar [Oratio ad aram] e Discurso à embaixada de Téssalo [Tessali legati oratio]) não têm caráter médico e certamente são apócrifos. Das outras cinco ocorrências, três referem-se à duração da vida do paciente com respeito à morte iminente: Art., 63: “Sua vida se prolongará só por alguns dias” (zoe oligomeros toutoisi ginetai). Affect., 23: “Não há nenhuma esperança de vida” (zoes oudemia elpis); Praec., 9: “Perdem a vida” [metallassousi tes zoes]. Por fim, em duas, o sentido podería ser relevante, mas ficou totalmente indeterminado: Cor., 7: “Eles [os grandes vasos] são as fontes da natureza humana, os rios que borrifam o corpo e trazem a vida ao homem” [ten zoen pherousi toi anthropoi]; Alim., 32: “Potência uma e não uma, pela qual tais coisas e as outras são administradas — uma para a vida do todo e da [222] parte [zoen hollou kai merou], a outra para a sensação do todo e da parte”. Esta última ocorrência é a única na qual, pela oposição entre vida e sensação, o termo zoe parece adquirir um significado menos genérico.Também o verbo zen, “viver”, que aparece 55 vezes em Corpus, nunca tem significado técnico e, quando não designa genericamente os “seres vivos ”, refere-se à duração da vida ou, na fórmula estereotipada ouk an dynaito zen, à impossibilidade de sobreviver em determinadas condições.
O outro termo para “vida” em grego, bios (no sentido, que aqui interessa, de forma de vida ou de vida humana qualificada) aparece 35 vezes em Corpus, sobretudo no célebre incipit, de Aforismos: Ho bios brachys, he de techne makre [a vida é curta, a arte é longa]. Confirmando a falta de tecnicização do conceito “vida” no âmbito médico, os textos de Corpus mostram, com relação àqueles literários e filosóficos, certa indeterminação da oposição zoe/bios (cf.,por exemplo, Flat., 4). [AGAMBEN, Giorgio. O Uso dos Corpos. Homo Sacer IV,2. São Paulo, Boitempo, 2017, p. 221-222])]
Original
1.1. Una genealogia del concetto di zoè deve esordire dalla costatazione – all’inizio per nulla scontata – che nella cultura occidentale «vita» non è una nozione medico-scientifica, bensì un concetto filosofico-politico. I 57 trattati del Corpus Hippocraticum, che raccolgono i testi più antichi della medicina greca, composti tra gli ultimi decenni del v secolo e i primi del IV secolo a.C., riempiono, nell’edizione Littré, dieci volumi in quarto; ma uno spoglio dell’Index Hippocraticum mostra che il termine zoè vi ricorre appena otto volte, e mai in un significato tecnico. Gli autori del Corpus possono, cioè, descrivere minuziosamente gli umori che compongono il corpo umano e il cui equilibrio determina la salute e la malattia, interrogarsi sulla natura del nutrimento, sulla crescita del feto e sulla relazione fra modi di vita (diaitai) e salute, descrivere i sintomi delle malattie acute e, infine, riflettere sull’arte medica, senza che mai il concetto «vita» assuma un rilievo e una funzione specifica. Ciò significa che per costruire la techne iatrikè il concetto «vita» non è necessario.
[(Degli otto testi del Corpus in cui la parola zoè appare, tre (La lettera a Damagete, Il discorso all’altare, Il discorso all’ambasciata di Tessalo) non hanno carattere medico e sono sicuramente apocrifi. Delle altre cinque occorrenze, tre si riferiscono alla durata della vita del paziente in relazione alla morte imminente: Artic., 63: «la loro vita si prolungherà solo per pochi giorni» (zoè oligomeros toutoisi ginetai). Affect., 23: «non vi è alcuna speranza di vita» (zoes oudemia elpis); Praec., 9: «perdono la vita» (metallassousi tes zoes). In due, infine, il senso potrebbe essere rilevante, ma è lasciato del tutto indeterminato: Cor., 7: «Essi [i grandi vasi] sono le sorgenti della natura umana, i fiumi che irrorano il corpo e portano all’uomo la vita [ten zoen pherousi toi anthropoi]; Alim., 32: «Potenza una e non una, attraverso la quale queste cose e le altre sono amministrate; l’una per la vita del tutto e della parte [zoen holou kai merou], l’altra per la sensazione del tutto e della parte». Quest’ultima occorrenza è l’unica in cui, attraverso l’opposizione fra vita e sensazione, il termine zoè sembra acquistare un significato meno generico.Anche il verbo zen, «vivere», che compare nel Corpus 55 volte, non ha mai un significato tecnico e, quando non designa genericamente i «viventi», si riferisce alla durata della vita o, nella formula stereotipa ouk an dynaito zen, all’impossibilità di sopravvivere in determinate condizioni.
L’altro termine per «vita» in greco, bios (nel senso, che qui c’interessa, di forma di vita o di vita umana qualificata) compare nel Corpus 35 volte, innanzitutto nel celebre incipit degli Aforismi: Ho bios brachys, he de techne makrè. A conferma della mancanza di tecnicizzazione del concetto «vita» in ambito medico, i testi del Corpus mostrano, rispetto a quelli letterari e filosofici, una certa indeterminazione dell’opposizione zoè/bios (cfr. ad esempio Flat., 4).)]