ECLI
A desgraça do homem é que ele não pode definir-se em relação a algo, que sua existência carece de um ponto estável e de um centro que a determine. Sua oscilação entre a vida e o espirito o leva a perdê-los a ambos e a converter-se assim em um nada que aspira à existência. Esse animal, indiretamente, deseja o espírito e lamenta a vida. O homem não pode encontrar equilíbrio algum no mundo, porque o equilíbrio não se ganha negando a vida, mas vivendo. Esse nada que aspira à existência é o resultado de uma negação da vida. Por isso o homem tem o privilegio de poder morrer a qualquer momento, de renunciar à ilusão de viver, existente em si mesmo. Não é revelador para a essência do homem sua inclinação para a decadência? A maioria dos homens decai; só muito poucos se elevam. E nada é mais entristecedor do que assistir a esse desmoronamento. Pois o que nos entristece não é somente o fato de que em seu destino podemos ver nosso futuro, mas constatar a contínua presença de uma podridão na essência do homem.
Todo o seu processo de decadência é apenas um sucessivo distanciamento da existência, mas não um distanciamento por meio da transcendência, da sublimação ou da renúncia, mas por uma fatalidade parecida com a que faz cair na terra o fruto apodrecido de uma árvore. Toda decadência é uma deficiência na existência e uma perda de existência, de modo que a solidão do homem é ao mesmo tempo solidão do nada e solidão do ser.
Quando pensas detidamente no homem, em sua condição particular no mundo, és tomado de uma infinita amargura. Dar-te conta a cada instante de que tudo quanto fazes é fruto de tua condição particular; que todos os gestos absurdos, sublimes, arriscados ou grotescos, todos os pensamentos, as tristezas, as alegrias e os desmoronamentos, todos os ímpetos e os fracassos são apenas o resultado de tua forma particular de existência, que se tivesses sido qualquer outra coisa que não fosse homem, não o terias feito; ser consciente sempre da particularidade de tua condição, ser obcecado pelo absurdo da forma humana de existência implica sentir tanto asco pelo fenômeno humano que desejas converter-te em qualquer coisa menos em homem. Essa obsessão permanente com o absurdo humano torna a existência duplamente insuportável: como vida concebida biologicamente e como vida desviada em forma humana. Esta forma é um paradoxo no mundo. E os homens pagaram caro pelo caráter paradoxal de sua forma de existência: com muitos sofrimentos, inadmissíveis em um mundo que, já em si mesmo, é inadmissível.