Uma vez que está destinado a substituir o esquema hilemórfico, cujo domínio se estende a todas as áreas da filosofia, o princípio da individuação deve ser capaz de ser aplicado universalmente sem perder sua capacidade de marcar diferenças. A obra de G. Simondon como um todo demonstra a fecundidade desse princípio. Ele se aplica ao mundo físico: o exemplo paradigmático é a cristalização, à qual Simondon retorna com muita frequência; mas a individuação já diz respeito às profundezas da matéria e da energia quântica. Aplica-se ao mundo vivo: a maior parte de GSIG é dedicada à individuação biológica. A principal característica da individuação biológica — que culmina na individuação do ser humano vivo — é sua relativa in-finitude, sua abertura, que a distingue da individuação técnica (o produto-objeto acabado) e da individuação física, cujo devir é fundamentalmente iterativo (a propagação do mesmo tipo de cristal de uma pessoa para outra). O ser vivo está “sempre no processo de tornar-se entre dois processos de individuação” — “é tanto um sistema de individuação quanto o resultado parcial da individuação” (GSIG, p. 44). Essa individuação prolongada decorre das informações virtuais que ele carrega dentro de si e de sua interação com o ambiente. De certa forma, o ser vivo leva consigo seu molde, mas isso pode ser mais ou menos reformulado no curso da evolução. “A vida é, portanto, uma individuação contínua ao longo do tempo (…)” (GSIG, p. 70). O ser vivo contém uma carga pré-individualizada (ainda não individualizada), na forma de um potencial real de virtualidades, que pode, até certo ponto e de acordo com circunstâncias singulares, se individualizar no curso da existência do indivíduo e, além disso, na evolução da espécie.
“Precisamos pensar na vida como uma série transdutiva de operações de individuação, ou como uma cadeia de resoluções sucessivas, cada resolução anterior podendo ser retomada e reincorporada em resoluções subsequentes (…) A axiomática da vida se torna mais complexa e mais rica por meio da evolução; a evolução não é, estritamente falando, um aprimoramento, mas uma integração, a manutenção de uma metaestabilidade que se apoia cada vez mais em si mesma, acumulando potenciais, montando estruturas e funções. A individuação como geradora de indivíduos perecíveis, sujeitos ao envelhecimento e à morte, é apenas um aspecto dessa individuação vital generalizada (…)” (GSIG, p. 239-40).
E ainda enfatizando a continuidade do físico para o vivo:
“A individuação viva é basicamente parte de uma individuação física inacabada e aberta que não termina em pura iteratividade, mas continua sua individuação indefinidamente (…) Em seus níveis mais primitivos, o indivíduo vivo é, de alguma forma, um cristal em seu estado nascente, crescendo sem se estabilizar” (GSIG, p. 132-33).
Essa continuidade, que também diz respeito à transição do vivo para o humano, não é isenta de descontinuidades ou saltos quânticos. Mas essas rupturas nunca são absolutas. Para Simondon, não há diferença ontológica que a ontogênese não possa transpor transdutivamente. Ontogênese é diferenciação: ser-vir a ser em fases sucessivas ou sincrônicas. Portanto, tampouco há diferenças ou descontinuidades que o pensamento não possa superar de forma análoga: o ser-para-ser é legein — diferenciando o manter-junto — e logos (discurso, pensamento) é uma fase do ser-para-ser que reflete e amplia o manter-junto diferenciador.
Toda individuação é, em última análise, a individuação do ser, a ontogênese, e a ontologia só pode ser o acompanhamento simbólico disso, ou seja, a ontogenealogia.