Cavell1989
Quem, em que desamparo, faz tal pergunta [“Onde nos encontramos?”]? A quem? E a própria pergunta deve ser feita no estado de perplexidade, digamos, de desorientação, que o ensaio descreve em seguida. O poema que prefacia o ensaio é sobre algo ali chamado “os senhores da vida” — algo semelhante a categorias a priori da vida humana: Uso, Surpresa, Superfície, Sonho, Sucessão, Erro, Temperamento — e, explicitamente, fala de um menino de olhar perplexo, caminhando “entre as pernas de seus altos tutores” (presumivelmente, esses senhores), a quem a Natureza toma pela mão e sussurra “Querido, não te preocupes… Es tu, o fundador; estes são a tua raça”. (Trata-se de uma criança? Ele é chamado “homenzinho”. Será ele mesmo que está descrito, juntamente com os senhores da vida, como “o inventor do jogo/Onipresente sem nome” ? A condição ou predicado composto — onipotente sem nome — poderia ser a de Waldo, no ensaio). Antes da pergunta inicial sobre encontrarmos a nós mesmos, então, somos alertados de que o pensamento do escritor detém-se na fundação. Assim, embora o ensaio seja sobre a dor e o luto, ou a incorporação, ilustráveis, por assim dizer, através da morte de um filho menino, desde o início essa circunstância, embora cheia de perplexidade, deve ser considerada à luz do ensaio como um trabalho, ou reivindicação, de fundação. Mas fundação de quê?
De início, se a pergunta de abertura do ensaio, a “Onde nos encontramos?” a nós mesmos é um convite a perguntar onde estamos, no [87] começo de um texto escrito, e a partir daí a perguntar qual é o estado perplexo, abalado, da leitura (convite reforçado pela frase, aparentemente de resposta: “Numa série da qual não conhecemos os extremos” — lembrando, talvez, que o volume onde esse texto surgiu intitulava-se Essays: second series); e se o pensamento que me guia é bem-fundamentado — que a escrita de Emerson deve ser lida como um apelo à filosofia; então, o que está sendo encontrado, ou estabelecido, é uma relação com a filosofia. E, se for assim, já sabemos que uma causa da perplexidade é a consequente necessidade de estabelecer, ou reconceber, o que é fundar, o que é uma fundamentação filosófica (ou um chão, pois os passos que damos não devem terminar ou começar em algum lugar?) — e, especificamente, conceber o que significa intuir a fundamentação numa criança (será possível concebê-la como uma criança abandonada [foundling]?) e a ideia de encontrarmos a nós mesmos.