Demonstração: O ser da substância (pela Prop. preced.) não pertence à essência do homem. Esta, portanto (pela Prop. 15 da parte 1), é algo que é em Deus e que sem Deus não pode ser nem ser concebido, ou seja (pelo Corol. da Prop. 25 da parte 1), uma afecção [affectio], ou seja, um modo que exprime a natureza de Deus de maneira certa e determinada. ÉTICA II Prop. X
Se o Corpo humano é afetado de uma maneira que envolve a natureza de um Corpo externo, a Mente humana contemplará esse mesmo corpo externo como existente em ato ou como presente a si até o Corpo ser afetado por uma afecção [affectio] que exclua a existência ou a presença daquele mesmo corpo. ÉTICA II Prop. XVII
Demonstração: É patente. Pois, enquanto [quamdiu] o Corpo humano é assim afetado, a Mente humana (pela Prop. II desta parte) contemplará esta afecção [affectio] do corpo, isto é (pela Prop. preced.), terá a ideia de uma maneira existente em ato que envolve a natureza do corpo externo, isto é, uma ideia que não exclui, mas põe, a existência ou a presença da natureza do corpo externo, e por isso a Mente (pelo Corol. 1 preced.) contemplará o corpo externo como existente em ato ou como presente até o Corpo ser afetado por uma afecção [affectio] que exclua etc. C. Q. D. ÉTICA II Prop. XVII
A ideia de qualquer afecção [affectio] do Corpo humano não envolve o conhecimento adequado do corpo externo. ÉTICA II Prop. XXV
Demonstração: Mostramos (ver Prop. 16 desta parte) que a ideia de uma afecção [affectio] do Corpo humano envolve a natureza do corpo externo apenas enquanto o corpo externo determina o próprio Corpo humano de maneira certa. Ora, enquanto o corpo externo é um Indivíduo, que não é referido ao Corpo humano, a ideia ou conhecimento dele está em Deus (pela Prop. 9 desta parte) enquanto Deus é considerado afetado pela ideia de outra coisa, a qual (pela Prop. 7 desta parte) é por natureza anterior ao próprio corpo externo. Por isso, o conhecimento adequado do corpo externo não está em Deus enquanto tem a ideia de uma afecção [affectio] do Corpo humano, ou seja, a ideia de uma afecção [affectio] do Corpo humano não envolve o conhecimento adequado do corpo externo. C. Q. D. ÉTICA II Prop. XXV
A ideia de qualquer afecção [affectio] do Corpo humano não envolve o conhecimento adequado do próprio Corpo humano. ÉTICA II Prop. XXVII
Demonstração: Seja qual for a ideia de qualquer afecção [affectio] do Corpo humano, ela envolve a natureza do Corpo humano apenas enquanto este é considerado afetado de uma certa maneira (ver Prop. 16 desta parte). Ora, na medida em que o Corpo humano é um Indivíduo, que pode ser afetado de muitas outras maneiras, a sua ideia etc. Ver Dem. da Prop. 15 desta parte. ÉTICA II Prop. XXVII
A ideia da ideia de qualquer afecção [affectio] do Corpo humano não envolve o conhecimento adequado da Mente humana. ÉTICA II Prop. XXIX
Demonstração: Com efeito, a ideia de uma afecção [affectio] do Corpo humano (pela Prop. 17 desta parte) não envolve o conhecimento adequado do próprio Corpo, ou seja, não exprime adequadamente a natureza dele, isto é (pela Prop. 13 desta parte), não convém adequadamente com a natureza da Mente; por isso (pelo Ax. 6 da parte 1), a ideia dessa ideia não exprime adequadamente a natureza da Mente humana, ou seja, não envolve o conhecimento adequado dela. C. Q. D. ÉTICA II Prop. XXIX
Escólio: No Escólio da Proposição 17 desta Parte, expliquei de que maneira o erro consiste numa privação de conhecimento; mas, para uma explicação mais ampla de tal coisa, darei um exemplo: os homens equivocam-se ao se reputarem livres, opinião que consiste apenas em serem cônscios de suas ações e ignorantes das causas pelas quais são determinados. Logo, sua ideia de liberdade é esta: não conhecem nenhuma causa de suas ações. Com efeito, isso que dizem, que as ações humanas dependem da vontade, são palavras das quais não têm nenhuma ideia. Pois todos ignoram o que seja a vontade e como move o Corpo; e aqueles que se jactam do contrário e forjam uma sede e habitáculos da alma costumam provocar ou o riso ou a náusea. Da mesma maneira, ao olharmos o sol, imaginamo-lo distar de nós cerca de duzentos pés, erro que não consiste nessa imaginação em si mesma, mas no fato de que quando assim o imaginamos ignoramos a verdadeira distância dele e a causa dessa imaginação. Com efeito, mesmo se depois conhecermos que ele dista de nós mais de seiscentos diâmetros da Terra, não obstante o imaginaremos perto, já que não imaginamos o sol tão próximo porque ignoramos sua verdadeira distância, mas porque uma afecção [affectio] de nosso corpo envolve a essência do sol enquanto o próprio corpo é afetado por ele. ÉTICA II Prop. XXXV
Demonstração: Seja A o que é comum e próprio ao Corpo humano e a alguns corpos externos e está igualmente no Corpo humano e nesses mesmos corpos externos e, por fim, igualmente na parte de qualquer desses corpos externos e no todo. A ideia adequada do próprio A será dada em Deus (pelo Corol. da Prop. 7 desta parte) tanto enquanto tem a ideia do Corpo humano, como enquanto tem as ideias dos corpos externos supostos. Suponha-se agora que o Corpo humano é afetado por um corpo externo mediante o que tem em comum com ele, isto é, por A; a ideia desta afecção [affectio] envolve (pela Prop. 16 desta parte) a propriedade A, e por isso (pelo mesmo Corol. da Prop. 7 desta parte) a ideia desta afecção [affectio], enquanto envolve a propriedade A, será adequada em Deus enquanto afetado pela ideia do Corpo humano, isto é (pela Prop. 13 desta parte), enquanto constitui a natureza da Mente humana; e por isso (pelo Corol. da Prop. 11 desta parte) esta ideia é adequada também na Mente humana. C. Q. D. ÉTICA II Prop. XXXIX
Demonstração: As imagens das coisas são as afecções [affectio] do Corpo humano cujas ideias representam os corpos externos como que presentes a nós (pelo Esc. da Prop. 17 da parte 1), isto é (pela Prop. 16 da parte 2), cujas ideias envolvem a natureza de nosso Corpo e simultaneamente a natureza presente de um corpo externo. Se, portanto, a natureza do corpo externo for semelhante à do nosso Corpo, então a ideia do corpo externo que imaginamos envolverá uma afecção [affectio] de nosso Corpo semelhante à afecção [affectio] do corpo externo; por conseguinte, se imaginarmos alguém semelhante a nós afetado por algum afeto [affectus], essa imaginação exprimirá uma afecção [affectio] de nosso Corpo semelhante àquele afeto [affectus] e, assim, por imaginarmos afetada por algum afeto [affectus] uma coisa semelhante a nós, seremos afetados junto com ela por um afeto [affectus] semelhante. Mas, se odiarmos a coisa semelhante a nós, nesta medida (pela Prop. 23 desta parte) seremos afetados junto com ela por um afeto [affectus] contrário, e não semelhante. C. Q. D. ÉTICA III Afetos Prop. XXVII
Escólio: Esta afecção [affectio] da Mente, ou seja, a imaginação de uma coisa singular, enquanto se acha sozinha na Mente, é chamada Admiração, a qual é dita Consternação se movida por um objeto que tememos, já que a Admiração de um mal mantém o homem de tal maneira suspenso na só contemplação dele que não é capaz de pensar nas outras coisas com as quais poderia evitar aquele mal. Mas se o que admiramos é a prudência de um homem, sua indústria ou algo do tipo, dado que por isso contemplamos este homem como nos superando amplamente, então a Admiração é chamada Veneração; ao passo que se admiramos a ira do homem, sua inveja, etc., chama-se Horror. Ademais, se do homem que amamos admiramos a prudência, indústria, etc., por isso (pela Prop. 12 desta parte) o Amor será maior, e a este Amor unido à Admiração, ou seja, à Veneração, chamamos Devoção. E desta maneira também podemos conceber o Ódio, a Esperança, a Segurança e outros Afetos unidos à Admiração; e por conseguinte poderemos deduzir mais Afetos do que os vocábulos usuais costumam indicar. Donde se revela que os nomes dos Afetos foram descobertos mais por seu uso vulgar do que por um conhecimento acurado deles. ÉTICA III Afetos Prop. LII
Demonstração: A Inveja é o próprio Ódio (ver Esc. da Prop. 24 desta parte), ou seja (pelo Esc. da Prop. 13 desta parte), a Tristeza, isto é (pelo Esc. da prop. 11 desta parte), a afecção [affectio] pela qual é coibida a potência de agir do homem ou seu esforço. Ora, o homem (pelo Esc. da Prop. 9 desta parte) não se esforça nem deseja fazer [agir] nada senão o que pode seguir de sua natureza dada; logo, o homem não desejará que se lhe predique nenhuma potência de agir, ou (o que é o mesmo) virtude, que seja própria à natureza de outro e alheia à sua; por isso seu Desejo não pode ser coibido, isto é (pelo Esc. da Prop. 11 desta parte), ele não pode entristecer-se, por contemplar uma virtude em alguém dessemelhante a si e, consequentemente, não poderá invejá-lo. Mas certamente [invejará] a um seu igual, que, supõe-se, tem a mesma natureza que ele. C. Q. D. ÉTICA III Afetos Prop. L
I. O Desejo é a própria essência do homem enquanto é concebida determinada a fazer [agir] algo por uma dada afecção [affectio] sua qualquer. Explicação: Dissemos acima, no Escólio da Proposição 9 desta parte, que o Desejo é o apetite quando dele se tem consciência; e o apetite é a própria essência do homem enquanto determinada a fazer algo que serve a sua própria conservação. Porém, no mesmo Escólio, também adverti que na verdade não reconheço nenhuma diferença entre o apetite humano e o Desejo. Pois seja ou não o homem cônscio de seu apetite, contudo o apetite permanece um só e o mesmo; e por isso, para não parecer que cometia uma tautologia, não quis explicar o Desejo pelo apetite, mas tentei defini-lo de tal maneira que compreendesse de uma só vez todos os esforços da natureza humana que designamos pelos nomes de apetite, vontade, desejo ou ímpeto. Com efeito, poderia ter dito que o Desejo é a própria essência do homem enquanto é concebida determinada a fazer algo, mas desta definição (pela Prop. 23 da parte 2) não seguiria que a Mente pode ser cônscia de seu Desejo, ou seja, de seu apetite. Então, para que eu envolvesse a causa dessa consciência, foi necessário (pela mesma Prop.) acrescentar enquanto é concebida determinada a fazer algo por uma dada afecção [affectio] sua qualquer. Pois por afecção [affectio] da essência humana entendemos uma constituição qualquer desta mesma essência, seja ela inata, seja concebida pelo só atributo do Pensamento, seja pelo da Extensão, seja enfim referida a ambos simultaneamente. Portanto, entendo aqui pelo nome Desejo quaisquer esforços, ímpetos, apetites e volições de um homem que, segundo a variável constituição do mesmo homem, são variáveis e não raro tão opostos uns aos outros que ele é arrastado de diversas maneiras e não sabe para onde voltar-se. ÉTICA III Afetos Definições dos Afetos
Demonstração: Um afeto [affectus], enquanto referido à Mente, é uma ideia pela qual a Mente afirma de seu corpo uma força de existir maior ou menor que antes (pela Definição geral dos Afetos que se encontra no fim da Terceira Parte). Portanto, quando a Mente se defronta com um afeto [affectus], simultaneamente o Corpo é afetado por uma afecção [affectio], pela qual sua potência de agir é aumentada ou diminuída. Além disso, essa afecção [affectio] do Corpo (pela Prop. ÉTICA IV Servidão Prop. VII
5 desta parte) recebe a força para perseverar em seu ser de sua causa; [essa afecção [affectio]], por conseguinte, não pode ser coibida nem suprimida a não ser por uma causa corpórea (pela Prop. 6 da parte 2) que afete o Corpo com uma afecção [affectio] contrária àquela (pela Prop. 5 da parte 3) e mais forte (pelo Axioma desta parte); e por isso (pela Prop. 12 da parte 2) a Mente será afetada pela ideia de uma afecção [affectio] mais forte e contrária à primeira, isto é (pela Definição geral dos Afetos), a Mente será afetada por um afeto [affectus] mais forte e contrário ao primeiro, que excluirá ou suprimirá a existência do primeiro; e, por conseguinte, um afeto [affectus] não pode ser suprimido nem coibido a não ser por um afeto [affectus] contrário e mais forte. C. Q. D. ÉTICA IV Servidão Prop. VII
Corolário: Um afeto [affectus], enquanto referido à Mente, não pode ser coibido nem suprimido a não ser pela ideia de uma afecção [affectio] do Corpo contrária e mais forte que a afecção [affectio] que padecemos. Pois um afeto [affectus] que padecemos não pode ser coibido nem suprimido a não ser por um afeto [affectus] mais forte que ele e contrário (pela Prop. preced.), isto é (pela Definição geral dos Afetos), a não ser pela ideia de uma afecção [affectio] do Corpo mais forte e contrária à afecção [affectio] que padecemos. ÉTICA IV Servidão Prop. VII
Demonstração: Chamamos bem ou mal o que serve ou obsta à conservação de nosso ser (pelas Def. 1 e 2 desta parte), isto é (pela Prop. 7 da parte 3), o que aumenta ou diminui, favorece ou coíbe nossa potência de agir. E assim (pelas Definições de Alegria e de Tristeza que se veem no Esc. da Prop. 11 da parte 3), enquanto percebemos que alguma coisa nos afeta de Alegria ou de Tristeza, chamamo-la boa ou má; e por isso o conhecimento do bem e do mal nada outro é que a ideia de Alegria ou de Tristeza que segue necessariamente do próprio afeto [affectus] de Alegria ou de Tristeza (pela Prop. 22 da parte 2). Ora, esta ideia está unida ao afeto [affectus] da mesma maneira que a Mente está unida ao Corpo (pela Prop. 21 da parte 2), isto é (como mostrado no Esc. da mesma Prop.), esta ideia na verdade não se distingue do próprio afeto [affectus], ou seja (pela Definição geral dos Afetos), da ideia da afecção [affectio] do Corpo, a não ser pelo só conceito; logo, esse conhecimento do bem e do mal nada outro é que o próprio afeto [affectus] enquanto dele somos cônscios. ÉTICA IV Servidão Prop. VIII
Não há nenhuma afecção [affectio] do Corpo de que não possamos formar um conceito claro e distinto. ÉTICA V Intelecto Prop. IV
Demonstração: O que é comum a tudo não pode ser conhecido senão adequadamente (pela Prop. 38 da parte 2), e por isso (pela Prop. iz e Lema 2 que vem depois do Esc. da Prop. 13 da parte 2) não há nenhuma afecção [affectio] do Corpo de que não possamos formar um conceito claro e distinto. C. Q. D. ÉTICA V Intelecto Prop. IV
Corolário: Daí segue que não há nenhum afeto [affectus] de que não possamos formar um conceito claro e distinto. Pois o afeto [affectus] é a ideia de uma afecção [affectio] do Corpo (pela Def. ger. dos Afetos), que por causa disso (pela Prop. preced.) deve envolver um conceito claro e distinto. ÉTICA V Intelecto Prop. IV
Demonstração: Não há nenhuma afecção [affectio] do Corpo de que a Mente não possa formar um conceito claro e distinto (pela Prop. 4 desta parte); por isso pode fazer (pela Prop. 15 da parte 1) com que todas sejam referidas à ideia de Deus. C. Q. D. ÉTICA V Intelecto Prop. XIV
AFECÇÕES
V. Por modo entendo afecções [affectio] da substância, ou seja, aquilo que é em outro, pelo qual também é concebido. ÉTICA I Deus Definições
A substância é anterior por natureza a suas afecções [affectio]. ÉTICA I Deus Prop. I
Duas ou várias coisas distintas distinguem-se entre si ou pela diversidade dos atributos das substâncias, ou pela diversidade das afecções [affectio] das mesmas substâncias. ÉTICA I Deus Prop. IV
Demonstração: Tudo que é, ou é em si ou em outro (pelo Ax. 1), isto é (pelas Def. 3 e 5), fora do intelecto nada é dado exceto substâncias e suas afecções [affectio]. Logo, nada é dado fora do intelecto pelo que várias coisas possam distinguir-se entre si, exceto substâncias, ou seja, o que é o mesmo (pela Def. 4), seus atributos, e suas afecções [affectio]. C. Q. D. ÉTICA I Deus Prop. IV
Demonstração: Se fossem dadas várias [substâncias] distintas, deveriam distinguir-se entre si ou pela diversidade dos atributos ou pela diversidade das afecções [affectio] (pela Prop. preced.). Se apenas pela diversidade dos atributos, concede-se portanto que não se dá senão uma [substância] do mesmo atributo. Por outro lado, se pela diversidade das afecções [affectio], como a substância é anterior por natureza a suas afecções [affectio] (pela Prop. 1), portanto, afastadas as afecções [affectio] e em si considerada, isto é, (pela Def. 3 e Ax. 6) verdadeiramente considerada, não se poderá conceber que seja distinguida de outra, isto é (pela Prop. preced.), não poderão ser dadas várias [substâncias], mas apenas uma. C. Q. D. ÉTICA I Deus Prop. V
Corolário: Daí segue que a substância não pode ser produzida por outro. Com efeito, na natureza das coisas nada é dado exceto substâncias e suas afecções [affectio], como é patente pelo Ax. 1 e pelas Def. 3 e 5. Ora, não pode ser produzida por uma substância (pela Prop. preced.). Logo, a substância não pode absolutamente ser produzida por outro. C. Q. D. Doutra Maneira: Isto também é demonstrado mais facilmente pelo absurdo do contraditório. Com efeito, se a substância pudesse ser produzida por outro, seu conhecimento deveria depender do conhecimento de sua causa (pelo Ax. 4), e então (pela Def. 3) não seria substância. ÉTICA I Deus Prop. VI
Corolário II: Segue: IIº que a coisa extensa e a coisa pensante são ou atributos de Deus ou (pelo Ax. 1) afecções [affectio] dos atributos de Deus. ÉTICA I Deus Prop. XIV
Corolário: As coisas particulares nada são senão afecções [affectio] dos atributos de Deus, ou seja, modos, pelos quais os atributos de Deus se exprimem de maneira certa e determinada. A Demonstração é patente pela Proposição 15 e Definição 5. ÉTICA I Deus Prop. XXV
Demonstração: Tudo que é determinado a existir e operar, assim é determinado por Deus (pela Prop. 16 e Corol. da Prop. 24). Mas aquilo que é finito e tem existência determinada não pôde ser produzido pela natureza absoluta de algum atributo de Deus, pois tudo que segue da natureza absoluta de algum atributo de Deus é infinito e eterno (pela Prop. 11). Logo, deve ter seguido ou de Deus ou de algum atributo dele enquanto considerado afetado por algum modo; com efeito, além da substância e dos modos nada é dado (pelo Ax. 1 e Def. 3 e 5); e os modos (pelo Corol. da Prop. 25) nada são senão afecções [affectio] dos atributos de Deus. Ora, também não pôde seguir de Deus ou de algum atributo dele enquanto afetado por uma modificação que é eterna e infinita (pela Prop. 22). Logo, deve ter seguido ou sido determinado a existir e operar por Deus ou algum atributo dele enquanto modificado por uma modificação que é finita e tem existência determinada; o que era o primeiro. Ademais, por sua vez, esta causa, ou seja, este modo (pela mesma razão pela qual demonstramos, há pouco, a primeira parte desta), deve também ter sido determinada por outra, que também é finita e tem existência determinada, e por sua vez esta última (pela mesma razão) o é por outra, e assim sempre (pela mesma razão) ao infinito. C. Q. D. ÉTICA I Deus Prop. XXVIII
O intelecto, finito em ato ou infinito em ato, deve compreender os atributos de Deus e as afecções [affectio] de Deus, e nada outro. ÉTICA I Deus Prop. XXX
Demonstração: A ideia verdadeira deve convir com seu ideado (pelo Ax. 6), isto é (como é conhecido por si), o que está contido objetivamente no intelecto deve necessariamente ser dado na Natureza; ora, na Natureza (pelo Corol. 1 da Prop. 14) não é dada senão uma única substância, Deus, e nenhumas outras afecções [affectio] (pela Prop. 15) senão as que são em Deus, as quais (pela mesma Prop.) sem Deus não podem ser nem ser concebidas; logo, o intelecto, finito em ato ou infinito em ato, deve compreender os atributos de Deus e as afecções [affectio] de Deus, e nada outro. C. Q. D. ÉTICA I Deus Prop. XXX
Depois que os homens se persuadiram de que tudo que ocorre, ocorre em vista deles próprios, deveram julgar por principal em cada coisa aquilo que lhes é utilissimo, e estimar excelentíssimo tudo aquilo pelo que eram afetados da melhor maneira. Donde terem devido formar, para explicar as naturezas das coisas, estas noções: Bem, Mal, Ordem, Confusão, Quente, Frio, Beleza e Feiura; e porque se reputam livres, disso nasceram estas noções: Louvor, Vitupério, Pecado e Mérito. Explicarei as últimas mais à frente, depois que me tiver ocupado da natureza humana; as primeiras, porém, aqui brevemente. De fato, chamaram Bem a tudo que conduz à boa saúde e ao culto de Deus, e Mal, por outro lado, ao que é contrário a isso. E como esses que não entendem a natureza das coisas nada afirmam sobre elas, mas apenas as imaginam e tomam a imaginação pelo intelecto, por isso creem firmemente, ignorantes que são da natureza das coisas e da sua própria, haver ordem nas coisas. Pois quando elas são de tal maneira dispostas que, ao nos serem representadas pelos sentidos, podemos facilmente imaginá-las e, por conseguinte, facilmente recordá-las, dizemos que são bem ordenadas; se o contrário, dizemos que são mal ordenadas, ou seja, confusas. E visto que as coisas que podemos facilmente imaginar nos são mais agradáveis que as outras, por isso os homens preferem a ordem à confusão, como se a ordem fosse algo na natureza para além da relação com nossa imaginação; e dizem que Deus criou tudo com ordem e, desta maneira, sem saber, atribuem imaginação a Deus; a não ser talvez que queiram que Deus, provendo à imaginação humana, tenha disposto as coisas de tal maneira que os homens pudessem facilimamente imaginá-las; e não lhes será empecilho que se encontrem infinitas coisas que de longe superam nossa imaginação, e muitas que a confundem devido a sua fraqueza. Mas sobre isso basta. Em seguida, as noções restantes também nada são além de modos de imaginar, pelos quais a imaginação é afetada de diversas maneiras, e não obstante são consideradas pelos ignorantes como os principais atributos das coisas porque, como já dissemos, creem que todas as coisas são feitas em vista deles próprios e dizem que a natureza de algo é boa ou má, sã ou podre e corrompida, conforme são afetados por ela. Por exemplo, se o movimento que os nervos recebem dos objetos representados pelos olhos conduz à boa saúde, os objetos pelos quais é causado são ditos belos, ao passo que os que provocam o movimento contrário, feios. Em seguida, aos que movem o sentido pelas narinas, chamam cheirosos ou fétidos; pela língua, doces ou amargos, sápidos ou insípidos, etc. Pelo tato, duros ou moles, ásperos ou lisos, etc. E, por fim, os que movem os ouvidos são ditos produzir ruído, som ou harmonia, a qual enlouqueceu os homens a ponto de crerem que também Deus nela se deleita. Nem faltaram Filósofos que se persuadissem de que os movimentos celestes compõem uma harmonia. Tudo isso mostra suficientemente que cada um julgou acerca das coisas conforme a disposição do seu cérebro, ou melhor, tomou por coisas as afecções [affectio] da imaginação. Por isso não é de admirar (notemo-lo ainda de passagem) que tenham nascido entre os homens todas as controvérsias de que temos experiência, dentre as quais finalmente o Ceticismo. Pois embora os corpos humanos convenham em muitas coisas, discrepam contudo em várias, e por isso o que a um parece bom, a outro parece mau; o que a um parece ordenado, a outro, confuso; o que a um é agradável, a outro, desagradável; e assim do restante, de que aqui me abstenho, tanto porque não é este o lugar de tratá-lo minuciosamente quanto porque todos já o experimentaram. Com efeito, está na boca de todos: cada cabeça uma sentença, cada qual abunda em opiniões, não há menos diferença entre cérebros do que entre gostos: estas sentenças mostram suficientemente que os homens julgam sobre as coisas conforme a disposição do seu cérebro, e que as imaginam mais do que as entendem. Com efeito, se entendessem as coisas, estas, se não atraíssem, no mínimo convenceríam, como atesta a Matemática. ÉTICA I Deus Apêndice
Demonstração: O intelecto infinito nada compreende além dos atributos de Deus e suas afecções [affectio] (pela Prop. 30 da parte 1). Ora, Deus é único (pelo Corol. da Prop. 14 da parte 1). Logo, a ideia de Deus, da qual seguem infinitas coisas em infinitos modos, só pode ser única. C. Q. D. ÉTICA II Prop. IV
Demonstração: Com efeito, se o Corpo não fosse o objeto da Mente humana, as ideias das afecções [affectio] do Corpo não seriam em Deus (pelo Corol. da Prop. 9 desta parte) enquanto constituísse a nossa Mente, mas enquanto constituísse a mente de uma outra coisa, isto é (pelo Corol. da Prop. 11 desta parte), as ideias das afecções [affectio] do Corpo não seriam em nossa Mente. Ora (pelo Axioma 4 desta parte), temos as ideias das afecções [affectio] do corpo; portanto, o objeto da ideia que constitui a Mente humana é o Corpo, e este (pela Prop. 11 desta parte) é existente em ato. Ademais, se além do Corpo houvesse também um outro objeto da Mente, visto que não existe nada (pela Prop. 36 da parte 1) de que não siga algum efeito, então em nossa mente deveria dar-se necessariamente (pela Prop. 12 desta parte) uma ideia de algum efeito dele. Ora (pelo Axioma 5 desta parte), nenhuma ideia dele é dada. Logo, o objeto da nossa Mente é o Corpo existente, e nada outro. C. Q. D. ÉTICA II Prop. XIII
Escólio: Vemos, pois, de que maneira pode ocorrer que contemplemos como que presentes coisas que não o são, tal como ocorre frequentemente. E pode ser que isso aconteça por outras causas; para mim, porém, basta ter mostrado aqui uma pela qual eu possa explicar a coisa como se a tivesse mostrado pela causa verdadeira; contudo, não creio desviar-me muito da verdadeira, visto que todos os postulados que assumi dificilmente contêm algo que não se constate pela experiência, da qual não nos é lícito duvidar depois que mostramos que o Corpo humano existe tal como o sentimos (ver Corol. após a Prop. 13 desta parte). Ademais (pelo Corol. preced. e Corol. 2 da Prop. 16 desta parte), entendemos claramente qual diferença há entre uma ideia, por ex. a de Pedro, que constitui a essência da Mente do próprio Pedro, e a ideia do próprio Pedro que está em outro homem, digamos Paulo. Com efeito, a primeira explica diretamente a essência do Corpo do próprio Pedro, e não envolve a existência senão enquanto Pedro existe; a segunda, porém, indica mais a constituição do corpo de Paulo do que a natureza de Pedro, e por isso, enquanto durar essa constituição do corpo de Paulo, a Mente de Paulo, ainda que Pedro não exista, contudo o contemplará como presente a si. Ademais, para empregarmos as palavras usuais, chamaremos imagens das coisas as afecções [affectio] do Corpo humano cujas ideias representam os Corpos externos como que presentes a nós, ainda que não reproduzam as figuras das coisas. E quando a Mente contempla os corpos desta maneira, diremos que imagina. E aqui, para começar a indicar o que seja o erro, eu gostaria que se notasse que as imaginações da mente, consideradas em si mesmas, nada contêm de erro, ou seja, a Mente não erra pelo fato de imaginar, mas erra somente enquanto se considera que ela carece da ideia que exclui a existência das coisas que imagina presentes a si. Pois se a Mente, quando imagina coisas não existentes como presentes a si, simultaneamente soubesse que tais coisas não existem verdadeiramente, decerto atribuiria esta potência de imaginar à virtude de sua natureza, e não ao vício; sobretudo se esta faculdade de imaginar dependesse de sua só natureza, isto é (pela Def. 7 da parte 1), se esta faculdade de imaginar da mente fosse livre. ÉTICA II Prop. XVII
Escólio: Daqui claramente entendemos o que seja a Memória. Com efeito, não é nada outro que alguma concatenação de ideias que envolvem a natureza das coisas que estão fora do Corpo humano, a qual ocorre na Mente segundo a ordem e a concatenação das afecções [affectio] do Corpo humano. Digo, primeiro, que a concatenação é apenas daquelas ideias que envolvem a natureza das coisas que estão fora do Corpo humano, e não das ideias que explicam a natureza dessas mesmas coisas. Pois, em verdade, são (pela Prop. 16 desta parte) ideias das afecções [affectio] do Corpo humano, que envolvem tanto a natureza dele quanto a dos corpos externos. Digo, segundo, que essa concatenação ocorre conforme a ordem e a concatenação das afecções [affectio] do Corpo humano, para distingui-la da concatenação de ideias que ocorre segundo a ordem do intelecto, pela qual a mente percebe as coisas por suas causas primeiras e que é a mesma em todos os homens. Além disso, daí entendemos claramente por que a Mente, a partir do pensamento de uma coisa, incide de imediato no pensamento de outra coisa que nenhuma semelhança possui com a primeira; como, por exemplo, a partir do pensamento da palavra pomum, um Romano imediatamente incide no pensamento de um fruto que não possui nenhuma semelhança com aquele som articulado nem algo em comum senão que o Corpo do mesmo homem foi muitas vezes afetado por essas duas coisas, isto é, que esse homem muitas vezes ouviu a palavra pomum enquanto via este fruto; e assim, cada um, a partir de um pensamento, incide em outro, conforme o costume de cada um ordenou as imagens das coisas no corpo. Pois um soldado, por exemplo, tendo visto na areia os vestígios de um cavalo, a partir do pensamento do cavalo incide imediatamente no pensamento do cavaleiro e daí no pensamento da guerra, etc. Mas um Camponês, a partir do pensamento do cavalo, incide no pensamento do arado, do campo, etc., e assim cada um, conforme costumou juntar e concatenar as imagens das coisas desta ou daquela maneira, a partir de um pensamento incidirá em tal ou tal outro. ÉTICA II Prop. XVIII
A Mente humana não conhece o próprio Corpo humano nem sabe que ele existe senão pelas ideias das afecções [affectio] pelas quais o Corpo é afetado. ÉTICA II Prop. XIX
Demonstração: A Mente humana, com efeito, é a própria ideia, ou seja, o conhecimento do Corpo humano (pela Prop. 13 desta parte), a qual (pela Prop. 9 desta parte) certamente está em Deus enquanto considerado afetado por uma outra ideia de coisa singular; ou ainda, porque (pelo Post. 4) o Corpo humano precisa de muitíssimos corpos pelos quais é continuamente como que regenerado, e a ordem e conexão das ideias é (pela Prop. 7 desta parte) a mesma que a ordem e conexão das causas, aquela ideia estará em Deus enquanto considerado afetado por ideias de muitíssimas coisas singulares. Assim, Deus tem a ideia do Corpo humano, ou seja, conhece o Corpo humano, enquanto é afetado por muitíssimas outras ideias, e não enquanto constitui a natureza da Mente humana, isto é (pelo Corol. da Prop. 11 desta parte), a Mente humana não conhece o corpo humano. Mas as ideias das afecções [affectio] do Corpo estão em Deus enquanto constitui a natureza da Mente humana, ou seja, a Mente humana percebe essas afecções [affectio] (pela Prop. 11 desta parte) e, consequentemente (pela Prop. 16 desta parte), o próprio Corpo humano, e este (pela Prop. 17 desta parte) como existente em ato; logo, a Mente humana percebe o Corpo humano apenas nesta medida. C. Q. D. ÉTICA II Prop. XIX
Demonstração: O Pensamento é atributo de Deus (pela Prop. 1 desta parte) e por isso (pela Prop. 3 desta parte) tanto dele quanto de todas as suas afecções [affectio] e, por consequência (pela Prop. 11 desta parte), também da Mente humana, deve necessariamente dar-se em Deus a ideia. Ademais, não segue que essa ideia ou conhecimento da Mente se dê em Deus enquanto infinito, mas enquanto afetado por outra ideia de coisa singular (pela Prop. 9 desta parte). Mas a ordem e conexão das ideias é a mesma que a ordem e conexão das causas (pela Prop. 7 desta parte); logo, essa ideia ou conhecimento da Mente segue em Deus e é referida a Deus da mesma maneira que a ideia ou conhecimento do Corpo. C. Q. D. ÉTICA II Prop. XX
A Mente humana percebe não somente as afecções [affectio] do Corpo, mas também as ideias dessas afecções [affectio]. ÉTICA II Prop. XXII
Demonstração: As ideias das ideias das afecções [affectio] seguem em Deus da mesma maneira e são referidas a Deus da mesma maneira que as próprias ideias das afecções [affectio]; o que é demonstrado da mesma maneira que a Proposição 10 desta parte. Ora, as ideias das afecções [affectio] do Corpo estão na Mente humana (pela Prop. 11 desta parte), isto é (pelo Corol. da Prop. 11 desta parte), em Deus enquanto constitui a essência da Mente humana; logo, as ideias daquelas ideias estarão em Deus enquanto tem o conhecimento, ou seja, a ideia da Mente humana, isto é (pela Prop. 21 desta parte), estarão na própria Mente humana, a qual, por isso, percebe não somente as afecções [affectio] do Corpo, mas também as ideias delas. C. Q. D. ÉTICA II Prop. XXII
A Mente não conhece a si própria senão enquanto percebe as ideias das afecções [affectio] do Corpo. ÉTICA II Prop. XXIII
Demonstração: A ideia ou conhecimento da Mente (pela Prop. 20 desta parte) segue em Deus da mesma maneira e é referida a Deus da mesma maneira que a ideia ou conhecimento do corpo. Ora, uma vez que (pela Prop. 19 desta parte) a Mente humana não conhece o próprio Corpo humano, isto é (pelo Corol. da Prop. 11 desta parte), uma vez que o conhecimento do Corpo humano não é referido a Deus enquanto constitui a natureza da Mente humana; logo, nem o conhecimento da Mente é referido a Deus enquanto constitui a essência da Mente humana; e, sendo assim (pelo mesmo Corol. da Prop. 11 desta parte), nesta medida a Mente humana não conhece a si própria. Em seguida, as ideias das afecções [affectio] pelas quais o Corpo é afetado envolvem a natureza do próprio Corpo humano (pela Prop. 16 desta parte), isto é (pela Prop. 13 desta parte), convêm com a natureza da Mente; por isso o conhecimento dessas ideias necessariamente envolverá o conhecimento da Mente; ora (pela Prop. preced.), o conhecimento dessas ideias está na própria Mente humana; logo, somente nesta medida a Mente humana conhece a si própria. C. Q. D. ÉTICA II Prop. XXIII
A Mente humana não percebe nenhum corpo externo como existente em ato senão pelas ideias das afecções [affectio] do seu Corpo. ÉTICA II Prop. XXVI
Demonstração: Quando a Mente humana contempla corpos externos pelas ideias das afecções [affectio] de seu Corpo, dizemos que então imagina (ver Esc. da Prop. 17 desta parte); e sob nenhuma outra condição a Mente (pela Prop. preced.) pode imaginar corpos externos como existentes em ato. E por isso (pela Prop. 2.5 desta parte), enquanto a Mente imagina corpos externos, não tem deles conhecimento adequado. C. Q. D. ÉTICA II Prop. XXVI
As ideias das afecções [affectio] do Corpo humano, enquanto referidas apenas à Mente humana, não são claras e distintas, mas confusas. ÉTICA II Prop. XXVIII
Demonstração: Com efeito, as ideias das afecções [affectio] do Corpo humano envolvem tanto a natureza dos corpos externos como a do próprio Corpo humano (pela Prop. 16 desta parte) e devem envolver não apenas a natureza do Corpo humano, mas também a de suas partes, pois as afecções [affectio] são as maneiras (pelo Post. 3) pelas quais as partes do Corpo humano e, consequentemente, o Corpo inteiro são afetados. Ora (pelas Prop. 14 e 25 desta parte), o conhecimento adequado dos corpos externos, assim como das partes que compõem o Corpo humano, não está em Deus enquanto considerado afetado pela Mente humana, mas por outras ideias. Logo, estas ideias das afecções [affectio], enquanto referidas à só Mente humana, são como consequências sem premissas, isto é (como é conhecido por si), ideias confusas. C. Q. D. ÉTICA II Prop. XXVIII
Escólio: Da mesma maneira se demonstra que, em si só considerada, a ideia que constitui a natureza da Mente humana não é clara e distinta; como também a ideia da Mente humana e as ideias das ideias das afecções [affectio] do Corpo humano enquanto referidas à só Mente, o que cada um pode ver facilmente. ÉTICA II Prop. XXVIII
Corolário: Donde segue que a Mente humana, toda vez que percebe as coisas na ordem comum da natureza, não tem de si própria, nem de seu Corpo, nem dos corpos externos conhecimento adequado, mas apenas confuso e mutilado. Pois a mente não conhece a si própria senão enquanto percebe as ideias das afecções [affectio] do corpo (pela Prop. 13 desta parte). E não percebe o seu Corpo (pela Prop. 19 desta parte) senão pelas próprias ideias das afecções [affectio], e também somente por elas (pela Prop. 16 desta parte) percebe os corpos externos; e por isso, enquanto as tem, a Mente não tem de si própria (pela Prop. 19 desta parte), nem de seu Corpo (pela Prop. ij desta parte), nem dos corpos externos (pela Prop. 15 desta parte) conhecimento adequado, mas apenas (pela Prop. 18 desta parte e seu Esc.) mutilado e confuso. C. Q. D. ÉTICA II Prop. XXIX
Demonstração: Seja A algo que é comum a todos os corpos e que está igualmente na parte e no todo de qualquer corpo. Digo A não poder ser concebido senão adequadamente. Pois a sua ideia (pelo Corol. da Prop. 7 desta parte) será necessariamente adequada em Deus, tanto enquanto tem a ideia do Corpo humano, como enquanto tem as ideias das afecções [affectio] do mesmo, as quais (pelas Prop. 16, 25 e 27 desta parte) envolvem parcialmente tanto a natureza do Corpo humano, como a dos corpos externos, isto é (pelas Prop. 12 e 13 desta parte), essa ideia será necessariamente adequada em Deus enquanto constitui a Mente humana, ou seja, enquanto tem as ideias que estão na Mente humana; portanto (pelo Corol. da Prop. II desta parte), a Mente necessariamente percebe A adequadamente, e tanto enquanto percebe a si mesma, como enquanto percebe o seu ou qualquer corpo externo, e A não pode ser concebido de outra maneira. C. Q. D. ÉTICA II Prop. XXXVIII
III. Por Afeto entendo as afecções [affectio] do Corpo pelas quais a potência de agir do próprio Corpo é aumentada ou diminuída, favorecida ou coibida, e simultaneamente as ideias destas afecções [affectio]. ÉTICA III Afetos Definições
Assim, se podemos ser causa adequada de alguma destas afecções [affectio], então por Afeto entendo ação; caso contrário, paixão. ÉTICA III Afetos Definições
Demonstração: A essência da Mente é constituída por ideias adequadas e inadequadas (como mostramos na Prop. 3 desta parte), por isso (pela Prop. 7 desta parte), tanto enquanto tem umas como enquanto tem outras, esforça-se para perseverar em seu ser; e isto (pela Prop. 8 desta parte) por uma duração indefinida. Mas como (pela Prop. 13 da parte 2) pelas ideias das afecções [affectio] do Corpo a Mente é necessariamente cônscia de si, logo (pela Prop. 7 desta parte), a Mente é cônscia de seu esforço. C. Q. D. ÉTICA III Afetos Prop. IX
Demonstração: Quem imagina que afeta outros de Alegria ou Tristeza é por isso mesmo afetado de Alegria ou Tristeza (pela Prop. 27 desta parte). E como o homem é cônscio de si através das afecções [affectio] pelas quais é determinado a agir (pelas prop. 19 e 23 da parte 2), logo quem fez algo que imagina afetar outros de Alegria será afetado de Alegria tendo consciência de si próprio como causa, ou seja, contemplará a si próprio com Alegria; e também o contrário. C. Q. D. ÉTICA III Afetos Prop. XXX
Escólio: Assim vemos como, por natureza, a maioria dos homens está constituída de tal maneira que se comisera dos que estão mal e inveja os que estão bem, e (pela Prop. preced.) com um ódio tanto maior quanto mais amam a coisa que imaginam ser possuída pelo outro. Vemos, ainda, que da mesma propriedade da natureza humana da qual segue que os homens são misericordiosos, segue também que são invejosos e ambiciosos. Por fim, se quisermos consultar a própria experiência, experimentaremos que ela nos ensina todas essas coisas; sobretudo se prestarmos atenção aos primeiros anos de vida. Pois experimentamos que as crianças, uma vez que seu corpo está continuamente como que em equilíbrio, riem ou choram só de ver outros rindo ou chorando e, além disso, o que quer que vejam os outros fazendo, de pronto desejam imitar e, enfim, desejam para si tudo que imaginam deleitar os outros; não é de admirar, visto que as imagens das coisas, como dissemos, são as próprias afecções [affectio] do Corpo humano, ou seja, as maneiras como o Corpo humano é afetado por causas externas e disposto a fazer isso ou aquilo. ÉTICA III Afetos Prop. XXXII
Demonstração: O homem não conhece a si próprio senão pelas afecções [affectio] de seu Corpo e as ideias delas (pela Prop. 19 e 23 da parte 2). Logo, quando acontece de a Mente poder contemplar a si própria, por isso mesmo supõe-se que passa a maior perfeição, isto é (pelo Esc. da Prop. II desta parte), é afetada de alegria, e tanto maior quanto mais distintamente pode imaginar a si e a sua potência de agir. C. Q. D. ÉTICA III Afetos Prop. L
Escólio: Todas as ações que seguem dos afetos [affectus] referidos à Mente enquanto entende eu refiro à Fortaleza, que distingo em Firmeza e Generosidade. Pois por Firmeza entendo o Desejo pelo qual cada um se esforça para conservar seu ser pelo só ditame da razão. Por Generosidade entendo o Desejo pelo qual cada um se esforça para favorecer os outros homens e uni-los a si por amizade pelo só ditame da razão. Assim, as ações que visam só ao útil do agente refiro à Firmeza, e as que visam também ao útil do outro, à Generosidade. Portanto a Temperança, a Sobriedade, a presença de espírito nos perigos, etc. são espécies de Firmeza; já a Modéstia, a Clemência etc. são espécies de Generosidade. E com isso julgo ter explicado e mostrado por suas primeiras causas os principais afetos [affectus] e flutuações do ânimo que se originam da composição dos três afetos [affectus] primitivos: Desejo, Alegria e Tristeza. Donde revela-se que somos agitados por causas externas de muitas maneiras e que flutuamos tal qual ondas do mar agitadas por ventos contrários, ignorantes de nosso desenlace e do destino. Mas afirmei ter mostrado apenas os principais conflitos do ânimo, e não todos que podem dar-se. De fato, pela mesma via podemos mostrar facilmente que o Amor se une ao Arrependimento, ao Desdém, à Vergonha, etc. Mais ainda, creio constar claramente a cada um, a partir do já dito, que os afetos [affectus] podem compor-se uns com os outros de tantas maneiras, e daí podem originar-se tantas variações, que não podem ser definidos por nenhum número. Todavia, para meu intuito, basta ter enumerado apenas os principais, pois os restantes, que omiti, atenderiam mais à curiosidade do que à utilidade. Sobre o Amor, porém, resta algo a notar: ao fruirmos uma coisa que apetecíamos, acontece mui frequentemente que, por esta fruição, o Corpo adquira uma nova constituição pela qual seja determinado diferentemente e se excitem nele outras imagens de coisas; e simultaneamente a Mente começa a imaginar umas coisas e a desejar outras. P. ex, quando imaginamos algo que costuma deleitar-nos pelo sabor, desejamos fruí-lo, quer dizer, comê-lo. Ora, enquanto assim o fruímos, o estômago se enche e o Corpo é diferentemente constituído. Se então, já disposto diferentemente o Corpo, for fomentada a imagem daquele alimento, visto que está presente, e, consequentemente, também fomentado o esforço ou Desejo de comê-lo, a nova constituição se oporá a este Desejo ou esforço e, consequentemente, a presença do alimento que apetecíamos será odiosa, o que chamamos Fastio e Tédio. De resto, negligenciei as afecções [affectio] externas do Corpo que são observadas nos afetos [affectus], como o tremor, a lividez, o soluço, o riso, etc., dado que são referidos só ao Corpo, sem nenhuma relação com a Mente. Por fim, cumpre notar algumas coisas a respeito das definições dos afetos [affectus], que por isso aqui repetirei por ordem, intercalando-lhes o que couber observar em cada uma. ÉTICA III Afetos Prop. LIX
Conforme os pensamentos e as ideias das coisas são ordenados e concatenados na Mente, assim também, à risca, as afecções [affectio] do corpo ou imagens das coisas são ordenadas e concatenadas no Corpo. ÉTICA V Intelecto Prop. I
Demonstração: A ordem e conexão das ideias é a mesma (pela Prop. 7 da parte 1) que a ordem e conexão das coisas e, vice-versa, a ordem e conexão das coisas é a mesma (pelos corolários das Prop. 6 e 7 da parte 2) que a ordem e conexão das ideias. Por isso, assim como a ordem e conexão das ideias na Mente ocorre segundo a ordem e concatenação das afecções [affectio] do Corpo (pela Prop. 18 da parte 2), também vice-versa (pela Prop. 1 da parte 3) a ordem e conexão das afecções [affectio] do Corpo ocorre conforme os pensamentos e as ideias das coisas são ordenados e concatenados na Mente. C. Q. D. ÉTICA V Intelecto Prop. I
Enquanto não nos defrontamos com afetos [affectus] que são contrários à nossa natureza, temos o poder de ordenar e concatenar as afecções [affectio] do Corpo segundo a ordem do intelecto. ÉTICA V Intelecto Prop. X
Demonstração: Os afetos [affectus] que são contrários à nossa natureza, isto é (pela Prop. 30 da parte 4), que são maus, são maus apenas enquanto impedem que a Mente entenda (pela Prop. 27 da parte 4). Então, enquanto [quamdiu] não nos defrontamos com afetos [affectus] que são contrários à nossa natureza, a potência da Mente pela qual se esforça para entender as coisas (pela Prop. 26 da parte 4) não é impedida, e por isso tem o poder de formar ideias claras e distintas e deduzi-las umas das outras (ver Esc. 2 da Prop. 40 e Esc. da Prop. 47 da parte 2); e, consequentemente (pela Prop. 1 desta parte), temos o poder de ordenar e concatenar as afecções [affectio] do Corpo segundo a ordem do intelecto. C. Q. D. ÉTICA V Intelecto Prop. X
Escólio: Por este poder de corretamente ordenar e concatenar as afecções [affectio] do Corpo, podemos fazer com que não sejamos facilmente afetados por afetos [affectus] maus. Pois (pela Prop. 7 desta parte) requer-se uma maior força para coibir Afetos ordenados e concatenados segundo a ordem do intelecto do que para coibir os incertos e vagos. Portanto, o melhor que podemos fazer enquanto [quamdiu] não temos o conhecimento perfeito de nossos afetos [affectus] é conceber uma reta regra de viver ou certos dogmas de vida, confiá-los à memória e aplicá-los continuamente às coisas particulares que frequentemente se apresentam na vida, para que assim nossa imaginação seja largamente afetada por eles e eles nos estejam sempre à mão. P. ex.: pusemos entre os dogmas de vida (ver Prop. 46 da parte 4 com seu Esc.) vencer o Ódio com Amor ou Generosidade, e não compensá-lo com Ódio recíproco. E para que tenhamos esta prescrição da razão sempre à mão quando for preciso, cumpre pensar e meditar frequentemente nas injúrias comuns dos homens, bem como na maneira e na via pela qual são repelidas otimamente pela Generosidade; com efeito, assim uniremos a imagem da injúria à imaginação deste dogma, e ele nos estará sempre à mão (pela Prop. 18 da parte 2) quando sofrermos injúria. De fato, se também tivermos à mão a regra do que nos é verdadeiramente útil, bem como do bem que segue da amizade mútua e da sociedade comum, e, além disso, levarmos em conta que da reta regra de viver se origina o sumo contentamento do ânimo (pela Prop. 52 da parte 4), e que os homens, como o resto, agem pela necessidade da natureza; então a injúria, ou seja, o Ódio que dela costuma originar-se, ocupará uma parte mínima da imaginação e será facilmente superada; e se a Ira, que costuma originar-se das maiores injúrias, não for tão facilmente superada, contudo, ainda que com flutuação do ânimo, ela será superada em um espaço de tempo muito menor do que se não tivéssemos meditado previamente sobre estas coisas, como é patente pelas Prop. 6, 7 e 8 desta parte. Do mesmo modo, cumpre pensar na Firmeza para que se derrube o Medo; a saber, cumpre enumerar e imaginar frequentemente os perigos comuns da vida e a maneira como podem ser otimamente evitados e superados pela presença de espírito e pela fortaleza. É de notar, porém, que ao ordenar nossos pensamentos e imagens, cumpre-nos sempre prestar atenção (pelo Corol. da Prop. 63 da parte 4 e Prop. 59 da parte 3) àquilo que é bom em cada coisa, para que assim sejamos determinados a agir sempre pelo afeto [affectus] de Alegria. P.ex.: se alguém vê que persegue excessivamente a glória, que ele pense em seu uso correto, no fim em vista do qual cabe persegui-la e nos meios para poder adquiri-la, mas não em seu abuso, vanidade, na inconstância dos homens ou em outras coisas deste tipo, sobre as quais ninguém pensa senão por perturbação do ânimo; com efeito, tais pensamentos afligem ao máximo os maximamente ambiciosos quando estes desesperam de alcançar a honra que ambicionam; e, ao vomitar Ira, querem parecer sábios. Por isso é certo que são ao máximo desejosos de glória aqueles que ao máximo clamam contra o seu abuso e a vanidade do mundo. E isto não é próprio somente aos ambiciosos, mas é comum a todos aos quais a fortuna é adversa e que são impotentes de ânimo. Pois, sendo pobre, também o avaro não cessa de falar do abuso do dinheiro e dos vícios dos ricos, e não faz outra coisa senão afligir-se e mostrar aos outros que suporta com dificuldade não apenas sua pobreza, mas igualmente as riquezas alheias. Assim também aqueles que são mal recebidos pela amante não pensam em nada além da inconstância das mulheres, de seu ânimo falaz e de seus outros decantados vícios, os quais eles rapidamente devolvem ao esquecimento tão logo voltem a ser acolhidos pela amante. Portanto, quem se empenha em moderar seus afetos [affectus] e apetites pelo só amor da Liberdade, aplica-se, o quanto pode, em conhecer as virtudes e suas verdadeiras causas, e em encher o ânimo do gozo que se origina do verdadeiro conhecimento delas; mas de jeito nenhum em contemplar os vícios humanos, difamar os homens e regozijar-se com uma falsa espécie de liberdade. E aquele que diligentemente observar estas coisas (e, de fato, não são difíceis) e exercitá-las, em breve espaço de tempo poderá dirigir suas ações, no mais das vezes, pelo império da razão. ÉTICA V Intelecto Prop. X
A Mente pode fazer com que todas as afecções [affectio] do Corpo ou imagens das coisas sejam referidas à ideia de Deus. ÉTICA V Intelecto Prop. XIV
Demonstração: Com efeito, este Amor é unido a todas as afecções [affectio] do Corpo (pela Prop. 14 desta parte), por todas as quais é fomentado (pela Prop. 15 desta parte); por isso (pela Prop. 11 desta parte), deve ocupar a Mente ao máximo. C. Q. D. ÉTICA V Intelecto Prop. XVI
Escólio: Da mesma maneira podemos mostrar que não se dá nenhum afeto [affectus] que seja diretamente contrário a este Amor e pelo qual ele possa ser destruído, e por isso podemos concluir que este Amor a Deus é o mais constante de todos os afetos [affectus] e, enquanto é referido ao Corpo, não pode ser destruído senão com o próprio Corpo. De qual natureza ele seja enquanto é referido à só Mente, veremos depois. E com isto abarquei todos os remédios para os afetos [affectus], ou seja, tudo que a Mente, considerada em si mesma, pode frente aos afetos [affectus]; donde transparece que a potência da Mente sobre os afetos [affectus] consiste: Iº No próprio conhecimento dos afetos [affectus] (ver Esc. da Prop. 1 desta parte). IIº Em separar os afetos [affectus] do pensamento da causa externa que imaginamos confusamente (ver Prop. I com o mesmo Esc. da Prop. 4 desta parte). IIIº No tempo pelo qual as afecções [affectio] que são referidas a coisas que entendemos superam aquelas referidas a coisas que concebemos confusa ou mutiladamente (ver Prop. 7 desta parte). IVº Na multidão das causas pelas quais são fomentadas as afecções [affectio] que são referidas às propriedades comuns das coisas ou a Deus (ver Prop. 9 e 11 desta parte). Vº Por fim, na ordem pela qual a Mente pode ordenar seus afetos [affectus] e concatená-los uns com os outros (ver Esc. da Prop. 10 e, além disso, as Prop. iz, 13 e 14 desta parte). Mas, para que seja melhor entendida esta potência da Mente sobre os afetos [affectus], cabe notar, antes de tudo, que chamamos os afetos [affectus] de grandes quando comparamos o afeto [affectus] de um homem com o afeto [affectus] de outro e vemos que um se defronta mais do que o outro com o mesmo afeto [affectus], ou quando comparamos uns com os outros os afetos [affectus] de um mesmo homem e constatamos que ele é mais afetado, ou seja, movido, por um afeto [affectus] do que por outro. Com efeito (pela Prop. 5 da parte 4), a força de um afeto [affectus] qualquer é definida pela potência da causa externa comparada à nossa. Ora, a potência da Mente é definida pelo só conhecimento, ao passo que a impotência ou paixão é estimada pela só privação de conhecimento, isto é, por meio daquilo pelo que as ideias são ditas inadequadas; donde segue que padece ao máximo aquela Mente cuja maior parte é constituída por ideias inadequadas, de maneira que é discernida mais pelo que ela padece do que pelo que ela faz [age]; e, ao contrário, age ao máximo a Mente cuja maior parte é constituída por ideias adequadas, de maneira que, embora nesta estejam tantas ideias inadequadas quanto naquela, contudo é discernida mais pelas que são atribuídas à virtude humana do que pelas que denunciam a impotência humana. Ademais, é de notar que as enfermidades e infortúnios do ânimo têm sua origem principalmente no Amor excessivo a uma coisa que está submetida a muitas variações e de que nunca podemos ser possuidores. Com efeito, ninguém fica agitado ou ansioso senão pela coisa que ama, e nem se originam injúrias, suspeitas, inimizades etc. senão do Amor às coisas que ninguém deveras pode possuir. Por conseguinte, disso facilmente concebemos o que o conhecimento claro e distinto – e precipuamente aquele terceiro gênero de conhecimento (sobre o qual, ver Esc. da Prop. 47 da parte 2), cujo fundamento é o próprio conhecimento de Deus – pode sobre os afetos [affectus], aos quais, enquanto são paixões, se ele não suprime absolutamente (ver Prop. 3 com o Esc. da Prop. 4 desta parte), ao menos faz com que constituam uma parte mínima da Mente (ver Prop. 14 desta parte). Além disso, gera Amor à coisa imutável e eterna (ver Prop. 15 desta parte), da qual somos deveras possuidores (ver Prop. 45 da parte 2), [Amor] que por isso não pode ser manchado por nenhum dos vícios que estão no Amor comum, mas pode ser sempre cada vez maior (pela Prop. 15 desta parte), ocupar a maior parte da Mente (pela Prop. 16 desta parte) e afetá-la amplamente. E com isto terminei tudo que diz respeito a esta vida presente, pois o que eu disse no princípio deste Escólio, a saber, que com estas poucas [proposições] reuni todos os remédios para os afetos [affectus], poderá ver facilmente cada um que prestar atenção ao que dissemos neste Escólio e simultaneamente às definições da Mente e de seus afetos [affectus], e por fim às Proposições 1 e 3 da Parte 3. Portanto é chegado o tempo de passar àquelas coisas que pertencem à duração da Mente sem relação ao Corpo. ÉTICA V Intelecto Prop. XX
Demonstração: A Mente não exprime a existência atual de seu Corpo, nem tampouco concebe como atuais as afecções [affectio] do Corpo, a não ser enquanto dura o Corpo (pelo Corol. da Prop. 8 da parte 2), e, consequentemente (pela Prop. 26 da parte 2), não concebe nenhum corpo como existente em ato a não ser enquanto seu Corpo dura, e por isso não pode imaginar nada (ver Def. de Imaginação no Esc. da Prop. 17 da parte 2), nem recordar-se das coisas passadas, a não ser enquanto dura o Corpo (ver Def. de Memória no Esc. da Prop. 18 da parte 2). C. Q. D. ÉTICA V Intelecto Prop. XXI
Demonstração: Quem tem um Corpo apto a fazer [agir] muitíssimas coisas, defronta-se minimamente com os afetos [affectus] que são maus (pela Prop. 38 da parte 4), isto é (pela Prop. 30 da parte 4), com os afetos [affectus] que são contrários a nossa natureza, e assim (pela Prop. 10 desta parte) tem o poder de ordenar e concatenar as afecções [affectio] do Corpo segundo a ordem do intelecto, e, consequentemente (pela Prop. 14 desta parte), de fazer com que todas as afecções [affectio] se refiram à ideia de Deus; disso ocorrerá (pela Prop. 15 desta parte) que seja afetado de um Amor a Deus que (pela Prop. 16 desta parte) deve ocupar, ou seja, constituir a maior parte da Mente, e por isso (pela Prop. 33 desta parte) tem uma Mente cuja maior parte é eterna. C. Q D. ÉTICA V Intelecto Prop. XXXIX