Se a gnose, tal como a ciência positiva, utiliza o instrumento do discurso e, portanto, quer ser comunicável, em que diferirá da ciência? Sobre este tema crucial, só podemos fazer afirmações demasiado contundentes, mas a coleção “Correspondances” foi criada precisamente para explorar esta distinção e explicar o seu significado.
A visão de mundo que a ciência oferece está em modo de sucessão, a da gnose em modo de simultaneidade. Para a gnose não existem seres ou fenômenos separados: a separação é o fato de um estado provisório de visão, de uma redução abstrata que deve ser completada por uma integração. A ciência é redutiva, a gnose é integrativa. “Ocorre-me”, já escreveu Descartes, “que não devemos considerar uma única criatura separadamente, quando perguntamos se as obras de Deus são perfeitas, mas geralmente todas as criaturas juntas: porque a mesma coisa que poderia talvez com algum tipo de razão parecer muito imperfeita se estivesse sozinha, é considerada muito perfeita em sua natureza se for considerada como parte de todo este universo” (Meditationes de prima philosophia).
Costuma-se indicar que a gnose tem um instrumento próprio, que é o raciocínio por analogia: a interdependência universal resultaria assim de conexões qualitativas, — enquanto as da ciência são quantitativas, — e a percepção das analogias, ao estabelecer correspondências entre os diferentes “níveis” da realidade, tenderia a liberar centros de significado chamados “símbolos” dos quais irradiariam diversas expressões da grande unidade.
Este é de fato o modo mais simples de constituição da gnose: é um conhecimento simbolista que se alimenta da descoberta e explicação de analogias. Este conhecimento ainda deve ser fundado na legitimidade.
[…]Podemos primeiro identificar a estrutura do conhecimento simbolista?
Tomaremos o próprio conhecimento científico como termo de comparação. Como funciona a ciência? Prossegue reunindo fatos, sendo a ligação materializada por um conjunto de mecanismos que permitem medições quantitativas. Por exemplo, medimos a pressão e o volume de uma determinada massa de gás e comparamos os dois números obtidos para notar que o seu produto permanece constante: daí a lei de Mariotte. A estrutura deste conjunto de operações é fácil de identificar: é uma proporção, ou seja, a ligação de duas relações. Na verdade, é necessária uma primeira relação para definir a pressão do gás que resulta da aproximação deste gás ao dispositivo de medição de pressão; foi mesmo a invenção deste dispositivo que criou a “pressão” de fato para a ciência. Um segundo relatório é igualmente estabelecido para a definição e medição do fato “volume”. A lei emerge finalmente de uma terceira relação que resulta da comparação dos dois primeiros, ou seja, dos dois números obtidos nas duas operações preliminares. A mediação entre os fatos é assim estabelecida por ferramentas, que são nos dois primeiros casos mecanismos materiais de medição, e no terceiro a própria matemática, uma ferramenta de outro tipo, mas ainda assim uma ferramenta, e é o caráter “objetivo” desses instrumentos que estabelece a objetividade da lei, ao permitir ignorar a “equação pessoal” do experimentador. Dito isto, seria fácil generalizar e demonstrar que toda a intuição, todo o julgamento se baseia numa estrutura semelhante. Esta semelhança é particularmente clara no caso do raciocínio por analogia: A está para B como C está para D. Só que, no caso mais geral, as mediações entre os termos e entre as relações já não são asseguradas por mecanismos “objetivos”, mas pelo próprio observador. Daí o caráter “subjetivo” da intuição e do julgamento por analogia, caráter que a ciência se esforça por reduzir para tornar a intuição não apenas óbvia, mas adequada. Se decompormos a famosa intuição a partir da qual Newton começou a refletir sobre a gravitação universal: “A maçã que cai na terra é para a terra o que a terra que gravita no universo é para o universo”, notamos que enquanto a ciência não tiver reduzido quantitativamente estes fatos a um conjunto de medidas, a evidência desta intuição ou desta analogia não será necessariamente adequada. Quando digo: eu penso, isso é óbvio, mas posso pensar errado. Graças a medições e cálculos, Newton conseguiu “demonstrar” a lei da gravitação e, numa primeira aproximação, vemos-nos confirmados nesta observação de que a ciência procede por redução e a gnose por integração. A gnose de Newton também precedeu sua ciência (a intuição iluminativa de Newton era um produto de sua gnose já incorporada), mas também podemos dizer que ela o sucedeu (Newton, tendo compreendido e demonstrado a gravitação, era capaz de intuições novas e mais “universais” do que antes). Vamos tentar reconstruir esta passagem. Irá nos esclarecer sobre a estrutura oculta por trás da “simultaneidade” gnóstica e da percepção intuitiva das analogias.
A imediatez da intuição de Newton, que lhe confere a sua força iluminadora, e que fez desta intuição um único “momento” na vida de Newton, pode de fato ser decomposta retrospectivamente por uma análise das suas implicações, e esta análise constituirá basicamente o protótipo das reconstruções fenomenológicas que podem servir de base a uma metafísica ou esoterismo regenerado.
A intuição de Newton era como um relâmpago na escuridão interior. Contudo, olhando mais de perto, as três conexões de que falamos emergem com perfeita clareza. Newton “primeiro” viu a maçã cair. A sua visão ingénua considerou este fato banal do qual emergiu uma relação entre o fruto que caiu e a terra que o acolheu. Ele viu “então”, — e era para ele ao mesmo tempo, — uma segunda relação, a da terra e do universo, mas é aqui que a reconstrução ilumina tudo: de fato, para se contentar aqui também com a visão banal, Newton teria que ver o universo movendo-se em torno da terra imóvel, e, de fato, a revolução copernicana, que inverteu esta relação, foi uma visão transcendental, e não uma visão ingénua. A intuição de Newton consistia exactamente nisto que, reunindo as duas relações que o senso comum lhe proporcionava, a maçã movendo-se em relação à terra e o universo também em movimento, esta segunda relação lhe parecia um escândalo em relação à primeira: num mundo homogéneo, é o pequeno que deve mover-se em relação ao grande e não o contrário. A intuição de Newton, despertada por este escândalo, consistiu em pôr-lhe fim e restabelecer no bom senso, que é o oposto do bom senso, a relação da terra com o universo: foi o produto da integração, em Newton, das conquistas da revolução copernicana. Esta intuição aparece portanto, na sua fase final, ao colocar em proporção as duas relações, como uma inversão transcendental da própria inversão natural, uma inversão da inversão. Mas aparece sobretudo como o confronto, no próprio Newton, entre o velho Eu ingênuo da banalidade cotidiana e o “eu” transcendental da visão transfigurada, a passagem de um ao outro, e isto por uma inversão, um retorno sobre si mesmo do olhar ingênuo que o Eu inicialmente colocou sobre o mundo.
É este retorno do olhar a si mesmo que constitui o fato capital da nossa análise. Nasce do “escândalo” do mundo. Daí a importância do escândalo: o escândalo deve acontecer, nada nasce senão através do jogo da contradição. Este retorno a si mesmo está implicitamente presente em qualquer descoberta ou invenção científica. Mas, ao contrário da ciência, a gnose, a fenomenologia moderna e o esoterismo já não a querem implícita, mas sim explícita. Além disso, enquanto a ciência procura perpetuamente superar-se abrindo novas linearidades, novas sucessões causais onde, sem o saber, aliena esse retorno, a gnose, renunciando às sequências causalistas, fecha estas sequências sobre si mesmas, vê em cada efeito a causa da sua causa, e finalmente destrói na sua concepção dialética da interação universal a noção de tempo sucessivo. É na medida em que a ciência contemporânea se vê incapaz, no infinitamente grande e no infinitamente pequeno, de introduzir os seus mecanismos habituais como mediadores, e onde, consequentemente, a sua linearidade esbarra em obstáculos decisivos, que os cientistas são obrigados a falar da crise da ciência e a rever a sua concepção de determinismo. A noção de feedback popularizada pela cibernética já coloca o problema do retorno sobre si mesmo da cadeia de causa–efeito em sistemas autorregulados. Mas devemos obviamente ir muito mais longe e considerar o modo de visão simultânea como o próprio fundamento da visão absoluta. A estrutura desta visão é a da proporção. Sob o nome de logos, Platão visa a função eminente e criativa da mediação, também chamada por ele e por Pitágoras de harmonia. É esta mesma estrutura que Husserl descreveu quando reconstituiu, dentro da consciência absoluta, as relações de noema e noesis. A metafísica, a fenomenologia transcendental e o esoterismo regenerado encontram-se assim explorando o mesmo campo: o do desdobramento das implicações da estrutura absoluta.
A força evocativa que o simbolismo possui provém desta estruturação implícita que sustenta as suas ligações e lhes confere um poder de integração independente da “letra” do símbolo, um poder que anuncia que cada símbolo é ele próprio integrável e é apenas um foco de significado provisoriamente isolado num foco maior que espera ser nomeado. A aura do simbolismo, o seu brilho inefável, esta espécie de abertura poética que os símbolos criam à sua volta, deve-se a esta falta de explicação do poder alusivo que dele procede. Esta falta é apenas a evocação de uma plenitude. Somente à medida que os símbolos multiplicam as suas valências na consciência objetivante e tecem uma trama cada vez mais estreita entre eles é que esta evocação se torna dramática. O homem se perde nesta floresta e quer se perder ali e se encontrar ali. É então que a invocação nasce do paroxismo da evocação. Se esta invocação é de boa ou má qualidade, ninguém poderá julgar, exceto de fora, se pode ou não colocar nesta exuberância poética o quadro geométrico da estrutura absoluta, e se, intensificando a própria efusão por esta infusão, ele é capaz de fazer surgir em si uma luz mais ardente do que o ser gelado, a da ordem. O conhecimento é ordem, ou não é. Daí o papel tradicionalmente atribuído ao “mestre”. Um mestre é qualificado como aquele que possui a visão da estrutura absoluta, aquele que é capaz de ir além das estruturas amputadas ou alienadas e completá-las, de situar exatamente os pólos de sentido em suas correspondências, de dialetizar o que ainda é linear e não circular ou melhor esferoidal, sucessivo e não simultâneo, estático e não genético. Em última análise, o mestre apenas ajuda o discípulo a passar do estado de evocação para o de invocação. Esta capacidade de estruturação pertence ao que Husserl chama de intuição das essências, e escapa à psicologia natural: cai no âmbito da análise intencional que está na base do método fenomenológico moderno e põe em jogo todo o poder gnóstico do ser. Todos os excessos verbais da mitologia poética, a sua forma de hipostasiar deuses e demónios, estão ligados a um defeito nesta capacidade. Isto porque na verdade a regra de ouro do simbolismo não é, sob o pretexto de que tudo está em tudo, unir as palavras, mas identificar as estruturas onde as conexões acontecem, as conexões bilaterais onde elas se formam. E a estrutura aqui é transcendente às próprias palavras, o verbo prevalece sobre o nome, a função sobre o órgão, a polaridade apaga os pólos. Sabemos que na Cabala Hebraica os nomes possuem um valor numérico que resulta da soma dos próprios valores criptografados por suas letras. Essa criptografia é realizada por meio de chaves tradicionais, e obviamente chegamos ao resultado de que palavras com significados muito diferentes têm o mesmo valor. Temos assim uma mina a céu aberto de ligações e alegorias de onde cada um pode extrair como quiser, sem controlo e sem constrangimento, as palavras mais inesperadas reunindo-se num verdadeiro delírio dos sentidos. Escusado será dizer que esta exegese é apenas uma caricatura da verdadeira gematria cabalística. Permanece o fato de que, à custa de hipostasiar nomes, alienamos os sentidos. Esta preeminência da estrutura aparece, além disso, na matemática moderna. Na axiomática, que é o ápice integrador da matemática, a estrutura acabou apagando o objeto. Dir-se-á que os cabalistas vulgares não possuem a intuição das essências. Deveríamos negar algum valor aos seus jogos? Esse distúrbio também tem um significado. Ele é “a infância da arte”. Depois de inventar a perspectiva, Uccello, à noite, acordou a esposa para lhe dizer: Que coisa admirável é a perspectiva! Contudo, a perspectiva de Uccello estava errada.
Por outro lado, o sucesso das teorias psicanalíticas e, em todo o caso, a facilidade com que o grave problema da sua fundação foi evitado nas mentes dos praticantes, deve-se ao fato de os principais arquétipos, aqueles em torno dos quais todos os outros se organizam, estarem eles próprios organizados segundo uma estrutura, a da família — Pai, Mãe, Filho, Filha — que é fácil de mostrar é apenas uma ilustração da estrutura absoluto. O caráter óbvio que assume o estatuto dos arquétipos não significa que essa organização seja realmente compreendida pelos psicanalistas e que os pólos de sentido por eles substantivados não obliterem, em última análise, o jogo da transcendência. Da mesma forma na astrologia. Esta ciência, como qualquer outra, recomeça com o empirismo, e o seu código tradicional de interpretações permanece sujeito à experiência. No entanto, a virtude inerente ao simbolismo já lhe confere poderes mais amplos. A invenção ou descoberta (como se queira) dos dois planetas adicionais que receberam os nomes de Vulcano e Prosérpina, resulta da necessidade, tanto empírica (uma vez que é experimentada e vivida) como intuitiva (uma vez que o seu objecto é a priori e absoluto), de completar a distribuição planetária até então aceite, o que não permitiu que a dialética das analogias e complementaridades funcionasse plenamente. A estrutura absoluta desempenha aqui novamente um papel indutor. Em seu livro Alma e Ação, Charles Baudouin quase chega ao fundo do poço ao distinguir dois simbolismos dialeticamente ligados, um atuando no nível funcional dos verbos, o outro no nível orgânico dos nomes e objetos, e é fácil perceber que um sistema simbólico de verbos apenas induz essências no sentido husserliano e é inscrito empiricamente no sentido da redução eidética mais geral. As diferentes psicanálises e a astrologia estrutural estão hoje apanhadas neste movimento. O doutor Otto Rank, por exemplo, analisa o “trauma do nascimento” em termos de ansiedade infantil, satisfação sexual, reprodução neurótica, adaptação simbólica, compensação heróica, sublimação religiosa, idealização artística e especulação filosófica. O mínimo que podemos dizer é que este conjunto justaposto de conexões é linear. Corresponde a um censo simples que aguarda uma organização genética. Admitamos o trauma como um fato que actua a todos os níveis: mas como é controlada a sua situação nestes mesmos “níveis”? Porque é que este “conteúdo” comum surge em formas tão variadas? A redução do canal analógico ainda precisa ser feita. O mesmo acontece na astrologia, quando nos dizem que a inclinação para acumular, específica da oralidade saturniana, pode entrar tanto na possessividade do ciumento quanto na avareza, ou mesmo na habilidade do naturalista ou na ganância de conhecimento do estudioso. Num dos futuros trabalhos da coleção, André Barbault destaca que o aglomerado de quatro ou cinco planetas em Áries caracteriza os temas de personagens tão díspares como Hobbes, Zola, Lenin, Goya e Landru. Todos esses personagens, no entanto, são semelhantes no sentido de que são marcianos quase puros, todos igualmente agressivos em sua esfera de ação. Hobbes defende uma filosofia agressiva e autocastradora; seu utilitarismo resulta em despotismo. A pintura de Goya deleita-se com a selvageria e o horror. Os romances de Zola são a descrição de uma verdade crua, brutal e militante. O dinamismo revolucionário de Lenine era o de um conquistador extremista. Finalmente, Landru leva o sadismo de Áries ao ponto da perversão e do assassinato. Permanecendo no nível dos efeitos, a astrologia cumpre apenas metade da sua missão investigativa; é incapaz de correlacionar o aspecto astral e a situação concreta real. Para que o fato fosse circunscrito, o próprio aspecto astral teria que ser colocado em relação com outros aspectos, significando por exemplo a vocação filosófica, ou o impulso para assassinar. Mas, em última análise, ficaríamos perdidos numa multidão infinita de relacionamentos. Para permanecer administrável, a astrologia é, portanto, levada a se ater a um certo número de estruturas simples e versáteis, cujo significado ela objetiva, por exemplo, uma estrutura Lua-Vênus-Saturno-Netuno para a introversão, Sol-Marte-Júpiter-Urano para a extroversão, mas esta redução a estruturas parciais marca obviamente a imitação da astrologia “objetiva”. É então necessário colocar essas estruturas parciais em movimento em direção à estrutura global, mas isso não é mais responsabilidade da astrologia. É aqui que o astrólogo se questiona sobre o seu poder mais ou menos integrador de apagar os fatos ou as situações particulares por detrás da universalidade das suas essências e, finalmente, de apagar as próprias essências. A astrologia nada mais é do que o suporte do ascetismo intelectual do astrólogo. Não existe mais um problema específico da astrologia, assim como não existe num campo relacionado, um problema específico da psicanálise: existe um problema do astrólogo e do psicanalista, que é fundamentalmente diferente.
Além disso, esta capacidade da estrutura absoluta de orientar, enriquecer, intensificar o conhecimento simbolista não significa de forma alguma que este mesmo conhecimento seja assim legitimado como uma ciência objetivável. O movimento em direção à objetividade perde-se infinitamente no poder inefável do “eu”.
(Raymond Abellio, Esprit Moderne)